… E AFINAL, A TRADIÇÃO AINDA É O QUE ERA
Há quem não me dê razão, mas vou contar duas histórias em prova desta asserção.
Luanda, Angola, 1950. No princípio desse ano gerou-se um clima de justa indignação causado por um acontecimento recente: o Chefe de Finanças dos Caminhos-de-Ferro era um homem já entrado em anos; não recordo o nome, mas sei que era uma pessoa muito respeitada por toda a gente, coisa rara naquela época (e por muito mais tempo depois).
Era negro.
Na ocasião aconteceu algo de grave nos Caminhos-de-Ferro necessitando de urgente intervenção, mas como era, e é, de nossa tradição, não havia verba disponível. Mas havia numa outra rubrica, liquidez suficiente para acudir com urgência à grave situação criada.
E o nosso responsável financeiro não hesitou em transferir de onde sobrava para onde fazia falta.
Processo disciplinar e demissão imediata porque: “…a lei não permitia tal coisa sem antes se proceder a um longo processo burocrático, talvez inútil quando chegasse …se chegasse.
A segunda história, mais recente (anos 60?) mas igualmente significativa, girava à volta de uma catedral (virtual) e dos Musseques de Luanda, estes sim, bem reais.
Era à altura Presidente da Câmara um Veterinário, pessoa competente, ao que constava, mas não sei em qual das duas especialidades.
Surgiu nessa então a a ideia, mesmo um projecto, para erguer por sobre o Cemitério do Alto das Cruzes uma catedral assente sobre pilares de forma a preservar os jazigos e outros monumentos em que aquele histórico recinto era rico.
Obra faraónica sem nada comparável na cidade.
Levantou-se grande celeuma entre a população, e o assunto passou a motivo de conversas e acesas discussões.
Entretanto um jornalista pediu ao Presidente da Câmara que lhe concedesse uma entrevista, durante a qual, e entre outras coisas, lhe perguntou se não seria preferível tratar do saneamento básico dos Musseques onde viviam centenas de milhares de pessoas sem sanitários, sem água. (chegavam a ir buscá-la em latas e garrafões aos comerciantes da zona que a vendiam quase ao preço da água mineral). Os “sanitários” eram as barrocas onde os dejectos aguardavam pelo tórrido e bendito Sol que os secasse e os desfizesse em poeira espalhando-os pelo ar
que as pessoas respiravam numa eficiente reciclagem.
Mas no Cacimbo não havia Sol que os queimasse, nem chuvas que lavassem a terra. Era assim por mais de cinco meses desde o tempo de Diogo Cão, e assim continuou a ser.
Porém tradição é tradição e o Senhor Presidente argumentou que se tratava de “verbas diferentes”, e isso era um princípio sagrado.
Felizmente a Catedral nunca foi erguida. Graças a Deus, suponho.
Mas o que foi que me trouxe até aqui desde tão longe?
Foi a Televisão onde acabo de ver e ouvir – hoje seis de Abril do ano da graça (?) de 2008 – que o carro de desencarceramento dos Bombeiros de Pataias, comprado em SEGUNDA MÃO há treze anos, entre outras bizarrias, só pega de empurrão (há mesmo uma imagem ilustrativa)
Há verbas astronómicas destinadas a obras gigantescas de cuja necessidade não me atrevo a duvidar, .mas de tais verbas astronómicas que ainda por cima levarão anos a concluir e a pagar, e cujos orçamentos – sabe-se à partida – serão largamente ultrapassados obrigando a sucessivos reforços, não seria possível retirar umas "escassas moedas" para acudir aos Bombeiros ?
Não é. O desinteresse, o desleixo, o assobio para o lado como é de tradição, deixará continuar a morrer gente que por ser desconhecida não merece mais do que um murmurado:
Tche!...coitado; estava escrito!
Custa-me o que vou dizer, mas por algum motivo o digo.
Se, longe vá o agoiro, se algo de grave acontecer a “Alguém” e não houver socorro a tempo?
Porque é que tento emprestar algum dramatismo a este relato?
Volto a Angola. A estrada do Sul, recentemente construida; asfaltada permitia velocidades impossíveis na anterior de terra batida, atravessava a ponte sobre o Cuanza; muito antiga e apenas permitindo trânsito num sentido.
Esta nova estrada situava-se a uma cota superior à da ponte, e a cerca de cem metros descia bruscamente só então permitindo a sua visão, quantas vezes tarde de mais
Asim, houve aí alguns acidentes fatais: não entrando na ponte caiam ao lado sobre as rochas do rio Cuanza sem que as autoridades mandassem corrigir aquele traçado.
Por obrigações profissionais passei muitas vezes por aquele ponto, ainda no tempo da estrada velha, algumas durante a noite, mas para além de saber que "a ponte estava lá", tinha como referência: uma casa exactamente oito quilómetros antes. Aí chegado, punha o conta quilómetros a zero e seguia com todo o cuidado.
Quis todavia o destino que ali morressem dois jovens, um deles familiar de um importante membro do Município de Luanda.
Passado pouco tempo a estrada foi corrigida, a descida prolongada e assim a ponte passou a ser avistada a uma distância segura.
Por favor “Senhores da Vida e da Morte” comprem um novo carro para os Bombeiros de Pataias…pelo menos.
Luanda, Angola, 1950. No princípio desse ano gerou-se um clima de justa indignação causado por um acontecimento recente: o Chefe de Finanças dos Caminhos-de-Ferro era um homem já entrado em anos; não recordo o nome, mas sei que era uma pessoa muito respeitada por toda a gente, coisa rara naquela época (e por muito mais tempo depois).
Era negro.
Na ocasião aconteceu algo de grave nos Caminhos-de-Ferro necessitando de urgente intervenção, mas como era, e é, de nossa tradição, não havia verba disponível. Mas havia numa outra rubrica, liquidez suficiente para acudir com urgência à grave situação criada.
E o nosso responsável financeiro não hesitou em transferir de onde sobrava para onde fazia falta.
Processo disciplinar e demissão imediata porque: “…a lei não permitia tal coisa sem antes se proceder a um longo processo burocrático, talvez inútil quando chegasse …se chegasse.
A segunda história, mais recente (anos 60?) mas igualmente significativa, girava à volta de uma catedral (virtual) e dos Musseques de Luanda, estes sim, bem reais.
Era à altura Presidente da Câmara um Veterinário, pessoa competente, ao que constava, mas não sei em qual das duas especialidades.
Surgiu nessa então a a ideia, mesmo um projecto, para erguer por sobre o Cemitério do Alto das Cruzes uma catedral assente sobre pilares de forma a preservar os jazigos e outros monumentos em que aquele histórico recinto era rico.
Obra faraónica sem nada comparável na cidade.
Levantou-se grande celeuma entre a população, e o assunto passou a motivo de conversas e acesas discussões.
Entretanto um jornalista pediu ao Presidente da Câmara que lhe concedesse uma entrevista, durante a qual, e entre outras coisas, lhe perguntou se não seria preferível tratar do saneamento básico dos Musseques onde viviam centenas de milhares de pessoas sem sanitários, sem água. (chegavam a ir buscá-la em latas e garrafões aos comerciantes da zona que a vendiam quase ao preço da água mineral). Os “sanitários” eram as barrocas onde os dejectos aguardavam pelo tórrido e bendito Sol que os secasse e os desfizesse em poeira espalhando-os pelo ar
que as pessoas respiravam numa eficiente reciclagem.
Mas no Cacimbo não havia Sol que os queimasse, nem chuvas que lavassem a terra. Era assim por mais de cinco meses desde o tempo de Diogo Cão, e assim continuou a ser.
Porém tradição é tradição e o Senhor Presidente argumentou que se tratava de “verbas diferentes”, e isso era um princípio sagrado.
Felizmente a Catedral nunca foi erguida. Graças a Deus, suponho.
Mas o que foi que me trouxe até aqui desde tão longe?
Foi a Televisão onde acabo de ver e ouvir – hoje seis de Abril do ano da graça (?) de 2008 – que o carro de desencarceramento dos Bombeiros de Pataias, comprado em SEGUNDA MÃO há treze anos, entre outras bizarrias, só pega de empurrão (há mesmo uma imagem ilustrativa)
Há verbas astronómicas destinadas a obras gigantescas de cuja necessidade não me atrevo a duvidar, .mas de tais verbas astronómicas que ainda por cima levarão anos a concluir e a pagar, e cujos orçamentos – sabe-se à partida – serão largamente ultrapassados obrigando a sucessivos reforços, não seria possível retirar umas "escassas moedas" para acudir aos Bombeiros ?
Não é. O desinteresse, o desleixo, o assobio para o lado como é de tradição, deixará continuar a morrer gente que por ser desconhecida não merece mais do que um murmurado:
Tche!...coitado; estava escrito!
Custa-me o que vou dizer, mas por algum motivo o digo.
Se, longe vá o agoiro, se algo de grave acontecer a “Alguém” e não houver socorro a tempo?
Porque é que tento emprestar algum dramatismo a este relato?
Volto a Angola. A estrada do Sul, recentemente construida; asfaltada permitia velocidades impossíveis na anterior de terra batida, atravessava a ponte sobre o Cuanza; muito antiga e apenas permitindo trânsito num sentido.
Esta nova estrada situava-se a uma cota superior à da ponte, e a cerca de cem metros descia bruscamente só então permitindo a sua visão, quantas vezes tarde de mais
Asim, houve aí alguns acidentes fatais: não entrando na ponte caiam ao lado sobre as rochas do rio Cuanza sem que as autoridades mandassem corrigir aquele traçado.
Por obrigações profissionais passei muitas vezes por aquele ponto, ainda no tempo da estrada velha, algumas durante a noite, mas para além de saber que "a ponte estava lá", tinha como referência: uma casa exactamente oito quilómetros antes. Aí chegado, punha o conta quilómetros a zero e seguia com todo o cuidado.
Quis todavia o destino que ali morressem dois jovens, um deles familiar de um importante membro do Município de Luanda.
Passado pouco tempo a estrada foi corrigida, a descida prolongada e assim a ponte passou a ser avistada a uma distância segura.
Por favor “Senhores da Vida e da Morte” comprem um novo carro para os Bombeiros de Pataias…pelo menos.
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