Roxa xenaider

terça-feira, outubro 24, 2006

Uma manchinha de sal

Corria o ano de Mil Novecentos e Cinquenta, Acabara de chegar a Angola. Comecei a andar de carro pelo interior – o "mato"- como era geralmente designado – e tudo me amedrontava e surpreendia. E se, com os anos e as muitas viagens, deixei de me amedrontar, cada vez mais me surpreendi, maravilhei e... horrorizei com as obras da Natureza: desde as mais belas e delicadas flores, às mais frondosas florestas, aos rios caudalosos. . . às destruidoras enchentes e à desertificação de regiões imensas.E aqui chegado, estou onde queria: no Deserto de Moçâmedes, onde, às mais desoladoras paisagens se sucedem outras de fascinante beleza. No entanto não deixa de ser um Deserto, cuja vastidão, silêncio e isolamento nos fazem sentir tão pequenos, como na realidade somos. Creio ter ouvido de um Geólogo a explicação para a persistência das secas nesta Região. se bem entendi, devem-se a dois factores diversos mas que se completam: a Serra da Chela com os seus quase dois mil metros, que desce até ao nível do Deserto formando uma parede quase a prumo com diversos quilómetros de largura. As chuvas abundantes na
Serra, são impedidas de avançar para Oeste em direcção ao Mar, porque os ventos são constantes e fortes soprando sempre do Mar para terra durante muitos anos O ano de 1950 foi o primeiro ano de chuvas depois de oito anos de seca. Durante os meus trinta anos de Angola não me lembro de ver chover no Deserto mais do que duas ou três vezes.. Recordo-me que, descendo eu a Serra pela estrada de Moçâmedes debaixo de forte chuvada, vi correndo a gtande velocidadqe um carro vindo do lado de Moçâmedes levantando grande núvem de poeira. Ao chegar ao sopé da Serra, a poeira cessou subitamente e o carro entrou nas chuvas como se se tivesse aberto uma cortina. São tão constantes os ventos do Mar que, e eu aprendi isso logo na minha ida ao Deserto que quem se perca ou tenha o carro avariado, deverá esperar pelo anoitecer, e caminhar sempre com o vento a mais ou menos 45º pela esquerda. Assim irá ter inrfalivelmente à Costa onde existem muitas pescarias. onde encontrará socorro. NUNCA precisei, felizmente!... A Natureza, ao logo de milénios, desertificou imensas parcelas da Terra. Mas, sem ter "vontade própria", fê-lo com toda a "inocência". Mas a Humanidade, em plena consciência, pratica contra Ela, toda a casta de crimes ecológicos, devastações, etc., cujos efeitos, mais tarde ou mais cedo virá a sentir, e a pagar . . .com juros. Circuito fechado afinal! Mas a que vem tudo isto? Acho que foi o mistério e o fascínio do Deserto que me desviaram do rumo que me propusera, e me impuseram um outro. Porque me facilita a narrativa, permito-me passar do Deserto de Moçâmedes "conseguido por meios naturais" para outro quase artesanal Em Catete, a cerca de setenta quilómetros de Luanda fui encontrar terrenos completamente degradados, até ao subsolo. Porquê, e como, fui isto possível ? Pelo regime de concessões que eram requeridas tanto por Grandes Empresas Agrícolas, como por simples cidadãos, muitas vezes sem suficiente capacidade profissional e/ou económica. Não tenho nada a opor, pelo contrário, todos têm direito à Vida, independentemente do "tamanho". Espanta-me somente a aplicação de um principio democrático num tempo e num país que o não eram. Mas se dou graças pelo princípio, lamento o "Como". As concessões de terras eram dadas a quem as pedia mediante a apresentação de um "croquis" da área pretendida, acompanhado de uma declaração autenticada pelas Autoridades da Zona, comprovando não haver ocupação humana na área. Claro que bastas vezes se "provava" a ausência de vida que, a ter existido só atrapalharia. Mas a verdade é qua as pessoas, muitas delas, não tinham bem a noção de como as questões oficiais se processavam. Já agora aqui vai um caso paradigmático que me foi contado pelo Engº Agrónomo Mesquitela, Director da Estação do Instituto do Café na Gabela ou em N’Dalatando, não posso precisar: Alguém terá apresentado às Autoridades competentes, um pedido de concessão de X h acompanhado da declaração e do "croquis" da área que se estendia por alguns hectares dos terrenos. . . no Instituto. Voltemos porém a Catete que é um bom exemplo As terras requeridas naquela zona destinavam-se a grandes plantações de algodão, cultura muito exigente, que esgota a terra rapidamente, se a esta não forem restituídos os princípios que o algodão "sugou". Para além disso deveria ser feita rotação de culturas, o que raramente se fazia, ou não se fazia de todo. Os terrenos de Catete passaram a ser explorados por uma Grande e conhecida Empresa, e quando digo explorados, uso a palavra na sua mais violenta acepção. Os terrenos foram exaustivamente cultivados, até ficar o subsolo à vista, sem a mínima capacidade de produzir, sequer, hortigas . Mas não faz mal, dirão o pequeno agricultor inculto e o Ilustre Empresári: "não faz mal. O terreno não é meu (nosso) vamos já requerer outra concessão aqui ao lado". E assim se arruinaram as terras de Catete. Era doloroso ver o terreno no "caroço", a ser lavado e levado pelas chuvas e a deixar grandes fendas que mais facilitavam a velocidade da água e a erosão da terra – perdão! do terreno, "a terra o lucro a levou". - Ninguém me contou. Eu o vi, e filmei para o Documentário Cinematográfico " Luta Contra a Erosão". Está portanto, tudo devidamente documentado. Passados alguns anos tive ocasião de presenciar, e filmar – como o Homem, melhor dito: - dois homens; exactamente dois; poderam em poucos dias fazer o que à "pobre" Natureza levaria milénios. Refiro-me à "feitura" de Desertos. No Sul da Huíla e no Quando-Cubango, uma grande Empreza Mineira explorava Ferro. Neste minério como noutros: asfalto, zinco. mica, volfrâmio, manganês e, se não erro também o cobre: as explorações eram feitas a Céu-Aberto. "Oh! deuses! quando é que, pelo menos uma vez na vida, chegarei directamente ao fim de um relato!? Não posso ocultar este episódio, Rodava nesta altura o Documentário "Panorama Mineiro de Angola", como todos os outros, encomendado pelo Estado. Para tanto era possuidor de uma Credencial do Governo Geral, que me abria todas as portas das Emprezas do Sector... Todas não: presente a Credencial no Escritório da Diamang em Luanda, bastou um telefonema para a Lunda, e eu recebia um rotundo não. Puz a questão no G.Geral e a resposta foi: "bem, se eles não querem..." Assim, quanto a Minas, o Panorama ficou-se pelo quintal. As Minas de diamantes, de longe as mais e importantes... não existiam.A seguir em importância era, assim o julgo, o FERRO. Foi nesta última Exploração que, numa planície a perder de vista, já quase inteiramente descascada, presenciei o trabalho de duas gigantescas máquinas encarniçando-se contra um resto de terreno com uma árvore no meio. A única até ao horizonte .Apercebi-me do que iria acontecer. Filmei uns metros daquele processo sumário de desertificação; esperei duas ou três horas. As máquinas afastaram-se e voltei a filmar. Era o deserto completo: nem capim verde, arbustos, árvore enfim, nem Natureza. Assim se fazem "à mão" e em poucos dias, zonas desérticas, embriões de futuros autênticos Desertos ". Foi um momento de emoção. ! Havia quem fosse tão “previdente” que pedia logo uma área maior do que podia cultivar, não para fazer rotação de culturas, como seria correcto. Mas para o explorar até à exaustão. Os terrenos de Catete foram levados a este estado por uma grande e conhecida Empresa. Não assisti a este processo de degradação, anterior à minha chegada a Angola. Mas fiz, nos anos cinquenta , um Documentário sobre a “Luta Contra a Erosão”, assim se intitulava. Por indicação dos Serviços de Agricultura, ao tempo dirigidos – se me não atraiçoa a memória – pelo Engenheiro Guilherme (?) Guerra. Filmei os terrenos de Catete entre outras desgraçadas zonas. Tive ainda a oportunidade de filmar, no âmbito da mesma, luta, o cultivo segundo as curvas de nível (como as do Douro) e ainda a defesa de povoações como Sanza Pombo no extremo Norte do Distrio do Uije, ameaçada por três enormes ravinas que caminhavam já quase dentro da Povoação. Aí tive a felicidade de filmar na mesma ocasião três fases sucessivas da luta vitoriosa da perseverança e do saber dos técnicos da Geologia e Minas e da Agricultura. Uma das ravinas já tinha sido dominada, estava terminada e já revestida da vegetação que lhe permitiria resistir às maiores chuvadas da Região. Outra estava em fase de realização, o que permitiu compreender toda a complexidade dos trabalhos. Uma terceira estava ainda em estado "selvagem" e deixava antecipar o perigo que a Vila correria se não lhe pusessem travão.Também a Avenida do Alto das Cruzes, frente ao Cemitério do mesmo nome em Luanda que chegou a ter uma só faixa de rodagem foi defendida e recuperada pelo sistema de "rampiamento". Feita em meados da década de cinquenta revelou-se uma obra definitiva: em fins de setenta e nove, quando deixei Luanda, estava "como nova". Não havia sinais de erosão, quase um quarto de Sèculo depois. No Sul de Angola, nas Minas de Ferro de Cassinga, filmei ( quase) o princípio da destruição – os ténicos chamam-lhe "desmonte" do Morro de Chamutete, ex-libris do local a que deu o nome. A destruição iria ser completa. Era todo minério: FERRO!, O Pintor Neves e Sousa que por lá andou antes de mim, imortalizou-o num magnífico quadro.
Para o desmonte do Morro foi usada uma das enormes máquina a que já me referi. Empurrada
por um não menos potente buldozer, abria a barriga e com uma lâmina raspava e "engolia" literalmente o capim e o terreno que era afinal o minério, andando à volta do morro desenhando uma espiral do alto do Morro fazendo-o cada vez mais baixo até "à solução final:" um terreno raso, . . feio e inútil. Felizmente não vi esta fase; deduzo. A explicação dos técnicos, era que naquele local o minério possuía alto teor de ferro. Informações a utilizar na locução do Doumentário “Panorama Mineiro de Angola” O que eu pretendo com tão longa e com certeza maçadora prosa, é acentuar, como digo no início, que os homens ultrapassam a Natureza na eficiência e rapidez na destruição do Planeta. Também não é grande proeza: senhores como são, de maquinas e tecnologia de que a Natureza não dispõe. "Assim também eu!" Não foi esta a primeira e, muito provavelmente não será a última vez que saio de um "Título" directamente para um caminho que nada tem a ver com o que seria de esperar. Não sei explicar o porquê, e nem me vou flagelar por isso Desta vez julgo merecer um pouco de compreensão É que a ideia do episódio me surgiu quando atravessava o Deserto de Moçâmedes vindo de, Pediva, Virei ? a caminho do Lubango, não me recordo e também não é importante. O que é importante é que já estava muito longe da última refeição, e não sabia a que distância estaria da próxima Finalmente encontrei numa isolada estrada uma miserável loja de comércio,, isto é, de vender principalmente alcool. Comeria de quase tudo o que houvesse (menos mocotó). Apareceu-me o lojista, um homem que, se o visse noutro ambiente, diria que tinha uns bons (maus) sessenta anos. Ali bem poderia ter cinquenta. Perguntado disse-me que só me poderia arranjar uns ovos mexidos. Aceitei como a um manjar dos deuses. e o homem veio por numa mesa à porta, debaixo de um arruinado telheiro., um prato de esmalte um tanto esbotenado e um garfo de ferro que limparia a um guardanapo, se o houvesse. Sentou-se à minha frente para conversar. A coisa que ele mais desejava e de que mais precisava, embora talvez não se desse conta disso. Tudo ali mostrava pobreza, abandono, desmazelo. Enquanto lá dentro alguém se ocupava dos meus ovos, fomos conversando até que ele se levantou, foi lá dentro e trouxe-me uma frigideira para cujo aspecto evitei olhar Despejei literalmente os ovos para o prato e iniciei um feroz ataque enquanto olhava para o meu interlocutor. Primeira garfada, primeiro enjoo: os ovos não tinham levado ponta de sal. Disse isso ao homem que soltou um berro na língua local e pouco depois surge-me uma velha "mumuhila" com o "traje" tradicional, isto é, uma tanga e o ressequido peito cobrindo a nudez do tronco.. A "limpeza" também era a tradicional e a possível naquela região. Temi que tivesse sido ela a mexer os ovos. Como não dei notícia de mais ninguém em casa, procurei distrair a atenção ouvindo o meu hospedeiro. Mas como precisava do sal olhei novamente para a mulher que me estendia amigavelmente a mão. Na palma daquela mão negra brilhava por contraste uma "manchinha" de sal. A Alma não me caiu os pés porque já tinha caído antes, olhei para o homem que olhava para mim, suspendendo a conversa, à espera que eu me servisse. Que podia eu fazer? Servi-me do sal, comecei a falar com certa rapidez, e enquanto atraía atenção dele fui espalhando o sal à volta do prato, do lado de fora, entenda-se, não digo rezando que não sei, mas desejando que ele não desviasse os olhos dos meus. Consegui. E, consegui, sobretudo comer os ovos mexidos sem ponta de sal.. . .e sem vómitos.Esta estória não é filha única. Havia muitas outras por Angola fora...
.Agora, Porquê manchinha ? porque era pouca quantidade, se fosse maior porção seria mancheia de sal.- Estas expressões explicam-se por si só.
Nem mancheia tem a ver com Mão, nem manchinha com Mancha .
Assim se falava no meu Bairro nos longínquos tempos da minha juventude
.Espero e desejo que por lá se diga finalmente Mão cheia... e que seja de Pão, Amor e Felicidade !














sexta-feira, outubro 20, 2006

O soldado mestiço

Grupo de Artilharia Contra Aeronaves, ( G. A..C A ). Cidadela de Cascais, Janeiro 1938.Na Secretaria desta Unidade trabalhavam dois Tenentes: o Torrado, Barranquenho de origem, com idade de general, mas a cujas Estrelas nunca teria acesso, dada a sua condição de "Tarimbeiro." O Chefe da Secretaria, era o Tenente Anibal Cipião Formosinho e Silva, (Silva Reis). Tinha sempre um ar carrancudo, sem um sorriso a iluminar-lhe o rosto trigueiro e preocupado. Talvez temesse outra Guerra Púnica entre os seus nome e sobrenome. Neste caso uma Guerra intestina
em que ele próprio seria um Novo Cartago . ( na verdade há. Padrinhos...Realmente!!!) A sua alcunha já vinha de anteriores incorporações: "Quinas-Quinas", termo antecipando possíveis castigos, e que o Tenente Silva Reis usava, acompanhado de ameaçador abanar da cabeça. Na verdade, nunca o vi participar de alguém, e pessoalmente sempre me deu o tratamento formal de Oficial para Cabo., sem arrogância,, e nem mesmo um certo desdém notável num ou outro oficial, e até...em sargentos. Além dos Oficiais havia o Furiel Chambel (que mais tarde encontrei
Tenente na Guerra de Angola) e um cabo amanuense. E a que vem este longo exórdio? Apenas para localizar a acção e o ambiente, na altura em que os mancebos apurados iam chegando, munidos das respectivas Guias de Marcha. Recebidos, era-lhes atribuído um número. A partir deste momento, eram Soldados Recrutas. Naquele Ano, entre os voluntários apresentou-se um rapaz Mestiço que foi objecto da mesma rotina de sempre, e tornou-se Soldado Recruta tal como os conscritos. Algum tempo depois, ainda no decorrer da Recruta chegou à Secretaria um Ofício do Governo Militar a mandar licenciar o recruta em causa. Como é óbvio, não tive acesso ao Documento que era confidencial, mas foi como se o tivesse lido porque foi tal a surpresa e até uma contida indignação, que os Oficiais vinham à Secretaria falar com os seus camaradas sobre o assunto e, assim um Documento que era suposto ser secreto, tornou-se de domínio público. O moço era impedido de seguir a carreira militar, por ser de Cor. Inesperadamente, entra pela Secretaria dentro o Tenente Silva, há pouco tempo na Unidade. Trazia com ele dois recrutas: o descriminado e um outro. Aponta os dois, e em tom exaltado pergunta ao seu Camarada: “Vejam lá qual destes dois é que é preto?” Realmente um, mestiço claro, exibia feições Caucasianas, enquanto que o outro, sem dúvida de raça branca, a julgar pela cor, apresentava os traços negroides de um legítimo africano. Claro que não houve nada a fazer. Tropa é Tropa, ordens não se discutem , e o rapaz foi-se embora.
Um ano antes, 1937, o Comandante da recruta era o Tenente Andrade, alto, forte, porte atlético nos seus quarenta e tantos anos. Na altura dos factos narrados, continuava no Grupo Contra Aeronaves, exibindo , certamente com orgulho, a sua cor que inculcava a sua origem Caboverdeana. Porém, o moço mestiço, com o mesmo tom de pele e, talvez com as mesmas origens, foi expulso da mesma Unidade, do mesmo Exército. Sabe-se lá quanta mágoa, quanta revolta não guardaria no seu Coração para toda a Vida. Mas Tropa é Tropa. E de racismo "nunca se ouviu falar" em Portugal.
E quando em Angola, nos anos sessenta, a propaganda oficial apregoava aos quatro ventos o Portugal Multirracial, Quando se distribuíam Bilhetes de Identidade que as Autoridades não respeitavam. Quem, tenha vivido em Angola não pode esquecer-se da frase chocarreira:
"São voluntários da corda." Mas não se tratava troça, mas de verdadeiras cordas, ligando uma fila de mulheres e crianças levando à cabeça "quindas" com pedaços de morro de "salalé" *
para arranjar estradas. Não posso deixar de recordar o ano longínquo de 1938, e o
Soldado Mestiço.

quinta-feira, outubro 12, 2006

O Sentido das Proporções

A intenção parece ser a de vender relógios. Muito respeitável ramo de comércio. Nada contra, portanto. O Sr Scolari é um credenciado treinador de futebol. Nada a contradizer (até ontem). Mas este respeitável Senhor aponta para nós - milhões de pessoas - o seu dedo em riste e diz: "A história da vossa Selecção é a vossa História. A História de Portugal !!!" E logo uma voz vigorosa, mas escondida atrás do "off", anuncia o verdadeiro e, repito, respeitável direito a vender relógios: ... "com a assinatura do HOMEM que mudou o Rumo da Nossa História!!!" E essa Glória ninguém lha tira!". Eu bem gostaria de fazer um comentário da minha lavra, mas como num filme português, dizia o Vasco Santana: "fenéce-me a corage."

segunda-feira, outubro 09, 2006

O Argolista

Luanda, 1950. Hotel Turismo ao tempo o melhor de Luanda. aliás, não me recordo de nenhum outro naquela data. Afinal dou-me conta de que estou cometendo uma injustiça ( isto de escrever de memória a cinquenta anos de distância, só pode dar disparate). E deu: o "Turismo" ficava na Avenida dos Restauradores de Angola ao lado da Sé. Mas nas ruas das traseiras, havia dois hotéis bastante mais modestos, um destes, o Hotel Paris, enquanto o outro do mesmo nome estava na altura,a ser demolido dando lugar a um Largo frente à Livraria Lello. O "Turismo"era o melhor. Anos mais tarde foi demolido, e no mesmo local nasceu o novo Hotel Turismo. este Hotel, era propriedade dum Snr Almeida, pessoa muito simpática com os clientes. Mas era patrão. Chefe de mesa era o Pinho que mais tarde se viria a tornar dono do Hotel. Como seu ajudante tinha um rapaz muito novo. Não sei definir bem, mas não teria ainda vinte anos. Era muito delicado, duma "delicadeza" aprendida à pressa, que por vezes se tornava um pouco ridícula. Era de uma ingenuidade que fazia dó, e que acabava por torná-lo vítima de partidas quelhe faziam os comensais mais antigos e (estúpidos) que o levavam a creditar nas mais disparatadas coisas. Tinha veleidades de poeta. Quem não tem naquela idade?. Costumava mandar, até aqui sem sucesso, as suas obras poéticas para o Diário de Luanda que tinha, ao Domingo, uma página aberta à colaboração dos leitores. Até que uma manhã aparece eufórico com o jornal na mão, quase gritando: "O Diário publicou os meus versos!" e foi mostrá-los aos hospedes e comensais que enquanto esperavam pelo almoço se sentavam numas cadeiras postas à porta a fingir de esplanada. O primeiro a pegar no kjornal foi o Administrador do Concelho. Leu com atenção e depois com uma gargalhada, devolve-lhe o jornal e diz alto e bom som "Estes versos não são seus . São do António Sérgio!" Mas o rapaz reagiu com com uma indignação e uma segurança, de todo inesperada numa pessoa habitualmente tão tímida e até humilde. "Claro que são meus, eu até assinei aí em baixo : António Sérgio!!"”. O infeliz não sabia do "outro." Lá lhe explicaram que dada a identidade de ambos, seria melhor escolher um pseudónimo. Mas ele não se convenceu muito. Não disse, mas pensou: "assim ninguém saberá que sou eu". Pouco tempo depois, numa manhã em que pedi o mata-bicho mais cedo, e estávamos sós na Sala, veio com cara de choro, dizer-me que o Sr. Almeida o tinha despedido a partir do fim do mês.. Ele estava sozinho em Luanda não teria para onde ir morar. Ao mesmo tempo pedia conselho sobre uma carta que tinha dirigido ao patrão. Mostrou-ma. Li e fiquei varado. Era naturalmente a linguagem dos versos que teria escrito. cito de cor: "quais espadas(*) atravessando o meu coração foram as palavras de ªExª (*) “ e termina: de Vxª Exª servilmente” e assina. Percebi que ele não conhecia o significado das palavras, mas tomava-as como fomas de delicadeza, de deferência. Com todo o cuidado que pude, tentei convencê-lo a modificar o início e o fim da carta. "Mas eu já a entreguei. Esta é só uma cópia para mostrar às pessoas amigas " Se antes ficara varado, agora fioquei siderado. O certo é que o Sr. Almeida reconsiderou, ou cedeu às "sùplícas" dos hóspedes e não mandou embora o rapaz. Entretanto, tinha resolvido ficar em Angola e mudei-me do hotel para uma residência. De tempos a tempos encontrava o Sérgio muito desgostoso, por não conseguir "triunfar na vida" Lá procurava animá-lo, tanto quanto era possível num fugaz encontro de rua. Confidenciou-me que o emprego que inha arranjado na Fazenda(?) não o satisfazia. Entretanto estive fora de Luanda cinco anos e quando regressei fui ver um sarau de ginástica que um vago conhecimento meu iria promover, comemorando o primeiro aniversário da inauguração do seu Ginásio.Mas algo me pareceu contraditório. Quando se fala de ginástica e ginastas tem-se a ideia de pessoas fortes, bem constituidas Ora o Mestre era a negação dessa ideia . Ele não excedia os meus padrões (1,63 m. naquele tempo, 1,61 actualmente) . Fraco reclame para um ginásio e para o professor. Mas tudo, correu bem com uma classe infantil bem ensaiada. E foram-se seguindo as exibições. O Ginásio estava minimamente apetrechado de aparelhos: espaldar. bancos, cavalo, plinto com trampolim. Mas o que me deixou admirado foi um aparelho altamente especializado: pendente do tecto estavam as Argolas.Perguntei-me quem iia exibir-se num tão difícil aparelho. Não tinha visto ninguém com a compleição física de um argolista. Então o Mestre pede atenção e anuncia: "Tenho o gosto de vos aprsentar um excelente argolsita formado no nosso Ginásio." Vi então levantar-se do lado oposto ao meu, um atleta que não identifiquei imediatamente, um quase irreconhecível Sérgio impante no seu metro e sessenta. Só a altura não mudara ,paradoxalmente parecia mais baixo por contraste com a largura de ombros a saliência dos peitorais e o volume dos bíceps. E a atitude, sobretudo a atitude. Talvez só Napoleão se tenha sentido tão grande dentro da sua pequenez E mesmo assim ponho as minhas dúvidas. Colocdo sob as argolas ainda parecia mais baixo. Temi um momento ridículo. Todo o argolista, por mais alto que seja, tem de ser auxiliado para chegar às argolas. Como é que iria ser ?. Mas foi bem. Estava tudo previsto. Tinham mobilizado um homem muito alto, vestindo canhestramente um fato de ginástica. Agarrou o António Sérgio pela cintura, lugar correcto, e levantando-o muito acima da sua cabeça, deixou-o entregue a si próprio. E o certo é que fiou muito bem entregue, o antigo tímido e inseguro empregado do Turismo tinha afinal dentro de si aquela inesperada força anímica, que lhe permitira apurar o físico de uma maeira tão profunda que lhe permitiu uma exibição perfeita. Até o “Cristo” pedra de toque desta especialidade. 0(as argolas estariam um pouco mais juntas do que o normal,) foi perfeito. No fim fui cumprimentá-lo com umas palavras de cicunstância, sobre a força de vontade. etc., etc- Umas banalidades Mas uma grande lição , sem dúvida. O tímido e sonhador "poeta" António Sérgio dera a volta por cima.
Espero e desejo que não haja perdido o SONHO!

domingo, outubro 01, 2006

COMO DO PERTO SE FEZ LONGE

Uma viagem frustrante.
Princípio da década de sessenta do Século passado. Reinava Sá Viana Rebelo, e acabava eu um Documentário sobre a cultura do Café. Para tanto, deslocara-me à Vila da Gabela a cerca de quatrocentos quilómetros de Luanda, a fim de colher imagens na Fazenda Boa Entrada, uma das mais bem organizadas e produtivas de Angola. Findo ali o trabalho, rumei a Novo Redondo, Porto por onde era exportada a quase totalidade do café produzido no Amboím . Fiz ali o trabalho que tinha a fazer num Domingo e na segunda feira dispus-me a regressar a Luanda para o que tinha duas opções quanto a trajecto: voltar para trás fazendo noventa e um quilómetros0 subindo do nível do Mar para mil metros de altitude por estrada de terra batida até à Gabela, tomando aí o caminho de Luanda, quatrocentos quilómetros já parcialmente asfaltados. Era segunda-feira, e teria quase uma semana para chegar a Luanda a tempo de filmar a inauguração da Feira Internacional de Luanda - FILDA – pelo Governador Geral,no sábado seguinte, ante-véspera do Feriado de 15 de Agosto. Na perspectiva dos noventa quilómetros maus e a subir, optei – com alguma imprudência – como pude constatar mais tarde quando já não havia remédio, optei dizia eu, pelo caminho do litoral: o mais curto. Tinha muito tempo pela frente e também muitos problemas. Mas o anseio por conhecer mais um caminho, uma nova paisagem, e uma aventura como outras que ainda iria viver por mais vinte anos, levou-me a esta ecolha.. Triste fado o meu que tanto me arrasta para a desgraça. O meu carro era uma carrinha Skoda que parecia uma Ambulância. Os garotos de Luanda troçavam dessa semelhança . Era um carro com muita estabilidade, muito baixo e batia muitas vezes nos altos e baixos dos caminhos por onde a metia. Era segunda-feira, tinha pois quatro dias.. . e cinco noites, para alcançar a Capital na sexta, véspera da abertura da Feira. Mas, já quase veterano nestas andanças, elaborei uma rota tanto quanto possível exacta naquele "Mar" que eu ainda não navegara. Assim, tomei como objectivo primeiro, a Cidade de Porto Amboím, a cerca de oitenta quilómetros de piso arenoso, segundo o que me haviam dito. Velocidade moderada, portanto. Deixei Novo Redondo na terça-feira de madrugada. A estrada não parecia má, e como estávamos no Cacimbo não havia o risco dos enterranços Mas para substituir a lama havia, e eu só o soube naquela ocasião, um pó muito branco e muito fino mais parecendo pó d’arroz que enchia os buracos tornando o caminho aparentemente liso. Entrei na primeira armadilha, uma depressão do terreno, bastante extensa, três a quatro metros recoberto pelo aludido pó. Iludido, segui à velocidade que o carro trazia, sem abrandar nada. O solavanco foi pequeno mas levantou uma nuvem de pó que quase me cegou. Andada uma meia dúzia de metros o carro foi-se abaixo e não quis pegar de novo. Assim, iniciei uma rotina que mais vezes iria utilizar. Mas eu ainda não sabia.: desmontei o filtro do ar, limpei-o rodei a chave não pegou; o da gasolina, com o mesmo resultado. Outras coisas fiz sem êxito, até que resolvi parar com as buscas da avaria , e descansei. Passado pouco tempo dei a volta à chave e o carro pegou. Já não se tratava de pó, mas apenas de qualquer coisa que no carro deixava de funcionar. Chegado a Porto Amboím procurei uma oficina, mas era hora de almoço. Quando abriu fizeram uma observação rápida ao carro que "não tinha nada" Entretanto, um garoto que ali estava esperando boleia pediu-me que o levasse até uma aldeia muito longe dali. Passei a ter um ouvinte atento às conversas solitárias que comigo próprio estabelecia durante longas horas a "omer" quilómetros. Continuei a viagem e foi-se repetindo o problema mesmo sem poeiras. Desmontei o carborador, limpei as velas, os .platinados e o distribuidor. Não houve nada do que estava ao meu alcance, em que não metesse a mão. Entretanto já não era terça-feira à muito tempo. Já tínhamos dormido duas noites sentados no banco do carro. Passáramos por uma loja de comércio isolada naquela desolada paisagem, e onde comprei um pão grande e duas garrafas de água. Tínhamos passado pelo pararelo do Farol das Três Pontas, entráramos no Parque Nacional da Quiçama. Não tiveram conta as paragens mais ou menos demoradas. E os dias iam passando. Chegara à conclusão de que: quando o carro resolvesse parar me deixasse ficar à espera, e não fizesse nada até que "ele" recuperasse, lá iria andando com muito menos desespero. Entretanto o garoto já tinha ficado pelo caminho. Ainda bem porque do pão e da água pouco restava. Já desesperava quanto à possibilidade de chegar a tempo da inauguração da Feira, quando chegou uma carrinha carregando uma vaca que o meu Amigo Bickman levava para o Matadouro de Luanda. Já trazia com ele, duas pessoas. Não me poude levar com ele. Vem a propósito dizer que este meu
Amigo era um lemão que quase nascera em Angola, lá fizera o Liceu, e falava um português
impecável. Anos mais tarde sofreu uma tragédia que a seu tempo relatarei.. Pedi-lhe que me levasse para Luanda um bilhete a pedir um reboque. Logo que o carro resolveu, mais uma vez, responder tornei a andar mais uns poucos quilómetro, tantos quantos o Skoda se dignou conceder-me; muito poucos, portanto. Até que se imobilizou novamente. Nessa altura já tinha partido uma folha de mola da frente, que era transversal, o que fazia com que andasse com o chassi a roçar os pneus que de vez enquanto cheiravam a queimado. Valiam as frequentes paragens. Nem tudo é mau nesta Vida! Por agora consegui empurrar o carro para debaixo de umas arvores à beira da estrada .Verifiquei que estava a cerca de quinze quilómetros da Jangada da Muxima à beira o Quanza. Aquela iria ser a quarta noite passada parte em marcha parte a dormir, até alcançar finalmente o Sábado da minha frustração; do castigo da minha imprudência. .Era o adeus definitivo à inauguração da Feira. A dada altura ouvi o ruído d um avião ligeiro, mas não liguei, nem saí do carro. Não pedira, não precisava, nem estava à espera de apoio aéreo. Comecei a pensar no que iria fazer a seguir. Não se tratava já de lutar contra o tempo, essa luta eu já perdera ingloriamente. Naquela estrada havia pouquíssimo tráfego, a prova disso é que numa semana quase inteira, e trezentos quilómetros de caminho, apenas tinha encontrado um carro. E mesmo esse já transportava um outro "cadáver adiado" com prioridade, e não me pudera valer. Até ali não me cruzara com viv'Alma naqueles cinco tormentosos dias. Era sexta-feira. No sábado e no Domingo não haveria nenhum camionista que passasse por ali. Segunda-feira era o feriado de 15 de Agosto, pelo que, na melhor das hipóteses, só na terça-feira poderia, por ali passar alguém ou viriam antes procurar-me de Luanda. Entretanto já era sábado. Mais uma noite no banco do carro, o que não era muito grande sacrifício. Sacrifício era sim, estender as pernas na manhã seguinte. Porém as perspectivas eram negras, até porque já se acabara aquele enorme, duro e "delicioso" pão, e a água já era pouca. Resolvi enfrentar os quinze quilómetros que me separavam da Jangada do Quanza. Portanto, meter pés a caminho, deixando o material fechado dentro da carrinha, crente de que por uma estrada na qual não tinha encontrado ninguém durante uma semana inteira, não passaria um ladrão.. Peguei num bornal com o resto da água e a faca de mato para o caso de encontrar uma lavra de mandioca, e não topar com qualquer habitante menos pacífico do Parque da Quiçama.
E iniciei os primeiros metros a descontar nos quinze quilómetros que me separavam da Jangada da Muxima. A povoação era na outra margem e ai, talvez pudesse comunicar com Luanda, ou mesmo arranjar um carro para voltar para trás e levar o material. Tinha andado talverz duzentos ou trezentos metros quando oiço a mais celestial das músicas que já ouvira ou voltei a
ouvir: o motor de um carro. Parei, e esperei, numa atitude de pura beatitude. Era mesmo um carro, uma carrinha cheia de gente. Vinham de Novo Redondo e iam para Luanda e dispuseram-se a levar-me ao colo, mas eu supliquei que também levassem o material que poderia ser roubado assim abandonado dentro de um carro com janelas vulneráveis. Foram tão gentis que deram volta ao carro e fomos buscar o meu material. Mas quando viram, uma mala de alumínio de 50x50x30, mais um tripé e uma malinha com uma bateria, ficaram perplexos, quiçá arrependidos de se terem deixado convencer, Claro que prescindi de tudo quanto eram
Artigos pessoais. Lá nos encaixamos com a mala e o tripé ao colo, como ao colo uns dos outros já íamos Nunca mais me digam mal dos Jeovás. Vinham detradoe fazer sessões em N.Redondo e Porto Amboím e iam com a mesma missão no Domingo em Luanda. Cheguei ainda a tempo depo de ouvir os foguetes na FIL, mas já sem possibilidades de lá chegar. Foi então que soube que o avião que eu ouvira, era tripulado por um Amigo que levava o meu Pai como passageiro ( foi o seu baptismo de voo. Sobrevoaram o local onde eu estivera na véspera, por isso não me encontraram. Mas há aqui um pormenor de caricata generosidade: levavam um pacote com umas sandes e... uma garrafa de cerveja, tudo enchumaçado e embrulhado num pano encarnado. Mesmo que não rebentasse ao cair, cerveja era a última coisa que eu me atreveria a beber.
Nimguem pensou num liquidozinho incolor e insípido, que tem inúmeros préstimos, desde apagar incêndios, lavar a cara, e até MATAR A SEDE!!! E pronto, lá cheguei são e salvo, com uma barba de oito dias e menos dois quilos descontados aos meus sessenta e cinco. Vem a talhe de foice relembrar aqui um lema que eu muito evoco mas pouco pratico: "sempre que possas escolher o caminho, não vás pelo mais curto. Vai pelo mais belo" Escolhi o mais curto. Bem feito!


A tempo
Esta hitória não é exactamente a que pretendia escrever. Não porque não seja inteirmnte verídica, mas porque desejava recordar a um grande Amigo que há não muitos anos ali nasceu,
os locaais da sua adolescência: Cuvelo, Balabaia, Egito-Praia, Canjola com o seu Cantinho do Céu do ilusionista Karma que ali mandou construir um edifício de todo deslocado naquele ambiente, pelo volume, arquitectura e sobretudo pelo isolamento. Mas ainda bem que o fez erigir. Era provido de quartos onde se podia descansar e retemperar forças de viagens como a que relatei acima. Eu fora ali para filmar a cobertura aérea do algodão por desinfectantes, insecticídas ou notrientes. Tudo correu bem e por isso não me lembratria de a relatar. Mas agora irems, o meu Amigo e eu, desfiar recordações e saudades duma terra que nunca esquecerá a quem lá nasceu ou viveu or muitos anos.