Roxa xenaider

sábado, dezembro 24, 2005

Gorongoza

Fui contratado para ir a Moçambique em Setembro de 1953 filmar um documentário sobre caça. Fizemos trabalhos na Zambésia que já relatei noutro escrito. Posteriormente fomos para o Parque da Gorongoza onde seria mais fácil filmar os animais mais de perto, dado que ali, porque se sentiam seguros deixavam aproximar os carros, não as pessoas a pé. Tivemos oportunidade de encontrar uma grande variedade de espécies em boas condições de filmagem mas depois de termos gasto dois ou três dias de busca, não viramos sequer o rasto de leões. Coisa difícil de acreditar já que aquela Reserva era conhecida pela abundância daquela espécie. Saíamos do acampamento ainda de noite com duas carrinhas e chegávamos ao nascer do dia às zonas onde seria mais certo encontrar caça. Devo dizer em aparte que quando saí de Luanda, não sabia muito bem o que me iria acontecer, já que o meu patrão e, a partir dali, meu grande Amigo Felipe Solms era perfeitamente imprevisível e completamente Louco ( ou quase ) meti na mala a roupa do mato e, entre outras peças, um smoking branco. Na terceira madrugada da busca do leão, aproveitando a fraca visibilidade do acampamento, vesti uma boa camisola por baixo da camisa, enverguei o smoking e fui empoleirar-me no tejadilho da carrinha o melhor sítio para filmar. Os outro foram chegando meios ensonados e sentando-se nas tábuas que serviam de assentos. Quando o dia clareou o Alberto Araújo, nosso caçador guia e protector - tinha licença para levar uma arma – começou a rir e chamou a atenção dos outros que , perplexos me perguntaram se eu tinha endoidecido o resto que me faltava. Mas eu tinha uma lógica: então vocês aptresentam-se em mangas de camisa e querem que o Rei da Selva apareça ? Hoje é que vai ser.” Nesse dia filmámos leões para todos os gostos. Claro que tive de mandar o casaco branco para dentro da cabina do carro. Ninguém vai à caça vestido de branco.
Mas lá que resultou, resultou.

domingo, dezembro 18, 2005

os bons velhotes do bom hotel

Já escrevi noutro local sobre a "qualidade" dos Hotéis do mato e da odisseia de quem por eles passava. Mas nem tudo na Terra são horrores, e aqui vai um bom exemplo. Pela enésima vez tomei, no Lobito, o comboio que me levaria ao Alto Catumbela a fim de fazer um Documentário sobre a Celulose. Aí se localizava a maior fábrica de papel de Angola. A viagem iniciou-se por volta das seis horas da tarde e,para mim macabou uzentos quilómetros adiante já depois da meia noite. Naquela vila, a pesar da importância da sua indústria, a Estação de Caminhos de Ferro era muito pequena e o cais mais curto do que o comprimento do comboio. Chegado ali apressei-me a retirar o material, vários volumes com mais de quarenta quilos de peso. A minha carruagem era a última,e tive de descer tudo para o chão às escuras e debaixo de uma chuva torrencial. O combóio partiu imediatamente e eu deitei a correr, tanto quanto o terreno e escuridão mo permitiam, em direcção à plataforma antes que já não houvesse lá ninguém. Tive sorte, ainda lá estava um preto já velho que me ajudou a transportar os vários volumes a caminho do “hotel” onde, o homem trabalhava. Fomos recebidos pela dona da casa, uma mulher grande e antipática, que começou a descompor o criado: “não sabes que quando não há quartos não tens nada que ir à Estação buscar ninguém ?” Carregados com a bagagem e o peso da chuva que não parava, fomos à procura de um outro hotel que felizmente não ficava longe. Era igual ao outro, talvez um pouco mais pequeno. Estava já fechado mas o dono, um homem já para a banda dos setenta anos, ainda estava a pé e abriu-nos a porta. Desilusão: não havia quartos. As perspectivas não podiam ser piores. Encharcado, cansado, cheio de sono e tendo de omeçar a trabalhar na manhã que se aproximava, já passara à muito da uma hora, em desespero fui verificar se os dois carros estacionados à porta estariam abertos. Não estavam. O hoteleiro sugeriu que eu dormisse num "cadeirão" da sala, mas teria de me levantar às seis horas, quando voltaria a abrir o estabelecimento que era o bar/restaurante da casa. Não teria outro remédio. Embrulhado numa manta, secando a roupa no corpo, lá iria para o "cadeirão" comprido. Mas que cadeirão? só não escrevo "sui-géneris" porque havia muitos outros iguais por aqueles matos fora. Eram feitos com as aduelas de barris do vinho importado da Metrópole, e considerados "tara perdida". Já agora um ligeiro desvio até aos anos 50. Em Luanda só havia água nas torneiras umas poucas horas por dia. Aqui, lugar aos inestimáveis barris de cem
litros. Era só tirar-lhes um dos tampos, lava-los muito bem e na casa de banho, acompanhados de um púcaro grande, garantiam o banho diário. Muitas casas ficaram com um indelével círculo de ferrugem no chão. Até os Hotéis. Voltando aos cadeirões:
estas aduelas são ligeiramente curvas como se sabe, o que tornava menos incómodos o assento e as costas. Resignado, ia aceitar a situação quando o hoteleiro, agora já acompanhado da Mulher, me diz para esperar um pouco e desapareceram ambos da minha vista. Reapareceram pouco depois com a boa notícia: UM QUARTO! Acompanharam-me até à porta, desejaram-me uma boa noite e deixaram-me só. Entrei e... caiou-me a Alma aos pés. Aquele não era um quarto de hotel, ”frio e impessoal.” Era uma habitação de pessoas, tinha "naperons" nas mesas de cabeceira, retratos sobre uma cómoda antiga. Sentia-se a presença de gente, de vida. Sem dúvida era o quarto do casal. Mas se não havia quartos, onde teriam eles ido deitar-se? Busquei a resposta e encontrei-a: a cómoda teria sido arrastada até tapar o aro de uma porta - sem porta - que dava para um pequeno compartimento iluminado com duas velas. Senti movimento,espiração de pessoas, e cometi a indiscrição de olhar por cima do móvel. Ali estavam eles, os dois velhotes, sentados em duas vulgares e incómodas cadeiras incapazes de proporcionar um bom sono a quem labutara todo o dia. Todos os dias de longos anos, e que tão generosos acabavam de ser comigo que tinha metade da sua idade. Que fazer? Nada. Não me restava mais nada se não deitar-me e dormir. Não, também não. Restava-me ficar agradecido por toda a vida, e até hoje, e já lá vão perto de cinquenta anos, nunca esqueci aquele casal de hoteleiros de um “Bom Hotel do Mato. De manhã agradeci o melhor que pude, tomei o pequeno almoço, perdão o "Matabicho" assim se dizia em Angola. Os meus hospedeiros disseram que já haveria quarto a partir daquele dia. Munido da credencial que levara de Luanda, procurei o Administrador que se mostrou desolado por não ter mandado ninguém buscar-me ao combóio. Estava avisado da minha visita mas não sabia quando. Nem eu. Garantiu-me o apoio necessário e fez questão de hospedar-me em sua casa. Contei-lhe o que se havia passado naquela noite e tentei
fazer-lhe ver que não poderia cometer a ingratidão e a grosseria de abandonar o Hotel. Não se convenceu e fez questão de ir comigo falar com os hoteleiros e leva-los a aceitar a situação sem ficarem ofendidos. Claro que a aceitaram e compreenderam a situação, tal como eu a aceitei. Afinal ele era a Autoridade. De certa maneira
também eu compreendi o gesto do Administrador. Quem vivia afastado dos grandes Centros, recebia como uma benção a visita de quem de lá vinha O resto não tem história. Simples rotina. Como a Fábrica laborava vinte e quatro sobre vinte e quatro horas, trabalhei aquele dia e a noite toda, e no dia seguinte apanhei o combóio de volta ao Lobito e o avião de Luanda para passar alguns dias em companhia da família. É meu único intento tornar conhecido um lindo gesto de solidariedade e Amor ao próximo dados por aqueles dois Bons Seres Humanos que quase me fizeram esquecer as vicissitudes passadas em tantos outros "hotéis" do mato, dos quais já anteriormente fiz relato. Faltou-me poder de síntese. escrevi muito e disse pouco.
Se alguém me ler que me releve da extensão. E compreenda a intenção.

domingo, dezembro 11, 2005

com'há setentanos


Ano de 1939, mês de Maio, dia 13, no Santuário de Fátima. O jornalista Augusto Fraga, o operador Aquilino Mendes e eu, como seu assistente, recolhíamos imagens para o Documentário "Oito Séculos de História" a exibir durante a Exposição do Mundo Português a realizar no ano seguinte. O trabalho era exaustivo debaixo de um Sol escaldante. Em dada altura, a Natureza impôs-se-me e fui em busca de um lugar discreto e afastado. A Basílica estava em início de construção e, nas traseiras, comecei a ouvir vindos de um palheiro, uma pequena construção de meia água, gemidos, choros e gritosaflitivos. Contornei a casa. Do outro lado a parede chegaria a pouco mais de um metro de altura e era continuada por grades de madeira e por entre elas, Gente: homens, mulheres e até crianças estendiam os braços suplicantes, e davam aos olhos horrorizados dos meus vinte anos as imagens cujos sons me haviam guiado até ali. Consegui a voz suficiente para perguntar: “porque é que estão aí?” “Somos os pobrezinhos, os senhores padres não deixam pedir esmola dentro do Santuário. Prendem a gente aqui até ao fim.” Fiquei siderado. Acabara de cumprir doisanos de degredo. Vira muita coisa, o sofrimento de muita gente,mas nada tão cruel, tão desumano e por fim, tão gratuito como o que se estava a infligir àquela pobre gente. Porque o seu "crime" único, era disputar uns magros tostões aos cofres do Santuário e umas "pedrinhas" à coroa da Senhora. Aliás a Senhora não podia ver, sobretudo as crianças, de pequenas e frágeis que eram. Saí dali sem saber que fazer, vergado ao peso da minha impotência, ou até da cobardia, por não ter pelo menos, tentado arrombar aquela porta. Afastei-me angustiado e fui contar aos meus colegas. Não me lembro se o jornalista Augusto Fraga teria dito algo aos senhores padres, mas naqueles tempos poderia ser arriscado. Mas tivesse, ou não, dito alguma coisa, teria caído em saco roto porque pouco depois, os alto-falantes gritavam: “Vão ser benzidas as relíquias que os peregrinos tenham na mão e que hajam sido compradas no Santuário.” Isto é, quem as tivesse adquirido numa das centenas de barracas de ambulantes que rodeavam o Santuário ficaria a saber quea Senhora lhe passaria por cima e iria benzer a vizinha do lado. O certo é que nos ficámos com a nossa indignada impotência perante a desumanidade dos “senhores padres” herdeiros de alguns usos de remotos tempos.
Leio agora, setenta anos depois, na Imprensa, oiço na Rádio, vejo e oiço na Televisão, notícias que me transportaram aos tristes tempos e acontecimentos que acima relatei. Como é possível que em pleno Século XXl, que aliás, não se recomenda muito no que respeita a Direitos Humanos se tenha cometido a inenarrável barbaridade de “encaixotar” seres humanos, homens, mulheres e crianças por tempo indeterminado - um só dia já seria terrível - não à esconsa maneira dos senhores padres, mas a coberto de uma “Lei” ignóbil sobre a imigração ilegal. Não vale pena repetir pormenores demasiado confrangedores, a Comunicação Social já os denunciou. E foi
por ela, pela sua denúncia, que o caso foi em curto prazo resolvido. Se o não solucionaram antes não foi pois por falta de meios mas por comodismo e indiferença face ao sofrimento alheio. E essa indiferença não pode ser imputada a uma entidade abstracta, o Estado, as leis, os regulamentos. São homens quem as executa, quem vê de perto o sofrimento, e ao fim do dia voltam ao lar e acariciam os filhos, tal como os pides com as mesmas mãos com torturavam os presos, acariciavam os seus. E se os senhores padres tinham ( teriam?) o perdão Divino, estes novos carcereiros só têm (terão) a sua própria consciência. Bem haja a Comunicação Social. E se ainda houvesse Censura?

quarta-feira, dezembro 07, 2005

catumbela

Parece um itinerário e de certa forma é. porque se detinava e encetar um percurso por outras terras da Região. Porém esse intuito ficará para mais tarde Estamos em 1950 pela Catumbela, pequena Povoação muito antiga conservando os seus edifícios estilo Colonial, razoávelmente conservados . Fica a meio caminho entre Lobito e enguela, trinta quilómetros para cada lado. É o centro de uma grande companhia çucareira, "Cassequell", com grandes culturas de cana sacarina e a respectiva Fábrica . Mas não é a doçura do açúcar que aqui me traz, antes o amargo de ter visto construir uma Fábrica de forma de todo inesperada para min. Era uma grande strutura em ferro com vários andares, e as máquinas funcionando como que ao ar livre. Destinava-se à refinação do rícino e contava para isso com a produção dessa planta, muito abundante na região. Mas, ao que parece os cálculos do custo deprodução,obrigavam a um determinado preço da matéria prima, para além do qual a laboração só daria prejuízo. Impuseram portanto o preço de compra, esperando que os produtores , não tendo outro mercado próximo , não teriam outro remédio senão o de venderem à Fábrica.. E assim sucedeu durante algum tempo – pouco – até que os agricultores que eram todos nativos, perceberam que não ganhavam nada com o egócio. Então, fizeram a única coisa que estava ao seu alcance, desinteressaram-se da cultura do rícino.. Acabando com a esta, acabaram. com a Indústria. E a Fábrica fechou . E aquela estrutura inovadora, que à noite, era digna de se ver com as suas luzes brilhando na escuridão do mato envolvente, paralisou. Assim esteve durante cerca de vinte anos, até que por influência do Engenheiro Agrónomo Ilídio Barbosa e creio não estar enganado,- após a reconversão da maquinaria voltou a laborar com vários produtos agrícolas:, como bagaço de algodão, semente de girassol, ginguba (amendoim) etc, e assim se manteve, durante muitos anos. Quando saí de Angola, em 1979 não pude saber se ainda funcionava, se as suas muitas luzes ainda iluminavam a escuridão do mato em roda. Mas com o clima de guerra que então se vivia, é tristemente provável que não.

quinta-feira, dezembro 01, 2005

O CONTRABANDISTA

No Presídio Militar da Trafaria havia três locais de castigo : o parlatório, que já não era utilizado como tal, e onde era metido o preso castigado. Era um cubículo com um poial como assento e apenas o espaço para as pernas. Tinha grades a separar o preso da visita. Nunca para lá foi mandado ninguém de entre os presos políticos. O outro castigo, o mais usado, era a cela escura já minha conhecida de muitas estadias mais ou menos prolongadas. Mas uma manhã em que fui mais uma vez posto de castigo, já me não lembro porquê estava a cela escura estava ocupada. Então fui conduzido pelo corredor que lhe passava ao lado até fora do edifício. Num recanto escondido dos olhos de quem entrasse no Presídio, estava um cubo fechado em cinco das faces por grades, sendo a sexta o chão de pedra. Entrei e encontrei-me com um ser curioso. Era um homem atarracado, forte mas não gordo, antes musculado, como os farrapos que vestia deixavam ver. Aparentando mais ou menos trinta anos. Moreno ou queimado pelo Sol, estava descalço e dava saltos mortais para se divertir. Conversamos e soube que era contrabandista. Porque estava naquele Presídio Militar, ele não sabia mas eu calculei que fosse desertor. Era muito primitivo no falar num cerradíssimo alentejano. Ele resolveu fazer um " gaspacho, para o qual tnha a matéria prima necessária que tirou de um alforje não muito recomendável quanto a higiéna como aliás o dono. Entre os prudutos exibidos estava um pepino e eu comecei a pensar o pior. E o pior aconteceu, ele cortou o pepino embocadinhos muito pquenos e juntou-os ao resto dos vejetais. Eu odiava aquela curcubitácia, - que pelo nome não perca - e nem poderia separar os bocadinhos. Entretanto ele tirou do alforje duas cabacinhas com azeite e vinagre e um pão escuro condizente com a cor do alforje. Juntando água ficou pronto o gaspacho. Cortou duas grossas fatias do pão que guardou imediatamente e estendeu-me uma em que peguei desconfiado, duro como madeira mas gostosíssimo. Como aliás estava o gaspacho mesmo com pepino e tudo. E até hoje, e já passaram mais de setenta anos, nunca mais comi pepino, nem salada em que se sentisse o seu gosto. E como não é provável que volte à Trafaria...

Alma amarrotada


O meu aspecto exterior
dá-me como homem prqueno.
Ilusão! que no interior
há uma grande e Bela Alma
que por estar tão apertada
em tão estreito continente
anda toda amarfanhada.
Por isso tenho pavor
d'vir a morrer de repente
e aparecer ao Criador
com a Alma mal cuidada.
E o Criador, Inclemente,
diria à minha Mulher:
Não sabes passar a ferro?
Oh! mulher desmazelada!
deixar partir o marido
com a Alma amarrotada

versos vs poesia

Tão fácil é fazer versos
quão difícil a Poesia.-
Vivem anseios diversos
na Alma de quem a cria.

Quem se atreve n'Aventura
de buscar Inspiração,
é em vão que se tortura
se a não tem no coração

e eu em tristeza imerso.
sem estro e inspiração
saio em busca do meu verso.

Sem saber no que me meto,
vou buscando e rebuscando
e no fim sai um soneto