quinta-feira, dezembro 01, 2005

O CONTRABANDISTA

No Presídio Militar da Trafaria havia três locais de castigo : o parlatório, que já não era utilizado como tal, e onde era metido o preso castigado. Era um cubículo com um poial como assento e apenas o espaço para as pernas. Tinha grades a separar o preso da visita. Nunca para lá foi mandado ninguém de entre os presos políticos. O outro castigo, o mais usado, era a cela escura já minha conhecida de muitas estadias mais ou menos prolongadas. Mas uma manhã em que fui mais uma vez posto de castigo, já me não lembro porquê estava a cela escura estava ocupada. Então fui conduzido pelo corredor que lhe passava ao lado até fora do edifício. Num recanto escondido dos olhos de quem entrasse no Presídio, estava um cubo fechado em cinco das faces por grades, sendo a sexta o chão de pedra. Entrei e encontrei-me com um ser curioso. Era um homem atarracado, forte mas não gordo, antes musculado, como os farrapos que vestia deixavam ver. Aparentando mais ou menos trinta anos. Moreno ou queimado pelo Sol, estava descalço e dava saltos mortais para se divertir. Conversamos e soube que era contrabandista. Porque estava naquele Presídio Militar, ele não sabia mas eu calculei que fosse desertor. Era muito primitivo no falar num cerradíssimo alentejano. Ele resolveu fazer um " gaspacho, para o qual tnha a matéria prima necessária que tirou de um alforje não muito recomendável quanto a higiéna como aliás o dono. Entre os prudutos exibidos estava um pepino e eu comecei a pensar o pior. E o pior aconteceu, ele cortou o pepino embocadinhos muito pquenos e juntou-os ao resto dos vejetais. Eu odiava aquela curcubitácia, - que pelo nome não perca - e nem poderia separar os bocadinhos. Entretanto ele tirou do alforje duas cabacinhas com azeite e vinagre e um pão escuro condizente com a cor do alforje. Juntando água ficou pronto o gaspacho. Cortou duas grossas fatias do pão que guardou imediatamente e estendeu-me uma em que peguei desconfiado, duro como madeira mas gostosíssimo. Como aliás estava o gaspacho mesmo com pepino e tudo. E até hoje, e já passaram mais de setenta anos, nunca mais comi pepino, nem salada em que se sentisse o seu gosto. E como não é provável que volte à Trafaria...