terça-feira, janeiro 03, 2006

A Menina dos Alfinetes

Ao longo da minha "curta" e variada vida tenho assistido a muitas comédias e a muitos mais dramas. Muitas daquelas me divertiram, muitos mais destes me comoveram. Mas nada me enterneceu tanto pela sua ingenuidade e Amor como o episódio que passo a contar. Durante um Congresso Internacional reunido em Lisboa, teve lugar um almoço numa das salas do restaurante Trindade. Fui fazer a cobertura fotográfica do evento, por isso pouco tempo estive sentado. As constantes intervenções dos congressistas nacionais e estrangeiros, tanto mais prolixas quanto mais o almoço avançava, não me deixavam em sossego. Aliás eu estava ali para isso mesmo. Numa das ocasiões em que estava de pé com as máquinas penduradas ao pescoço, aproximou-se de mim uma garota dos seus dez ou onze anos olhando para uns alfinetes de ama que eu tinha espetados na correia da máquina,- não vem ao caso o porquê da localização dos ditos – perguntou-me: "porque é que tem aí esses alfinetes?” Apanhado desprevenido respondi a primeira tontice que me veio à cabeça. "São para dar sorte" – "e dão?" perguntou. "Pois dão, queres?" "Quero." Despreguei os alfinetes,dei-lhos e ela foi-se embora. Passado algum tempo voltou."Tome lá os alfinetes, já não os quero." Espantado,perguntei:"então porquê"? "É que assim o senhor fica sem sorte" Fiquei emudecido, sem reacção por uns momentos. Recuperado, propus-lhe dividirmos os alfinetes que eram um conjunto de sete ou oito. Aceitou,assim fiz e ela foi-se embora. Fui chamado à mesa para mais umas fotos e quando voltei a procurá-la já tinha desaparecido. Ainda hoje não me perdouo por isso. Porque não a levei logo junto da mesa, e contei a estória? Estou certo de que ela venderia ali toda a lotaria. Mas afinal os alfinetes sempre me deram sorte, permitindo-me conhecer, ainda que por breves minutos, uma criança de coração puro e generoso. Esta é uma linda recordação que guardo dos alfinetes, e até hoje, ainda conservo uns quantos presos na correia da máquina.
E ela? Passados vinte anos, o que será feito da garota que por breves minutos me maravilhou? Uma Mulher de trinta anos com uma filha de dez ou onze a vender cautelas. Mundo cão este.