Roxa xenaider

sexta-feira, maio 26, 2006

de como a Eficiência dos Bombeiros me lixou a reportagem

Luanda, meados dos anos sessenta do Século XX.. Estava na baixa da cidade gozando um merecido dia de lazer, quando oiço as sirenes dos bombeiros e, pelo som percebi que os carros iam em direcção ao Porto de onde vinha uma ténue coluna de fumo. Peguei na carrinha earranquei direito a casa buscar a câmara . Naquele tempo o trânsito não era muito mas eu temia não chegar a tempo de fazer uma reportagem para as “Actualidades de Angola” jornal cinematográfico que na altura fazia. Não quero mentir mas não posso assegurar que não tenha murmurado , uma prece para que o Criador ou quem me escutasse, e tivesse poder para tanto, deixasse ainda um bocadinho de fogo para mim. Depois de ter a câmara comigo fui até ao Porto a "voar baixo", entrei fazendo sinal aos guardas fiscais. Cheguei junto do quase ex-incendio que deflagrara por combustão expontânea num grande lote de Urena lobata, uma planta fibrosa oriunda, de entre outras regiões, do Bangladesh. Serve para fazer cordas, tecer sacos, tudo o que se faz com cânhamo, sisal, etc. . Ali vinha em fardos pesadíssimos, muito apertados e cintados de fitas de ferro. Vinha já reduzida a fio em grandes meadas de centenas de metros. Fora o grande aperto conjugado, provavelmente com a exposição ao Sol que terá provocado a combustão. Quando cheguei ao local do "sinistro", pude verificar que, tivesse ou não murmurado uma prece, ninguém me ouviu. A eficiência dos Bombeiros tinha apagado as labaredas, o espectáculo portanto, com grandes mangueiras jorrando grandes jactos de água que encharcou as meadas de Urena Lobata, mas o fumo persistia levando a crer que o interior ainda ardia e podia reacender o fogo. Para grandes males grandes remédios, era preciso combater o inimigo no seu interior. Mas para lá chegar era preciso tirar de cima do lote uma dúzia de motoretas N.S.U , a primeira marca que apareceu em Luanda. Vinham destinadas à Lusolanda do muito simpático cidadão Holandês Freudhental que não teve a dita de ver aquelas. Para chegar aos fardos e às meadas era preciso desanuviar o espaço. Nada melhor do que pegar nas frágeis máquinas engradadas em fragilíssimas ripas de madeira, e lançá-las de mais de dois metros para o chão. Finalizado o "motoreticídio" seguiu -se a parte mais difícil: o ataque ao inimigo no seu próprio seio. O que quer que ardia, estava metido lá para a profundidade dos fardos apertadíssimos. Mas todo o material dos bombeiros está sempre impecável de brilho e de operacionalidade. Que dizer dos brilhantes machados que eles luzem à cintura ? Que são eficientes nas mãos de gente eficiente. Daí que em pouco tempo reduzissem as meadas de centenas de metros a pedaços de trinta centímetros. Mas apagaram o fogo que era o seu Dever de Bombeiros. E eu assisti, frustrado mas com admiração, àquele desafio, aquela emulação entre o fogo e os machados. “Vamos lá ver quem é que estraga primeiro”? Não fiquei sabendo. Saí antes do fim. Mas tudo me leva a crer que foram os machados que me lixaram a reportagem.
A Tempo: nada do que ficou escrito, a pesar de ser absolutamente verdadeiro, diminui a admiração e simpatia que nutro pelos Bombeiros, pelo seu trabalho, coragem e abnegação. Fiz este relato seguindo a filisofia de vida do meu Amigo Vasco Santana. Dizia ele perante um acontecimento aborrecido e que eu considerava no mínimo, "uma chatice". "Não é. É porreiro pr'a gente contar mais tarde!" E é assim que o recordo. . .cinquenta anos depois.

quarta-feira, maio 24, 2006

Cordas

A estória que pretendo contar e que se passou durante o meu tempo de tropa foi para mim uma surpresa a pesar da minha experiência anterior obtida durante o tempo de cadeia em que convivi com pessoas de diferentes estratos e culturas. Mas tornou-se inesquecível pela ingenuidade do protagonista. Mas vamos à estória .
O Grupo de Artilharia Contra Aeronaves aquartelado na Cidadela de Cascais, era considerado Unidade de Elite, Não tanto por si só, mas porque a Cidadela era a residência do Chefe de Estado, General Carmona. Por isso havia um certo cuidado na incorporação de recrutas. Isto era a intenção mas já dizia minha Avó: “de boas intenções está o Inferno cheio.”. E, já agora, porque não começar por mim que fui aprovado para amanuense da Secretaria porque escrevia à máquina com dois dedos?. Na incorporação de 1938, o contingente destinado pela Chefia Militar de Lisboa à nossa Unidade era o mais heterogéneo que imaginar se possa. Desde o jovem afadistado dos Bairros Populares de Lisboa ( de onde aliás, também sou oriundo mas não canto o fado) até ao mais amedrontado camponês do interior. Quando falo de camponês, lembro que me refiro à década de trinta do Século passado. Hoje, Século XXl, quase não existem mais. Em breve ninguém mais se lembrará deles. Num dia de recepção de mancebos apresentou-se um rapaz quase esfarrapado, com ar assustado que trazia a guia de marcha quase tão esfarrapada como ele próprio. Tornava-se quase impossível a identificação do moço que, insisto, apresentava um aspecto deplorável. O Tenente recebeu a guia, pegou-lhe com alguma repugnância perguntou o nome, que estava ilegível e passou-me a batata quente em forma de papel sujo e amarrotado, para tratar de fazer a incorporação Tinha pois de escrever um longo documento começando pelo nome da criatura. “Como é que te chamas?” “Xujé de Cordas Pereira,” nome que antes tinha dado ao Tenente.. Pergunto eu: “José de Cordas Pereira, é “ ? “Nã xenhor, Xujé de Cordas Pereira.” . Este jogo de palavras prolongou-se por mais uma troca de perguntas e respostas sem se chegar à soluçãoalguma quando me lembrei do meu tempo de prisão. Lá , havia convivido com camaradas transmontanos de pronúncia semelhante ao do Xujé, embora menos serrada. Então esperançado, lanço: “ José de CALDAS Pereira” ? Iluminou-se o rosto do rapaz com o mais largo
sorriso que alguma vez fizera. Até que enfim! Tinham-no entendido. “Xim xenhor, Xujé de CÓONRDAS Pereira ! e calou-se com ar de triunfo e alegria
estampados no rosto antes triste... e por barbear. E foi tudo !

terça-feira, maio 23, 2006

Eram assim os velórios

... nos Bairros pobres em casa de gente mais pobre ainda. Casa pequena, família grande com muitos filhos, dois entre os dezoito e os vinte e poucos anos, duas filhas entre os oito e os doze, e um bébé de dois anos. É por este o velório, na idade em que mais se morre em casa. Os velhos vão morrer ao hospital, e de lá partem. A casa já ficou longe, talvez a meses de saudade e dor. Mas as crianças não, morrem em casa quase sempre da mesma doença, ou com a mesma causa, mais ou menos remota: a fome. A deles e a dos pais. A fome acomula-se, herda-se com o nome. Ao cimo da escada estreita, apenas dois comodos mais a cozinha para cinco pessoas. A mais velha já se arrumou, foi-se embora e a outra partirá amanhã de manhã. Por enquanto está aqui no seu último berço: branco sobre a brancura do lençol que cobre a mesa da cozinha. A essa possível. A noite chega e a casa enche-se de gente. É da tradição. Parecia mal não ir. Não é uma festa, mas um acontecimento, um encontro que começa choroso e compungido mas que dentro em pouco se irá transformando em local de conversas ruidosas, de tempo a tempo interrompidas por um" Chiiu"! de efémero resultado. A cozinha está cheia de homens que conversam. Todos em volta da essa, as paredes da cozinha são logo atrás e obrigam a isso.
O Pai da família está sentado ao topo da mesa. Conversa como todos os outros, mas tem obrigações de hospitalidade que não esquece. "Temos de tomar qualquer coisa" diiz. Levanta o lençol da "essa" e tira debaixo da mesa da cozinha um garafão e copos. Não chegam para todos; não faz mal, revezam-se. Saem para fumar. O irmão mais velho, dezassete/dezoito anos, entra acompanhado de algumas jóvens. Sentam-se à volta da essa. A exiguidade da casa o impõe. Uma das moças alvitra: "Vamos jogar às prendas" E jogam: e a prenda vai saindo e os "castigos" também. "Que castigo se dará ?". . . e o irmão mais velho: "dar um beijinho ao defunto." Não sei se o jogo continuou, não vi mais. As mulheres estão à parte, no quarto com a Mãe. Juntam-se à volta da cama, sentam-se nela, conversam. Escutei espantado uma conversa entre duas. Dizia uma: "A vizinha não calcula a minha aflição. O meu defunto marido deu em me aparecer" Oh! que horror! "É verdade, e calcule que teima em aparecer aos pés da cama e eu e o meu homem, às vezes estamos... , bem a vizinha sabe" - Ai mas parece impossível!? - "Pois é, a vizinha não m'acradita, mas ele às vezes até faz-vida comigo. Eu fico pr'a morrer, vizinha. Se o meu homem acorda!? e a vizinha apavorada: "ai mas q'horror". Assim eram os Velórios nos Bairros pobres.
Visto e ouvido em: Escadinhas de D.Rosa, Alfama, 1936. ( antes de "Dª Flor e os seus dois maridos " Jorge Amado).


* Essa: Estrado onde se colocam os caixões dos defuntos.

sábado, maio 20, 2006

Casos picarescos em "saber" de Raínhas

Vou relatar alguns episódios cómicos sucedidos durante a Exposição de Angola em Bulawyo, Rodésia, hoje Zimbabwe. Estávamos em meados da dècada de cinquenta do Século XX. O primeiro caso picaresco sucedeu ainda em Luanda já no Aeroporto no monento da partida. Eu era operador do Jornal cinematográfico " Actualidades de Angola" e tinha como missão filmar a inauguração da Exposição, meta para que todos nos dirigíamos. Como o avião da Comitiva estava já com excesso de peso, O Director dos Serviços de Economia onde existia um departamento dito: Serviços de Publicidade. departamento este que cuidava das coisas relativas a cultura. Em consonância com a época, Publicidade até era um nome bem apropriado. Pois o Director, Dr. Ramos de Sousa de quem dependia o "fáz-se ou não se fáz" procurou convencer-me a levar menos peso, argumentando: "Eu apenas levo uma casaca e um par de cuecas". Este argumento não teve vencimento., e lá fomos, o meu colega Lemos Pereira, os 40 quilos de material, e eu. Já em Bulawyo fomos encontrar umas temperaturas para as quais não íamoas preparados. Como exemplo: as senhora saiam de casa nos seus carros, encasacadas de luvas e "echarpes" e ao longo da manhã íam-se "descascando" e ao meio dia estavam de "shorts". Uma noite a Orquestra de Londres conduzida por Sir Malcom Seargent, na altura o mais notável dos Maestros Britânicos deu um Concerto no Teatro da Cidade. Os espectadores em traje de cerimónia chegavam sobraçando grandea mantas, e no fim saíam envoltos nelas, listradas e de cores garridas. Pareciam índios. Fora montado um conjunto de casas provisórias a que deram o nome de "Centenary City",logo crismada de "Ordinary City" destinadas a acolher os milhares de turistas atraídos, se não pela Exposição, com certeza pela presença da Raínha Mãe e da Princesa Margarida. O restaurante era exígou e os clientes eram muitos.. As ementas aliás curtas estavam escritas em inglê. Na nossa mesa sentava-se o "velho" fotógrafo Guimaraes, o Lemos Pereira que colaborava comigo, e eu próprio. Juntávamos o pouco inglês que cada um sabia e pediamos os pratos ao empregado quase em estilo telegráfico porque eles não paravam mais , do que alguns segundos, mas sempre conseguíamos que nos servissem aquilo que pedíramos. Mas na mesa ao lado estavam: o Director do Jornal "O Comércio" Araújo Rodrigues, o jornalista do mesmo Jornal, António Pires e o Padre Pereira Director da Rádio Eclésia. Nunca aquelas Almas, a pesar de nos conhecermos e convivermos profissionalmente em Luanda, foram capazes de procurar o nosso auxílio para transmitir ao empregado de mesa o que desejavam comer O Padre Preira trazia com ele, como quem abraça um Breviário, um minúsculo dicionário "Liliput" do tamanho de um caixa de fósforos que trazia o indispensável para se pedir um café ou perguntar pela casa de banho. Mas o "Liliput" do Padre Pereira era pasme-se: PORTUGUÊS FRANCÊS !!! Talvez na sua inabalável Fé, pensasse o padre que o Senhor, para lhe ser intérprete de francês/inglês desceria lá das alturas. Isto supondo que Ele conhecia aqueles idiomas inexsistentes na Sua época. Não desceu; aliás não faz isso há mais de dois mil anos. Mas o padre Pereira, firme nas sua convicção de que a Fé move Montanhas, lá continuou fiel ao seu Liliput, a insistir com os empregados que, como não eram Montanhas não se moveram. Mas comoveram, e já sem lhes perguntarem nada, traziam-lhes todos os dias . . . bifes com ovos estrelados. E não comeram outra coisa durante a estadia, aquelas orgulhosas criaturas que sempre ignoraram mas, estou certo disso, invejaram os mdestos mas bem alimentados vizinhos do lado.
Outro picaresco caso prende-se directamente com o próprio Chefe da Delegação, com a casaca, e não garanto que não também com as cuecas. Este senhor tinha recomendado aos membros mais grados da Comitiva, os poucos que tinham acesso à mão enluvada de Sua Alteza Real que: textualmente, (eu ouvi a recomendção) " Joelho em terra , e o beija-mão" Foi o que ele, e mais ninguém, tentou fazer. Apertado dentro de uma casaca que talvez tivesse sido elegante durante um casamento quarenta anos atrás, contendo agora um corpo com mais esses quarenta anos e a inevitável relação peso/volume, não poude, ao receber a Raínha subindo uns ligeiros degraus, pôr um joelho em terra, ficando pé em baixo pé em cima com o joelho, talvez dolorosamente, meio flectido, a meio caminho entre em pé e agachado. Lamentável de se ver. Mas isto teve um efeito colateral que podia ter custado o emprego ao "velho" Guimarães. Tinha-lhe sido ordenado pelo Director: "quero que me fotografe no beija-mão. Quero que todos vejam como um Republicano da Velha Guarda, sabe beijar a mão de uma Raínha". Salvou-se o Guimarães porque o Produtor Felipe Solms, em Lisboa cortou um fotograma do meu filme, fez uma ampliação, emoldurou-a e enviou-a para Luanda. Foi colocada em lugar de destaque no Gabinete do Director. E lá se conservou por muitos anos.

sexta-feira, maio 19, 2006

O "saber" das Raínhas

Como já vem sendo um (mau?) hábito meu, só irei justificar este título, lá mais para o fim, quando o leitor - eventual - já tiver perdido a paciência, mas...paciência: a leitura é um acto voluntário, e eu estou apenas recordando a mocidade que me deixou, aliás. . . há não muito tempo. Em fins dos anos cinquenta do Século XX, teve lugar em Bulawayo na, ao tempo, Rhodézia, uma grande Exposição comemorando o centenário de Sir Cecil Rhodes, a inaugurar pela Raínha Mãe e pela Princesa Margarida. Angola tinha ali um Pavilhão que os Serviços responsáveis de Luanda quiseram “imortalizar” pelo Cinema e mandaram as “Actualidades de Angola,”, filmar a visita das Reais Figuras à nossa Exposição, que ficaria assim Realmente inaugurada, (coisa que esteve em dúvida até ao último minuto). Estava a Raínha a entrar por um lado e os operários a sair pelo outro, arrastando escadotes e ferramentas. Parece que estou a chegar ao repousante fim; não estou, por enquanto estou prestes a embarcar em Luanda, no avião da Comitiva oficial. Levava comigo o material de trabalho indispensável, que pesava cerca de 40 quilos, e o avião ia sobrecarregado pelos muitos passageiros e ainda peças para expor. Por isso quiseram limitar-me aos vinte quilos habituais. O Director dos Serviços dos quais eu dependia veio tentar dissuadir-me de levar tanto peso, e argumentou: “ eu apenas levo uma casaca e um par de cuecas” - “pois, Senhor Director, eu não levo casaca, não poderei entrar em cuecas, e sem o material indispensável não vale apenas lá ir. Tudo acabou em bem, como geralmente (quase) tudo acabava em Angola. E lá fomos. Chegados a Bulawyo e à Exposição, constatou-se com horror que o nosso Pavilhão nem daí a uma semana estaria pronto para a inauguração marcada para daí a três dias. No entanto eu que estava habituado a ver no Cinama Portugês, em que trabalhara nas décadas de trinta e quarenta, a ver dizia eu, a presteza com que, de um dia para o outro os carpinteiros de cena montavam cenários por vezes complicados, alimentei a esperança de que tudo estivesse acabado a tempo e horas. E assim foi. Entretanto teve lugar o cortejo que percorreu toda a area da Exposição, com a Raínha e a Princesa. Não foi fácil filmá-lo devido à eficiente segurança a cargo de uns “inglesões” de chapeu de coco, enfiados nuns fatos muito apertados como os de todos os polícias quando à "paisana." No Pavilhão, alguns trabalhadores continuavam nos acabamentos que só foram dados por findos quando as Reais Senhoras entravam pela porta principal, e os escadotes, resíduos e ferramentas saiam pela porta dos fundos. Preciosa colaboração me foi prestada por estes trabalhadores, sem os quais l não nos teria sido possível levar a tarefa a bom fim. Tinhamos duas lampadas ligadas a corrente, mas que era preciso ligar e desligar ao longo do caminho da comitiva, portanto mudar de fixa para fixa e arrastar um cabo de dez metros sem pertubar a cerimónia. Foi isso que eles fizeram e nunca lhes agradecerei o suficiente. E já lá vão mais de cinquenta anos. Correra bem o ensaio que fizeramos na véspera e melhor correu no próprio dia. Íamos recuando à frente da excelsa figura da Raínha e do radioso sorriso da Princesa Margarida que - com todo o respeito - além de ser muito bonita tinha a pele já reconhecida como a pele dos Windsor. permita-se-me um desabafo com o seu quê de despeito: a Princesa Margarida que mais tarde viria a casar com um fotógrafo; passando mesmo ao lado de um Operador de Cinema, ouso perguntar: "para onde estariam virados nesse dia, aqueles lindos e principescos olhos ?" Nunca o saberei !
Descendo daqueles olhos para as prosaicas lâmpadas eléctricas. Estas e eu com a câmara, íamos recuando mantendo-nos o mais próximo possiível do limite protocolar, sentindo sempre colado a nós a impressionante estatura do polícia com o chapeu de coco discretamente na mão. E aqui chegámos finalmnte àquilo que vou tentar dizer ao fim de oitenta linhas.
Durante a visita as Senhoras tiveram como cicerone o Director de que já acima falei ( este senhor era de origem caboverdiana e, ao que constou isto teria, à posteriori, dado ocasião a uma ligeira crispação diplomática, mas ali não se sentiu nada). Nós, reporteres tinhamoas todo o cuidado em
não nos apriximarmos mais do que o permitido, mas a tentação de obter melhor "boneco" e
no caso do cinema tendo o olho na câmara por muio tempo, perde-se um pouco a noção da distância conveniente. E aqui entra a "Escola" das Raínhas. Elas também não se querem
ver apanhadas em qualquer situação por ventura embaraçosa. Têm por isso os seus "truques" - com perdão da palavra - que o repórter tem de compreender. Assim, a Raínha, porque a Princesa deixava-se onduzir pela Mãe, observava e ouvia com a mais bem acabada simulação de ar atento o que o cicerone lhe mostrava e dizia. Quando achava que devia continuar a marcha, ensaiava um quase passo para a esquerda, (no caso presente) mas ainda se voltava para trás como que a dar uma última "olhadela" (não me ocoirre a plavra própria para testas coroadas) antes de reiniciar a marcha. Como que a dizer ao jornalista: " Ó menino, olha que eu vou ai. Tem lá cuiidado". E e eu compreendi, e tive sempre "cuidado." Pode dizer-se que entre mim e os Windor se criou um elo de compreensão direi, mesmo uma subtil cumplicidade entre a minha modesta casinha e Bakingh Palace. E foi assim até à sala de saída. Pelo lado de fora da porta fora instalado um guarda-vento, e os meus inestimáveis amigois tinham posto uma escada de mão onde eu subi para fazer um plano alto. Feito este e quando as régeas figuras já se encaminhavam para a saída, saltei da escada que desapareceu numa fracção de segundo, e pude filmar a solene saída das Regias Figuras do Pavilhão de Angola. Tudo correu bem no Reino Unido.





quarta-feira, maio 17, 2006

O Caricaturista e o Pato Bravo

Anos quarenta do Século XX. Feira Popular de Lisboa, no Parque José Maria Eugénio. Neste local que me lembro de sempre ter conhecido muralhado, existiu anteriormente uma Quinta pertença do Sr....José Maria Eugénio. Essa quinta tinha a feliz localisação dividida, parte para lá das portas de Lisboa e parte para cá dessas mesmas portas. Quiz o Destino do Sr. Eugénio, que um ribeiro vindo de fora atravessace a sua propriedade desde o lado das Portas de eenfica.Também os Astros brilharam de feição para o Sr. José Maria. Nesse tempo, fins do Sécul0 XlX, princípios de XX, alguns produtos oriundosd da Região Saloia pagavam direitos para entrar em Lisboa. E disto ainda me lembro. Em princípios dos anos vinte, andava eu pelos meus seis/sete anos, dava grandes passeios na moto com side-car de meu Pai. Passavamos pelas Portas e não sei se o meu Pai pagava os direitos, não trazia nada sugeito a isso ou...os guardas fiscais eram simpáticos. Entre os produtos que mais direitos pagavam, ou deviam pagar, estava a aguardente cujos barris flutuavam ao sabor da corrente que os trazia, no sossego da noite, para a Capital, para engordar o capital do sr. Eugénio. Ouvi esta história da boca de Leitão de Barros,já lá vão mais de setenta Anos. E o Lavrador construiu aquelas muralhas que hoje albergam a Fundação Gulpenkian com os seus jardins; dos mais belos de Lisboa. Pois foi na Feira Popular, que aí funcionou muitos anos, que fui involuntário espectador do episódio que vou contar. Estava com minha Mulher na esplanada de um dos restaurantes da Feira. Numa grande e barulhenta mesa, ocupava a cabeceira um avantajado senhor, com ar próspero, tipo "Pato Bravo" que, a falar alto não dava meças a ninguém, fazendo bem notar que era ele o anfitrião pagador. A dado momento, já o àgape ia em meio o que era bem visaível pela aimação, aproximou-se um homem que andava a fazer caricaturas. Eu já o conhecia e à sua velha gabardina de todo o ano. Sobraçava uma pasta com papeis, chegava-se às pessoas e com uma voz de aerofágico perguntava: " desejá-áis a vossa cricatura ?"- foi o que fez ali e o "Pato Bravo" xcom ar impottante e agnânimo: "faça-me lá oá caricatura", e continuou a comer e a beber e a falar com a boca cheia, também de calinadas. Terminado o trabalho o artista entregou a obra ao cliente. Este olha atentamente o papel, solta uma estrondosa gargalhada e exclama: "È pá! Isto vai já pr'ó Porto. Há lá um gajo meu amigo qu'é tal e qual esta cara." Não sei o que teria sentido o pobre caricaturista. Provavelmente já estava habituado a brutalidades semlhantes.O seu sentimento de dignidade estaria anesteziado para elas. E talvez tivesse ganho ali a refeição daquela noite, quiçá daquele dia. Ainda hoje me sinto constrangido com esta rcordação.

terça-feira, maio 16, 2006

Ruacaná


Recordados a esta distância, mais de quarenta anos, os maus bocados, riscos, cansaços e noites mal dormidas, têm um sabor a saudade que os transforma em aventura com final feliz. Entre muitos maus bocados, recordo uma viagem que durante as filmagens que nos levaram, a mim e ao meu assistente José António, até ao extremo Sul de Angola. Região fascinante que, ao longo de quase trinta anos, percorri muitas vezez sempre com a sensação de ser aquela a primeira. Trazíamos uma "station" Toyota 2000 onde cabia todo o material de filmagem, além da nossa bagagem pessoal, e tinha força para vencer todos os altos e baixos e lamaçais que eram prato de cada dia, ou cada quilómetro. No episódio que agora relembro, corria a época das chuvas, uma das duas "estações" em que se divide o ano: Cacimbo, época seca, de 15 de Maio a 15 de Setembro, e estação das chvas desta data a 15 de Maio. Vínhamos do Ruacaná onde filmaramos as Quedas e íamos a caminho de Pereira D'Eça (N'Giva) opnde haviam eregido uma estátua ao general do mesmo nome, que se ele a tivesse visto tê-la-ía feito implodir tal era o ridículo de um generalzinho de metro e meio sobre um plinto de dois metros. Era um sábado à tarde e vinhams com pressa de chegar ao nosso destino. Passámos vários charcos de água sem dificuldade. Para isso engrenava-se uma "segunda zangada", isto é, com o carro na máxima velocidade que a 2ª permitia, passava-se sem hesitação. Assim fomos passando vários charcos até encontrarmos um de pouca extensão metido entre uma descida e uma subida bastante íngremes e muito próximas entre si. O chamado "repicão", palavra que não existe em português mas era corrente no jargão de quem se via naquelas situações. Para avaliar a profundidade e saber se passarámos ou...
dormiríamos ali, servimo-nos do "nível de calça arregaçada". E lá foi o O Zé António verificar, e não ficámos muito animados. Mas enfim o carro era muito potente, e nós impotentes para resolver de outro modo a situação. Parecia mais fundo do que seria desejável, mas nada que não se pudesse enfrentar recorrendo à citada 2ª zangada. Assim, fizemos marcha atrás, arranque, 2ª, acelerador a fundo e cá vamos nós. Quando chegámos a meio, o carro patinou, foi-se abaixo e. .o refluxo da onda que leváramos à frente, entrou pelo carro dentro até ao nível dos bancos. Fiquei com os fundilhos de molho. E agora? As perspectivas eram pouco menos que trágicas. Estávamos a muitas dezenas de quilómetros de "qualquer sítio." Era fim de tarde de...Sábado. Iríamos ser pasto dos biliões de mosquitos que já zumbiam à nossa volta .O tubo de escape estava submerso tornando impossível pôr o carro a trabalhar. Sentámo-nos mesmo dentro de água para pensar. Pelo menos teriamos pensamentos frescos. Isto digo eu agora, na altura não estávamos para graças. Porque é que o carro não agarrou na lama e potente como era, subiu a rampa? Fomos verificar : o fundo não era lamacento, era ríjo e coberto por uma fina palícula de lama onde o carro patinou e se foi abaixo. Ficámos a saber o porquê mas não a maneira de sair dali. Não sei quanto tempo se terá passado, mas certamente não muito, quando começámos a ouvir o ruído de um motor. Não era alucinação porque ambos ouvimos o mesmo. Então, por um caminho à nossa direita para lá de uma vedação de arame farpado surge uma camioneta cheia de trabalhadores que regressavam do trabalho e íam a caminho de (?). Eram as últimas almas a passar por ali até segunda feira. O resto foi simples: aqueles homens juntaram forças e puzeram o carro em seco ao cimo da rampa. Estávamos novamente senhores da situação. O carro tinha estado submerso até quase cobrir o motor, mas a onda que refluiu tinha-lhe passado por cima deixando-o completamente encharcado, tudo: velas, carborador, filtros etc. estavam cheios de água. Preparáva-me para limpar velas, carburador, quando o meu assistente me diz:
Ó. sr João tente pôr o carro a trabalhar, pode ser que ele pegue." respondi: " Tu não tems juízo.
como´é que isto trabalha cheio de água lamacenta ?.- E preparava-me para começar com as
limpesas quando o assistente teimoso, insistiu. Para o fazer calar e asseitar o que a minha experiência avalisava, torci chave de ignição e. . . o carro deu sinal. tornei a accionar a chave e
o carro pegou. Creio ter escutado naquela ocasião a mais celestial das músicas que só deiou de se ouvir porque as nossas gargalhadas a cobriram. Daí para a frente não houve estória anão ser a
dormida num péssimo quarto em N'Giva. Mas isso era habktual.




A Estátua a ...vaselina e os Bándalos

Em 1939, o Jornalista Augusto Fraga e o Operador Cinematográfico Aquilino Mendes
foram encarregados de fazer um documentário sobre os Monumentos Históricos existentes em todo o País afim de ser exibido por ocasião da Exposição do Mundo Português no ano seguinte. Afixaram no pàrabrisas do carro, um pequeno dístico anunciando “DOIS SÉCULOS DE HISTÓRIA,” e partimos, eu como assistente do Operador. Só a meio da viagem é que se reparou na incongruência.: dois Séculos de história era um pouco curto a contar de Afonso Henriques para cá. Rimo-nos muito, e lá se emendou para “Oito Séculos...”. Iniciáramos a viagem pelo Sul, filmando castelos. estátuas, igrejas, enfim, todos os monumentos mencionados num roteiro que nos tinha sido dado em Lisboa. Não vale a pena relatar esta parte da viagem que não teve nada de especial a distingui-lo. Rumámos depois a Norte bem mais rico em... Ruína de Monumentos. Monumentos em ruínas e outros ainda bem conservados para a idade que tinham. Chegados a Guimarães, procurámos a estátua de Afonso Henriques na Praça Central da cidade. Não sei se ainda lá estará ou se é a que se encontra junto à entrada do Castelo. Erguida sobre um plinto não muito alto, estava coberta de poeiras que a tornavam baça, sem brilho, demonstrando alguma (muita ) falta de cuidados e de limpeza. Resolvemos emprestar-lhe um pouco do brilho que lhe faltava para obter uma imagem mais agradável, mais digna do nosso primeiro Rei. do que mostrava na altura. Comprámos uma caixa de vaselina bórica, pedimos uma escada aos Bombeiros e untámos o Rei de Portugal que rebrilhou ao Sol como nos seus melhores tempos. ( a estátua, claro). Filmámos os planos de que precisãvamos e, acabado o trabalho fomos almoçar à Penha (?) num Restaurante típico. Resolvemos já não voltar à Cidade, e em boa hora o fizemos. Adiante se verá porquê. Rumámos pois a Viana do Castelo onde nos oferecemos um dia de descanso. Aí, fomos abordados por um homem, talvez caixeiro viajante, que nos disse: " Ah! Os senhores estão aqui!? Livraram-se de boa. Calculem que ontem, em Guimarães andavam à vossa procura, ameaçando:"“onde estão os "Bándalos" que besuntaram o nosso Rei? Têm que o limpar c’os focinhos". Será bom não voltarem lá tão depressa". Podemos imaginar, com algum gozo que a distância nos permitia, a Real Figura a suar gordura ao Sol de Agosto, despindo-se lentamente do efémero brilho que o nosso labor e a vaselina lhe tinham dado, e voltando a exibir a porcaria que nós, os "Bándalos" lá tínhamos encontrado à chegada e, ao que parecia, ninguém tinha visto antes.

domingo, maio 07, 2006

Mestre António Gaioleiro

Do Largo de Dona Rosa, em Alfama, partem as Escadinhas do Arco de Dona Rosa. Ao cimo à esquerda é a Rua dos Corvos. Nessa rua, abre-se um Arco que dá entrada ao Beco dos Corvos. Este beco alarga-se depois formando um "condomínio fechado" onde nasceram e morreram várias gerações e ainda são velados os muitos a quem a tuberculose não deu tempo para envelhecer. Falo dos anos trinta do Século XX, e sei do que estou a falar. As pobres gentes que viviam nas pobres casas desse "Condomínio," viradas a Sul, gozavam de uma rica vista sobre o Tejo. Era de graça: estava incluída na pobre renda que mal podiam pagar a um senhorio, também ele pobre. Pretendi com este intróito "colocar" o Mestre gaioleiro. António Gaioleiro como era conhecido em todo o Bairro, devia andar pelos seus sessenta e poucos anos e era uma figura de velho castiço: falava muito, usava antigas máximas, contava histórias e inventava palavras e "destrava-línguas". De certa maneira era um intelectual. Lembro-me de um "destrava" que era "PICAPAQUÍGRAFO", e outra que ele considerava a palavra mais comprida da língua portuguesa. "DESANTIDINACOSMOPOLITIPICAMENTE". Trinta e uma letras. Creio que nem os alemães se teriam abalançado a um tão longo disparate. Com o Sr. António vivia um irmão pouco mais novo, que devia ter tido um AVC, sigla naquela época desconhecida, mas não o mal e os seus efeitos. Este homem mantinha um ar alheado e um mutismo que afligia quem com ele contactava. Tinha frequentes crises de epilepsia a que o irmão prestava os cuidados necessários sem se alterar, tão habituado estava aos periódicos acidentes. Para mim foi um choque muito grande a primeira vez em que assisti a tal drama. O que me espantou, é que o Sr. Joaquim ( não estou certo do nome ) logo que acabava o ataque de alguns segundos, retomava o trabalho com a maior calma e sossego, até à próxima crise. Viviam numa das casa viradas a Sul. Uma das tais de rica vista. Dali se desfrutava parte da Cidade baixa e a quase totalidade do Estuario do Tejo em todo o seu tranquilo explendor. Pior que, virando as costas à janela a vista tinha pouco de rica. Era uma só divisão onde estava instalada a oficina de gaioleiro. Esta apenas cedia o espaço suficiente para duas camas, uma mesa de cozinha sem cozinha onde se faziam e tomavam as refeições. Uns bancos, e quanto a instalações sanitárias não perguntei nada, até porque... já sabia.
Comecei a interessar-me pelas gaiolas quando visitei umas tias de minha Mãe que habitavam ao lado, sem vista para lado nehum. Tinha os meus onze anos. Fiquei deslumbrado com a genealidade (diria eu agora ) da ferramenta e "maquinaria". As peças de madeira eram iguais à madeira das caixas de charutos, muito macia. Dispenso-me de descrever a forma como as madeiras eram levadas às dimensões padronisadas de secção quadrada. Era apenas com um molde de madeira e uma plaina. Mas o deslumbramento era o "engenho de furar." Numa casa onde a energia era a do petrólio ( e a humana,) esta aliada a muito engenho; uma velha máquina de costura à qual havia sido retirada, justamente a possibilidade de costurar e no local instalada uma "buxa" de torno mecânico à qual se aplicava uma broca feita de vareta de chapéu de chuva. Depois...era só dar ao pedal da máquina de "costura", segurar nas peças de madeira com os dedos e, com extraordinária habilidade encostá-las à broca e sem furar os dedos, furar a madeira. Tudo me fascinava, desde o fazer das argolas com um alicate de pontas redondas e muita habilidade até ao armar daqueles pequenos palácios brilhantes, mais hàbilmente ainda. Depois pôr tudo enfiado num pau, atravassá-lo sobre os ombros e levá-los ao Arameiro na rua dos Mesmos, hoje desaparecida em benefício do largo das Cebolas. Ou ao Arameiro da Praça dos Restauradores. Além de me esgueirar para a Oficina do Mestre AntónioGaioleiro onde ia fazendo as tarefas mais fáceis, fazia questão de o ajudar a levar o produto ao destino. Foi nisto que o meu Pai me apanhou, e com um eloquentíssimo discurso me proibiu de tão estúpida brincadeira (palavras suas). E assim acabou a minha carreira de Gaioleiro que eu adivinhava próspera mas que os Defensores dos Direitos dos Animais não teriam deixado vingar.

quinta-feira, maio 04, 2006

A Causa e... por Causa

Acabo de ouvir, enquanto fazia as minhas abluções, uma coincidentemente límpida declaração extraída de um anterior discurso do Dr. Marques Mendes. Dizia ele naquela sua bem timbrada voz e no tom forte e seguro em que falam os Grandes Homens, e cito de cor: "Foi importante ganhar as Autárquicas. Foi importante ajudar a ganhar as Presidênciais e é importante que estejamos preparados para as Legislativas. Mas tudo por uma causa: ganhar as Eleições." E é tudo. Já ficamos esclarecidos: a Causa é ganhar; ganhar as Eleições. Daí para frente tudo o que vier por acréscimo é ganho. E ganho atrai ganho. Em breve se terá ganho de novo, o alcatruz superior da Roda da Nora. E estará ganha a Causa. Lá em baixo, no alcatruz inferior, com um discurso igual ao do Dr. Marques Mendes, não com tão boa voz, conceda-se, estará o vencido, que num discurso em tudo semelhante, pugnará pelo ganho da Causa. E Por CAUSA, continuamos todos afogados no tanque vendo a Roda rodar, e ajudando uns e outros a ganhar alternadamente o alcatruz de cima.
a CAUSA.