Roxa xenaider

sexta-feira, abril 21, 2006

Alexandre Belo

Fomos companheiros de carteira durante a 2ª e 3ª classes na Instrução Primária da escola 4-70. No Campo de Stª Clara, nos longínquos anos de 1927/28 do Século XX . Ocupávamos uma carteira da frente, face à Dª Clotilde, professora que nunca hei-de esquece,passados que são setenta e oito anos. A razão porque estávamos na carteira da frente era, quanto mim pelo relato que fiz em “Escola fechada” Quanto ao Alexandre, porque foi sempre o melhor aluno. Mas comecemos pelo princípio que é por onde sempre começam as boas e as más coisas. O Alexandre nasceu no Beco do Belo à beirinha de Alfama, já perto do Rio. O que vai seguir-se é meramente especulativo: é difícil crer na coincidência, de uma família de apelido Belo se instalar no Beco do mesmo nome. A hipótese que perfilho, pelo que conheci do Alexandre, é que a Mãe lhe terá posto o nome do local onde vivia, por não lhe terem deixado outro para o legitimar. O Alexandre era um pouco mais velho do que eu. Entrava todos os dias na Escola com meia hora de atraso, Não às oito e meia mas às nove horas com autorização da Dª Clotilde, nome que não me canso de evocar. Quando entrava na aula, trazia os cadernos embrulhados no “saco dos jornais”. O Alexandre era Ardina. Levantava-se às cinco da manhã para ir às” Casas de Venda” dos jornais no Bairro Alto, levantar os que lhe cabiam, fazia a sua venda e vinha para a Escola com meia hora de atraso e QUATRO de corrida pela Cidade. À tarde a mesma labuta. Cheguei a vê-lo fazendo os trabalhos de casa . . . na rua, á porta com um banco a servir de carteira. Sentado num banco. Lá dentro estava escuro e o petróleo era caro. Era ali que ele escrevia e fazia as contas em cadernos impecáveis com uma boa letra que a Professora, a Dª Clotilde, exibia à Classe, ao lado dos meus “gatafunhos”, a que, até hoje, me tenho mantido inabalavelmente fiel.
Acabada a Escola cada um seguiu o seu destino e ainda nos encontrámos de quando em vez, ao sabor do acaso. Ele seguia vendendo jornais até que, já adulto, casado e julgo que com filhos, resolveu vender “a Venda”. Parece redundante, mas tem explicação. Os vendedores de jornais regiam-se por um código que entre outras coisas estabelecia zonas onde cada um vendia sem ser atropelado nem atropelar outros. A isso se chamava a “Venda”. O Alexcandre tinha uma boa Venda, mas o seu sonho era ser estivador, entre outros motivos, porque se ganhava melhor. Não sei se mais alguma coisa o motivara. Raras vezes o encontrava, e foi num desse breves encontros que ele me disse que tinha vendido a Venda e comprado um lugar na Estiva.. Tudo isto parece estranho. É. Mas tem uma explicação simples. Na Estiva vigorava uma “lei” mafiosa: os encarregados só davam trabalho a quem eles queriam, por amizade – pouco credível - ou por “compra”. Havia algumas excepções, de poucos que se queriam retirar, e vendiam o lugar tal como o Alexandre com a “Venda” . Mas ainda havia uma ditadura dos encarregados. Mesmo aqueles que já haviam “comprado” o lugar, se não caíam nas suas boas graças e não “entravam” de vez em quando, bem podiam vir de madrugada ao “conto” que nunca eram contados. Encontrei algumas vezes o “Alexandre Estivador”. Até que uma “lingada” caindo do guindaste o atirou para o fundo do porão. E matou o sonho de uma Vida.

A Vida do Alexandre Belo!

Deus tem muitas distracções...

sábado, abril 15, 2006

O Tenor e as circunstâncias


Em 1936 rodou-se na Tobis em Lisboa o filme Bocage realizado por Leitão de Barros, e cujas filmagens foram prenhes de "casos", ou não tivesse tido, o filme, oito meses de gestação. Já contei alguns, e vou recordar um outro cuja origem se prende com a participação do, tenor Tomás Alcaide. A sua actuação iria ter como cenário os jardins do Palácio de Queluz e estava marcado para dois dias após a chegada do Tenor que vivia no estrangeiro. Seriam filmagens difíceis, implicando muita figuração e muitos meios técnicos, dos poucos de que nessa época dispúnhamos. Mas Tomás Alcaide só chegou na véspera quase à noite num avião que foi aterrar a... Évora. Com centenas de figurantes convocados, com toda a logística a postos, com tudo o que isso comporta de esforço, trabalho e organização, que só quem é do “ofício” pode avaliar. Não era possível adiar as filmagens. Por isso, nessa mesma noite, ensaiaram a canção cuja música o cantor aprendeu rapidamente, mas o poema não. No dia seguinte, maquilhado, vestido com o rico traje da corte; em pé num barco, exibindo um violino que não sabia tocar, iria cantar, ao ritmo da música aprendida na véspera, uma canção que também não sabia, Daí a necessidade de um "ponto." O barco do cantor estava ligado por duas tábuas com cerca de dois metros a um outro que transportava a câmara, o Operador e o Realizador. Terá sido ideia de algum dos assistentes, se não, do próprio Leitão de Barros, mas logo se pôs em prática. A ideia era deitar alguém sobre uma das tábuas para "pontar" a letra. Tinha de ser alguém muito leve e que soubesse a canção. Todos apontaram para o "claquete-boy" com os seus modestos cinquenta e poucos quilos, e lá fui eu. deitado de costas para ficar fora de campo, ia dizendo: "O Amor é cego e vê...não sei porquê", e o cantor repetia: " O Amor é cego e vê"... etc.etc. dando arcadas no violino ao ritmo da música aprendida em poucos minutos na noite anterior. Depois o ponto dizia o verso seguinte que ele repetia, e assim sucessivamente até ao fim, que só chegou quando o Leitão de Barros entendeu. Lembro-me que foi cansativo, e divertido para os meus vinte anos, como foram de paixão todos os momentos em que respirei a atmosfera de amianto do Estúdio da Tobis. Que me seja perdoado o devaneio. Finalmente, depois de o cantor ter gravado em Estúdio o som da canção, ficou uma cena muito romântica num belo cenário natural como era pretendido.

---oOo---


Um outro caso, este mais sério –ou menos – ouvi-o da boca de Leitão de Barros. . . . treze anos depois, durante as filmagens de "Vendaval Maravilhoso" de que fui operador. Passo a contar:
O "Bocage" foi filmado numa versão portuguêsa e outra espanhola, cujo título era "Las Três Grácias . " O Produtor desta versão era um homem já muito entrado em anos, D.Ernesto (?)não me recordo do apelido. Pois queria ele que Tomás Alcaide cantasse em espanhol a mesma canção, mas achava que não devia pagar mais nada por isso. Naturalmente T.A.. quis ser pago por mais esse trabalho. As conversações foram difíceis e a dada altura, Don. Ernesto diz:" Bueno, se lo pido a Miguel.". E tantas vezes repetiu esta frase durante as conversas que Tomás Alcaide acabou por perguntar: " quem é esse Miguel. ?" Responde Don Ernesto: " é meu primo Fleta,
Miguel Fleta era o tenor espanhol, na altura rival de Alcaide por essa Europa onde ambos se,
haviam fixado, ,e a última coisa que ambos desejariam era um confronto directo, para mais com a mesma canção. Tomaz Alcaide acabou cedendo e D. Ernesto levou a sua àvante, por obra de uma "pequena" mentira –haverá "pequenas" Se as há esta não foi com certeza: O "Migué" não era nada primo dele.

---xXx---

O "ante princípio" do Bocage foi muito curioso. O Actor escolhido para interpretar o papel do poeta, fora Estêvão Amarante, célebre actor de Comédia. Era uma pessoa sobre o forte, cara redonda, e quanto me lembro, aparentando mais do que os quarenta e sete anos que na altura tinha. Ora segundo uma gravura da época, e tal como era tradição, o Poeta tinha "Carão esquálido, nariz grande,......." Foi esta gravura que foi dadaao maquilleur, o Olec, um alemão muito competente (já vinha do "Trevo de Quatro Folhas" de Chianca de Garcia,que foi um triste fracasso ) . Tudo iria depender dele e realmente aquando das provas, o Amarante parecia magro e esquálido, mas visto apenas sob um determinado ângulo. perfeito para teatro mas não para l Cinema, como se compreende Foi então escolhido o Actor Raul de Carvalho, homem de porte atlético, rosto simpático de galã. Era um bom actor do Teatro Nacional D. Maria. Com ele tudo deu uma volta de 180º. O Poeta deixou de ter o Carão ezquálido e grande nariz e ar enfermiço. para se tranformar num altleta, quase brigão. O Poeta Caldas que o diga. A maquillge passou a realçar as feições sadias do Raul. O poeta tinha gestos largos e possantes e uma gargalhada estentórica. Tudo contrário à inútil e melancólica gravura que da parede da maquillage parecia dizer: que belo seria eu no Século XX ." Mas ao contrário do que a gravura "pensa", neste Século, muita coisa igual, ou pior subsiste. A Censura estava com os olhos vesgos na fita. Alguns dos versos do Poeta só tetrão passado, creio eu, por influência do próprio Leitão de Barros.
Mas recordo um cartaz quase em tamanho natural, representando o poeta em traje negro sobre fundo branco. Bocage ´representado num gesto eufórico como que executando um salto, com um braço levantado e empunhando o chapéu. Por baixo da figura, em letras muito grandes uma só palçavra: BOCAGE. que assossiada à figura, mais parecia LIBERDADE. Foram mandados arrancar das paredes. E agora por falar em Liberdade. O brasileiro Poeta Caldas interpretado primorosamente por Joaquim Prata, finava-se de medo do Bocage. Quando este foi preso, o Caldas procura o Intendent Pina Manique, Chefe das Polícias,. e pede-lhe que solte oBocage. E argumenta: "Os poetas precisam de liberdade. Muita liberdade, os potas são como os pássaros!" E o Pina Manique: " Eles são mas é doidos!" e soltou o Manuel Maria. Havia de ser neste hoje de
quase cinquenta anos.


Se a memória me ajudar vou reproduzir uns versos e uma canção do filme, ambos da autoriado Poeta e ditos e cantada pelo Raul de Carvalho. A cena era o Salão de "Alcipe" nome com que a Marqueza de Alorna assinava o seus poemas que eram do género: "As mulheres nos Salões/ são como as flores simples e belas. Trazem mel nos corações/ e há sempre abelhas à volta delas. / Túlipas caras e jacintos d’oiro...etc etc.. Estes versos, da própria Alcipe, marcam o tipo de poesia dita naqueles Saraus. Bocage assistia enjoado, quando veio daquelas Damas o pedido. “senhor Bocage, diga-nos... ( tenho de interromper aqui porque por estranha coincidência, neste preciso momento – meia noite e meia hora de 6 de Abril de 2006 – Carlos do Carmo canta versos de Bocage - não sei dizer o que senti ). Voltando ao filme: diziam as Damas, "senhor Bocage ,diga-nos uns versos" . E o Poeta com voz forte e desafiadora: Ah! Querem versos? Pois aí vão:

"Cruzei o Mar ingrato e a Terra dura.
E nela! e nele! por toda a parte vi
que sempre a vã Fortuna aos maus sorri
e sempre aos bons assiste a Desventura.
Respeita-se a Riqueza mais impura
cuja insolência vil, nunca servi !
E quando a hipocrisia têm por si,
pôe-se virtude em toda a criatura.
Ah! Sociedade torpe e mentirosa,
quem nasce livre, independente e amante ,
sofre-te a justiça impiedosa,
mais que ninguém aos fados é constante,

e pra servir uma existência odiosa
tem de morrer de nojo a cada instante.

--yYy---

Preso na cadeia do Limoeiro canta esta canção romântica

Nesta Prisão
que o Amor cruel me deu
O coração
Mais preso está do que eu.
Anália o tem,
nas graças do seu olhar
E desse Bem,
nunca o poderei soltar.
Para matar.
duma vez toda alegria,
Basta roubar,
nossa Liberdade um dia.
Ai que saudade
eu tenho de andar na rua
ai Liberdade
qum a tem chama-lhe sua!

---xXx---

Dá um salto para o gradão de onde se vê a rua, e descreve e comenta o que se passa por lá.

Ao ver-me preso entre as grades
todo meu ser se revolta
ao pensar que andam à solta
tantos cães e tantos frades.
Não se avistam as beldades
só passam homens aos cachos
altos, magros, gordos, baixos
e as moças atrás das frestas
parece a Feira das bestas,
na rua só andam machos.

Passam aos gritos e aos ais
à procura das mulheres
os cadetes e os alferes
do Regimento do Cais.
Mas daqui eu peço aos pais
das raparigas mais belas
não lhes fechem as janelas
nem as prendam no saguão.
Metam-nas nesta Prisão
que eu cá me entendo com Elas.

--- engraçada esta "Opereta" Bocage no Ano da Graça de 1936
15/Abril/2006

O Baptizado que o não foi e o Pároco que não devia tê-lo sido

Nas décadas de 50 e 60 viveu em Luanda um casal muito simpático, o Sr. Almeida e a esposa que era a Actriz já retirada Zeca Fernandes, uma Mulher muito bonita a pesar dos anos decorridos até à data a que me reporto. Éramos vizinhos e visitas recíprocas. Aquela família tinha um motorista e uma lavadeira, marido e mulher que moravam nos anexos da casa. Tinham um bébé com cerca de um ano quando a mãe o deixou com o pai, e nunca mais apareceu. O pobre pai aflito não sabia o que fazer à vida e à criança e foi então que a Zéca Fernandes resolveu tomar conta do bébée e criá-lo como filho. O garoto era muito bonito e esperto, e a “madrinha” ensinou-o a cumprimentar as visitas com muito boas maneiras. Tinha o mocinho talvez uns quatro anos quando andava a brincar aos cow-boys com o meu filho ligeiramente mais velho. Assisti então a uma cena que me deixou uma marca tão grande que, passados mais de cinquenta anos, ainda me causa uma mágua e mesmo vergonha. Os garotos perseguiam-se aos "tiros" e o meu filho, fugia e o mocinho perseguia-o gritando: " é pá ! é pá ! " Nisto, o perseguid0 resolve enfrentar o perseguidor e volta-se para trás gritando também. "É pá o quê ! é pá o quê ! o pequeno estcou, cala-se por um momento, e com uma vòzita tímida, diz muito a medo: "Menino !?" Já não brincou mais e eu não soube o que fazer. Mas soube muito bem perceber o que andámos nós a fazer durante séculos. Estou a escrever às onze horas da noite de catorze de Abril de 2006, isto é: cinquenta e dois anos depois, e ainda tenho nos olhos aquele pequenino rosto, aqueles olhos tristes que numa fracção de segundo passaram da alegria e da confiança, para a tristeza e a desilusão. Por aqueles olhos magoados de criança passaram quinhentos anos. de sublissão. E eu, queira ou não, fiz parte deles.

----oTo----
A Zeca Fernandes resolveu baptizar a criança e o baptizado foi marcado para a Igreja do Carmo, mesmo no centro de Luanda, frente à Câmara Municipal. O pároco, Padre Martins era um homem novo muito desembaraçado e bem falante. A Madrinha do garoto tinha-me pedido para fazer umas fotografias do acontecimento. Acedi com gosto na minha dupla qualidade de profissional e de Amigo.

Quando entrei na Igreja para me orientar num local que ainda não conhecia, eis que o padre Martins pretende impedir-me de trabalhar a pretexto de um acordo que tinha com outro fotógrafo que teria o exclusivo de fotografar na sua igreja, Percebi imediatamente que ali havia negociata. Mais tarde tive a confirmação do meu colega a quem inquiri. No entanto, recusei-me a sair da igreja exibindo a Carteira Profissional, e fiquei à espera do "Baptizado que o não foi."
É que no início da cerimónia aparece a mãe da criança que abandonara quatro ou cinco anos antes, invocando a sua qualidade de mãe e fazendo escândalo, mostrando que estava separada e que não eram casados mas apenas juntos. Foi a ocasião para "o pároco que o não devia ter sido" mostrar o seu fanatismo, crueldade, estupidez; pois se o menino viesse a morrer "não batizado" não teria, segundo o seu credo, direito a entrar no Ceu e vogaria no Limbo por toda a eternidade. Não sou crente. Provavelmente também o não é o padre Martins. Mas foi... é um ser desprezível.

Todas as medalhas têm duas faces:
Passado algum tempo o motorista resolve voltar para a sua terra e levar a criança. Quando se fo despedir dos patrões pediu-lhes mata-bicho. Perante a admiração destes, usou o seu “argumento.” “Então, a Senhora teve o menino em casa todo o tempo”. Parece incrível...mas não é tanto assim. Os negros estavam habituados a que os brancos se servissem deles e não o contrário. Logo: se a Senhora teve lá o menino, só pode ter sido para se servir dele. Portanto... “mata-bicho” Paradoxal. A Senhora, a Zéca, deu e “recebeu” daquela pequena alma, frágil, sozinha e indefesa todo o carinho, toda a ternura que já teria dado a netos. Mas na ideia do pai, “Só” recebeu.
15/04/006- 05.30 H.

segunda-feira, abril 10, 2006

da ferocidade do leão...

Da “ferocidade” do Leão
à tontice do domador

Realizava-se em Angola o Filme ...”amicci Perdutti in Àfrica ?” de Ector Scola, para o qual era necessário filmar os intérpretes principais Alberto Sordi e Bernard Blier face a um leão em plena selva. Para tanto, construiu-sum cercado com prumos e traves de ferro tapando tudo com arbustos. Assim se obteve o efeito de lareira mais comprida do que larga, e bastante credível. A um dos extremos foi encostado o carrojaula dos leões do Circo que à data actuava em Luanda. A câmara, com toda a logística foi instalada no extremo oposto a uns bons quinze metros da jaula que, como é obvio, não se encontrava à vista. Os actores avançaram o suficiente para que a câmara os visse de costas. Depois se voltariam, para que a câmara “atestasse” que eram mesmo eles. O domador, cujo nome terminava em “winsky” ou “nevesky” o indiciava como russo, que nos confessou ser turco, e era quase com certeza espanhol, muniu-se do necessário e espectacular chicote, tendo ao alcance da mão uma cadeira. Verificou alarmado, que se tinha esquecido do mais rico adereço de cena: a “pistola” de tão inocentes quão ruidosos disparos. Lembrou-se então, ou alguém por ele, de pedir ao polícia que nos protegia dos curiosos, a pistola de serviço que ele tão gentil como estupidamente se prestou a ceder. Tudo preparado, criado o clima dramático, com os actores a entrarem em campo pelos lados da da câmara, abriram a jaula e o leão saiu calma e pouco majestoso para aquele pedaço de falsa liberdade que ele aliás nunca tinha conhecido. Um pequeno àparte: quem vê um leão no circo e já viu, ou vê mais tarde um Leão no seu ambiente, mal reconhece neles o mesmo animal. É certo que o de circo tem mais juba o que lhe dá uma falsa aparência de majestade. No seu habitat têm menos juba porque as “biçapas” os ramos, etc. não a deixam crescer muito. Mas a maneira como se movem, a forma lenta e tranquila como rodam a cabeça para olhar em volta, não tem comparação com as pobres “imitações” circenses. Ainda sobre o seu andar: dá a impressão que marcham dentro de uma pele autónoma do próprio corpo. Vê-se a pele deslizando sobre os músculos. Têm o orgulho de nunca “fugir”, quando têm de o fazer, só correm depois de terem desaparecido atrás de qualquer coisa que os encubra. Correr: só na nossa direcção. Isso tive a sorte de nunca ter visto! É certo que o elefante, que pelo peso e tamanho se torna imune aos ataques de outros animais, poderá ser o rei da Selva. Todavia, o seu aspecto de criatura triste, resignada com a sua feiura, sempre de nariz no chão, fugindo perante o menor sinal de perigo, até que, muito perseguido...bem, o melhor será estar noutro Continente. Mas o ar de realeza do Leão, não deixa lugar a dúvidas quanto a quem tem “sangue azul” .Voltando às filmagens e à saída do leão da sua prisão perpétua: os actores em primeiro plano de costas. Ao fundo o leão devia estar perplexo com aquilo que pela primeira vez lhe era dado ver. Algo na sua memória biológica lhe terá beliscado a pele, mas ao domador, isso não interessava e ia estalando o chicote, esgrimindo com a cadeira, para manter o leão afastado da saída que era do nosso lado, não fosse ele ter a ideia de escolher a liberdade e ir morrer de fome nalgum recesso do mato, habituado como está, a que lhe metam a “comida na boca” salvo seja. Eufórico o senhor wisginky ou nevsky, desata aos tiros na direcção do leão sem se lembrar que, cada vez que aperta o gatilho, nove milímetros de chumbo são lançados sobre o pobre felino que repentinamente solta um rugido como nunca tinha imaginado poder dar e... foge direitinho à tranquila segurança do cárcere. Deve ter pensado: estes gajos são doidos, que mal terei eu feito? Fomos encontrá-lo a lamber uma pata. O domador dizia mal à sua vida, porque embora a bala tivesse passado milagrosamente por entre os ossos e tendões, atingindo só partes moles da pata, isso poderia provocar alguma febre impedindo a entrada em palco da pobre vedeta. Não me recordo se daquela cena algo se aproveitou. Só tive ocasião de ver o filme alguns anos depois e, tanto quanto me pude lembrar, todos os ambientes pareciam verdadeiros...porque o eram, embora em cinema, muitas vezes suceda o contrário. Bom exemplo disso poderá encontrar-se em “Ribatejo.” como relatei noutra ocasião.

segunda-feira, abril 03, 2006

O Crocodilo



- Auto-sugestões -
. . .no primeiro "auto-sugestões" ameacei com um segundo: pois aqui vai. Ao contrário do primeiro, este caiu-me no colo. Fui imensas vezes à Cidade do Lobito (Angola) e lá filmei mais do que um Documentários e várias reportagens .Conhecia muito bem a terra. Estava em mais uma dessas reportagens, desta vez acompanhado pelos meus Amigos e camaradas de trabalho, Alfredo Saraiva, fotógrafo e António Brás, operador de Televisão. Uma noite, após o jantar demos um pequeno passeio que nos levou até à Praça do Império onde haviam sido erguidas duas colunas semelhantes às do Terreiro do Paço em Lisboa. Julgo que ali terá desembarcado o Presidente Carmona ao visitar Angola em 1938. Escrevo este último parágrafo sob reserva, não estava em Angola nesse tempo. Nessa Praça, voltado para a baía tinham construído um Pavilhão (Luso?),café, restaurante e loja de artesanato. Num largo espaço junto à entrada, tinham construído um tosco Parque Infantil com uns ainda mais toscos "animais selvagens" em cimento. Nada é completamente bom, e quase nada é completamente mau. Havia um bonito tanque, quase rente ao chão, com vinte ou trinta centímetros de borda e três metros de comprimento com pouco mais de um de largo.Tinha pouca profundidade e nele estava mergulhado um crocodilo feito em vidrilho em que a variedade de cor dos quadradinhos reproduzia bastante bem o lombo de um jacaré quase a superfície, deixando ver apenas os olhos e narinas que são rotuberantes. Permitam- me um dos meus pequenos desvios de rota. Quando nos rios; aqueles olhos e narinas podem ser confundidos com pequenos troncos ou gravetos que a corrente arrasta, e talvez seja isso que eles querem. Olhando com atenção pode ver-se que aqueles estranhos gravetos estão imóveis enquanto os autênticos seguem a corrente. Acabou o desvio. Voltemos ao laguinho e ao seu falso habitante. Ao passarmos junto dele eu lancei uma boca sem a mínima ideia de obter qualquer resposta – apenas falar para não estar calado: “Vocês já viram a inconsciência desta gente? Num sítio onde brincam crianças porem um "jacaré." Ia seguir mais além quando oiço uma frase inesperada. Aliás eu não esperava nada, quando muito uma ligeira risada. " Óh, mas é a fingir." Bem, pensei eu, isto vai dar para rir um bocado. Como dizia um camarada meu de prisão há mais de setenta anos: "eu gosto muito de me rir. Fico todo contente". E ria-se com um riso comunicativo excelente num tão mau sítio. Voltando ao Lobito: resolvi explorar o magnífico filão que me caíra no colo. "Quem é que disse que é a fingir ? eu tenho vindo aqui imensas vezes e sempre me tenho indignado com isto" Àh, não pode ser verdadeiro aqui no meio da Cidade e junto de crianças, diz um deles. "Pois é isso mesmo que eu digo. E se Vocês acham que é falso, ponham o pé em cima". –"Ponha Você." – Eu! eu ponho uma porra! Pois eu que sei que é verdadeiro é que vou pôr o pé ? Vá, seus espertinhos, ponham, Vocês! Não puseram. Atiraram pedrinhas, fizeram barulho e, suprema coragem: queriam mexer com um pau. Mas eu não deixei, seria uma" temeridade". Mais tarde, já em Luanda, quando se falava nisso diziam: "a gente sabia que não podia ser verdadeiro... mas o nervoso". Ainda hoje me rio. . ."gosto muito de me rir. Fico todo contente"

domingo, abril 02, 2006

O Sonho

O SONHO

Vou enfim contar o sonho
que não posso mais guardar
e que é...assim suponho:
importante divulgar.
Porque este sonho que tive
não se esquece ao acordar,
e na memória’inda vive.
Não foi bem um pesadelo,
mas assustei-me um bocado
ao procurar revivê-lo.
Não é lá que eu acredite
na premonição dos sonhos,
uns tristes, outros nem tanto.
e há uns,q'sendo medonhos,
têm o condão de mostrar
a Vida como ela é.
E há um ou outro mais doce
que nos deixa ver até,
como queríamos q’ela fosse.
Mas o meu sonho não foi
de uma ou de outra qualidade.
Foi uma coisa "sui-gèneris"
que não foi carne nem peixe.
Vou expor o que aconteceu
assim a memória me deixe.
... mas que rai’de sonho tive eu!!!?