Photografia & fuga
PHOTOGRAFIA & FUGA
-primo andamento, vivacce
Na verdade foi o “primeiro andamento” que ensaiei à frente da Polícia de Choque, e não poderia ter sido mais “vivacce”-
Eu conto.
No inicio da década de oitenta do Século passado, organizou a CGTP uma manifestação na Praça da Figueira que registou uma enorme adesão e entusiasmo.
De facto não caberia nem mais um alfinete, como soi dizer-se, naquela vasta e linda Praça..
Actuava o grupo “Trovante” com o jovem Luís Represas que fez um espantoso êxito que acrescentava calor às palavras de ordem e ao agitar das bandeiras que ao contrário do que seria natural, não arrefeciam o ar em redor, antes o tornavam ainda mais escaldante.
De tal maneira subiu o entusiasmo que o dirigente dos Metalúrgicos que na ocasião orientava a cerimónia, teve a catastrófica ideia de propor que, em vez de cada um dispersar a caminho do sossego dos seus lares, que era o estabelecido à partida, se prosseguisse em desfile até ao Terreiro do Paço.
Mas se a manifestação fora autorizada, o desfile não.
E asquela multidão enebriada pelo sucesso, seguiu o insensato conselho. Diz a Psicologia das Multidões, que basta um pequeno gesto issolado para arrastar uma multidão.
Logo os polícias infiltrados na Manif. alertara a Brigada de Choque estacionada junto da Esquadra da PSP na traseira do Teatro D.Maria e que eu tinha fotografado à socapa desde a rua das Portas de Santo Antão.
Sabia-se, pois, da sua existência e do seu empenho em mostrar serviço; razão mais do que suficiente para não entrar em loucuras.
Mas a loucura precaleceu, e ainda uma grande parte dos manifestantes não tinha saído da Praça e entrado na estreita Rua dos Fanqueiros (quase sem trânsito porque era sábado) já a Polícia lá chegara e apertava o cerco desde o Rocio.
E foi um fartar vilanagem. Choveu bastonada sem discriminações.
A correria pela rua abaixo, com todos atrapalhando todos, foi dramática.
Não sei como cheguei ao cruzamento com a Rua da Conceição por onde tomei o caminho da Victor Cordon e do sossego da Inter.
Portem, ao passar frente à entrada da Rua dos Douradores, vi três polícias a desancar um infeliz que tinha tentado escapar por aquela artéria.
Eu seguia pelo passeio contrário procurando não dar nas vistas, sem pressa, vagarosamente qual pacato cidadão; mas três máquinas fotográficas penduradas ao pescoço mais uma bolsa típica de fotógrafo, não se escondem nem se disfarçam facilmente.
Foi quando um dos esbirros gritou. “Òlh’um fotógrafo!” e deixando a presa nas mãos dos colegas, lançou-se sobre na nova caça que eu representava.
Difícil correr com as máquinas a sacudir no pescoço, um braço a segurá-las e o outro a amparar a bolsa, e com uns escassos trinta metros de vantagem. Com mais de sessenta anos a pesar nas pernas, só mesmo o desespero me fez correr tanto, sempre à espera do bastão como sinal de “stop.” e a inevitável queda de desastrosas consequências para mim e para o meu material
Foi assim que ensaiei o meu “primeiro andamento”
Transpus a rua Augusta ziguezagueando por entre os automóveis; vendo um casal de velhinhos que vinham em sentido contrário, gritei-lhes: “O gajo ainda aí vem ?”
Que não, que não vinha. Tinha ficado do outro lado da Rua Augusta a olhar..
Mas se ele me obrigasse a um segundo andamento, como é que eu iria subir a Calçada de São Francisco ?
Porque estava a tratar da troca da Carteira Profissional de Jornalista de Angola pela portuguesa, só trazia comigo como documentos de identificação o B I ainda de Luanda, e o cartão do P.C. este sim, já de Lisboa.
O que é que teria sido de mim, das câmaras e, pior de tudo: dos negativos daquela magnífica Manif.. se não tivesse ensaiado com êxito aquele andamento “presto com fuga”. .
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