quinta-feira, março 06, 2008

coisa lixada o lixo

COISA LIXADA, O LIXO

No início da década de oitenta do Século XX fiz, para a Revista “ALAVANCA” da C.G.T.P.,uma reportagem fotográfica sobre a recolha e tratamento do lixo de Lisboa.
Foi, não êxito em afirmá-lo, um trabalho “lixado”.
Desde lixo amontoado nas ruas, contentores a deitar por fora, carros de recolha e o seu cheiro, tudo acompanhei e cobri suportando o odor durante várias noites, pelos diferentes bairros da cidade até à descarga da malcheirosa carga no ainda mais malcheiroso, Vazadoiro Municipal de Beirolas, em terrenos hoje cobertos pelo Parque das Nações.
Ao tempo, quando o vento soprava “de feição” não se podiam abrir janelas em Sacavém.
O vazadoiro era um monturo informe que talvez tivesse tido algum um dia um projecto de arranjo topográfico, mas deve jazer “auto-enterrado” como tantos outros neste país
Havia uma entrada virtual na rede que deveria isolar a grande extensão das instalações, mas de tal maneira arruinada que qualquer viatura podia dispensar-se de passar pela entrada
principal.
No centro, ou naquilo que se calculava que fosse fora instalada a Estação de Tratamento de Lixos, que se destinava a ser o corolário do meu trabalho, da minha reportagem.
Ocupava um enorme espaço coberto onde recolhi imagens de grandes máquinas com mangas transportadoras e grandes veios “sem-fim” que separavam, os sólidos dos bio-degradáveis destinados a adubos, O espaço era arejado, mas o incontornável odor: o produzido no interior mais o que vinha de fora, só se dissipava quando, alguns dias depois, o nariz perdia dele e memória.
Não posso firmar peremptoriamente que os operários não usavam máscaras, mas tenho na memória que assim era de facto.
Afinal a Estação não foi a “cereja no bolo,”esse papel viria a caber ao vazadoiro propriamente dito.
Este desenvolvia-se numa cordilheira de olorosas montanhas em que serpenteavam uns labirínticos caminhos de pé posto, onde afanosas criaturas esgravatavam em busca, se não de um tesouro, pelo menos de algo que lhes garantisse o almoço. E muitas eram as pessoas. Havia mesmo num recanto uma espécie de telheiro “construído” com produtos locais, onde iam guardando os tesouros encontrados.
No cume de uma das montanhas vi um grande camião descarregando batata em sacos de origem.
Tratar-se-ia de mercadoria ilegal apreendida, ou de produto impróprio para consumo.
Fosse um ou outro o caso, era imperioso evitar a sua entrada no circuito comercial.
Por isso um soldado da Guarda Fiscal velava pelo cumprimento da Lei.
Nas imediações, um grupo de homens que não apresentava o aspecto de quem anda ao lixo, mantinha-se atento aos movimentos do guarda fiscal que, muito a propósito ia andando em volta do camião em lentas passadas de “polícia de giro”.
Tudo muito bem calculado: quando o soldado desaparecia por detrás do camião, os homens lançavam-se sobre os sacos que carregavam aos ombros e desciam o monte numa correria desenfreada até às carrinhas paradas cem metros mais abaixo.
E a cena foi-se repetindo sob os meus olhos atónitos.
Perante isto, esta impecável organização, perguntei-me: “ qual será o “snak” ou o restaurante cujos clientes irão saborear as batatas desta colheita ?
Sim. Porque para um Asilo é que elas não foram
!

“ A Tempo” ( e a propórito ): passados que são mais de vinte anos, eis que hoje a meio da manhã da última terça-feira de Fevereiro do ano de Graça de Dois mil e oito, nesta “cidade” de Sacavém, à entrada do Bairro da Quinta do Património, deparo com meia dúzia de contentores trasbordantes de lixo, rodeados por igual quantidade de “excedentário” em lista de espera, sabe-se lá por quanto tempo mais.
Um pouco acima, no centro histórico, encostado ao Mercado Municipal em cujo edifício funciona a Junta a Freguesia, idêntico espectáculo se me depara.
Estou certo de que por todos os outros locais “beneficiários” dos Serviços de Limpeza Camarários, mais contentores pletóricos de lixo convivem com mais sacos, espalhados pelo chão, pedaços de móveis, e até cadeirões e sofás, electrodomésticos, loiça sanitária, etc.
Assim se proporciona um colorido e perfumado ambiente de fim de semana a uma população descrente e resignada.
Resignada sim! Porque ao longo dos anos vividos nesta “cidade” de Sacavém nunca vi que, contra esta vergonha,alguém se levantasse …nem eu.