quinta-feira, outubro 13, 2005

Vasco Morgado

Tenho para com o Vasco Morgado uma dívida de gratidão de mais de sessenta anos. Estas dívidas só se pagam com Amizade. Assim eu paguei... ficando sempre a dever. Por isso vou recordar uns episódios da sua vida, definidores do seu caracter, e que nos foram comuns. P0or ventura ignorados pela maioria dos seus Amigos e, certamemte pelos seus "não amigos". Conheci o Vasco quando ambos gozavamos do previlégio dos vinte e alguns anos. Ele era um moço muito simples e mesmo ingénuo que tinha a paixão do Cinema, Ia muitas vezes, por intervenção dum amigo, aos Estúdios da Tobis e da Lisboa Filme assistir às filmagens, e aí fez amizades, comigo especialmente. Estava a fazer-se "Um Homem às direitas" filme de Jorge Brun do Canto. Havia uma cena fulctral que era a Oração de Sapiencia que teria lugar na Sala dos Capelos da Unversidadae de Coimbra reconstituida fielmante na... oficina de carpintaria do Estúdio. Isto dava uma outra história, mas não me quero desviar do assunto que escolhi. A Cerimónia revestia-se da maior solenidade - vieram mesmo de Coimbra, para velar pela sua exatidão e dignidade, o Lente, Porofessor Costa Pimpão (?) e um membro do Senado,-. por isso não se contratou a figuração habitual, que dificilmente emvergaria as Togas, as Borlas e os Capelos dos Lentes, e as casacas dos convidados, que deveriam mover-se e ter os gestos um pouco afectados e, convenhamos, por vezes ridiculos, próprios de tais cerimónias. Por isso, foi a pessoas amigas e conhecidas do Produtor e do Relisador que foram feitos convites para virem participar nas filmagens. Foi a grande oportunidade do Vasco. Na manhã das filmagens, apresentou-se envergando uma impecável casaca que era, indubitavelmente, dele e não alugada num guarda roupa de teatro. Era uma figura elegantissima. A Casaca -perdoem se eacrevo com maisculas, mas aquela casaca merece - ajudada por quem trazia dentro, tornnava-se notada entre todas as outras figuras. Mas tinha um inconveniente, era suposto que tanto os Lentes como os convidados deveriam ser pessoas já acima dos quarenta anos, pois seriam na sua maaioria, Lentes, Professores/Doutores, Profcessores , doutores, enfim gente já com carreira, e a idade correspondente. Mas o Vasco sobressaía, de entre todos pela altura e... pelo rosto glabro que lhe dava no máximo, vinte anos. Mas no cienema há - quase sempre recurso, para quase tudo - e ao Vasco puseram um bigode, e uma faixa de tês listas e, ficou um Diplomata Sul- Americano. Os trabalhos duraram vários dias, e no último, resolvi retomar um hábito que repartia com o Perdigão Queiroga, ao tempo ainda não realisador, mas assistente de imagem como eu: ir a pé até aos Restauradores. Oxigenávamos os pulmões cheios do ar poluído do Estúdio e... comiamos uns gelados no "Giovani". Para quem estranhe que se oxigenássem os pulmõe naquele caminho, lembro que estávamos em 1942/43, e que o trânsito não tinha comparação com o de hoje. Infelizmente , só pode testemunhar por mim quem, nessa alttura andasse pelos vinte anos. Já não somos muitos. Nessa tarde desafiei o Vasco para fazer a caminhada, e lá viemos conversando. A certa altura, ele diz-me: " gostava de produzir um filme".- e digo eu, Você sabe quanto custa um filme ? pelo menos mil e duzentos contos e não popde ser uma "Grande Produição"l perante o meu grande espanto ele responde-me: "mas eu tenho esse dinheiro." Pensei que se tratasse de uma brincadeira, uma criancice daquele rapaz da minha idade mas com cara de criança. Mas ele confirmou, e falou da Avó, e eu acabei acreditando. Mas fiquei apavorado com a ideia de que aquele moço ingénuo fosse cair nas mãos de certos agiotas que pupulavam na esfera do Cinema, que convenciam pessoas apaixonadas por ele de que se podia fazer um filme por oitocentos contos. A pessoa, que por vezes pouco mais teria, empatava tudo quanto tinha, e quando ainda faltava um terço para a conclusão da obra,já se lhe tinham ido os oitocentos contos. Caía então nas mãos dos agiotas ( aqui não vou dizer quem eram, mas a ele disse-lhe) "Vasco, eu vou fazer uma coisa que é contra mim próprio e os meus camaradas de profissão. Todos precisamos que haja filmes, porque quando não há ficamos à espera que haja, sabe-se lá quantos meses." Talvez não tenha feito uma coisa muito bonita, mas não pude imaginar aquele moço que me pareceu ingénuo a, possivlmente. delapidar as economias da avó (estava enganados quanto à "ECONOMIAS") mas isso eu na altura não sabia. Pedi-lhe encarecidamente, que não contasse a ninguém a nossa conversa. E fomos aos gelados do Giovani.
Passaram dois ou três anos em que sempre fomos mantendo contacto, agora já tuteando-nos, tratamento difícil de iniciar naqueles recuados tempos de há sessenta anos. Chegámos a 1945. Eu era assistente de imagem há doze anos, mas estava "tapado" para ascender a Operador pela concorrência destes mesmos de que era assistente. Nesse ano foi fundada uma Sociedade Produtora de Filmes, a Cinèditora, por Arboés Moreira, Jorge Brun do Canto, Constantino Esrteves e Vasco Morgado que era o Capitalista. Eu tinha garantido o meu lugar de assistente de operador, só não sabia de quem. Além de Arboés Moreira, que só agora conhecera, todos os outros eram meus amigos e já inhamos trabalhado juntos anteriormente. Por isso, embora um pouco surpreendido, recebi com alegria o convite para ser o Operador do filme. O vencimento de um Chefe Operador era de três contos por semana ( no cinema,tal como no teatro, os salários eram pagos semanalmente. O trabalho de cinema era muito incerto, por vezes -muitas vezes - havia grandes períodos de espera entre um filme e outro, por isso os vencimentos não eram assim tão exagerados quanto pode parecer Faltava cerca de dois meses para o início dos trabalhos mas eu ficaria contratado desde logo, com metade do vencimento até ao inìcio das filmaggens Mas, como se justificva isto, se eu não iria ter nada para fazer ? Estranhaei a larguesa de orçamento, mas não me deram outra esplicação que não a de que queriam assegurar aminha colaboração no filme. Desculpa esfarrapada porque: 1º- eram todos meus amigos; 2º o filme era do Jorge Brun do Canto com quem já ttrabalhara antes com o maior gosto; 3º estava sem trabalho desde algum algum tempo. Pouco tempo antes do início dos trabalhos, constatei que a película com que teria de trabalhar era de uma marca que não oferecia garantia de qualidade, além de poder ser muito antiga. Estavamos em plena Guerra, as fábricas da Kodak inglesas não trabalhavam. Iria ser o meu primeiro filme como Chefe Operador, não podia arriscar- me a fazer um trabalho que não poderia er bom. Ninguém diria que o defeito era da películacula, mas em qualquer caso, a responsabilidade caberia sempre ao Chefe Operador. Dormi , isto é, não dormi várias noites a pnsar no assunto, e com muito desgosto recusei aquela oportunidade. Outtra viria mais tarde. Nunca veio! Fiquei como segundo operador pelo resto da vida. Mas eu gostava do trabalho com a câmara, era como ser caçador, e depois dava-me o ensejo de ser o primeiro espectador do filme. Só eu via o que seria depois visto nos cinemas.. Este filme chamava-se "Ladrão Precisa-se." Fiz mais filmes. Mas só anos mais tarde soube que tinha sido o Vasco que me tinha imposto como Chefe Operador.

2 Comments:

Blogger Cesar Valentim said...

Por vezes, a consciência que temos das nossas limitações causa-nos obstáculos que em esta ou aquela fase da nossa jornada, teriam mais facilmente sido ultrapassados.
Como me deleito sobre as suas histórias e recordações.
Muitos parabéns caro amigo pelo blogue que tão altruisticamente mantém!

4:47 da tarde  
Blogger Vasco Morgado jr said...

Boa noite...

Depois de ler a sua história acrescento mais ao orgulho que tenho de ter um avô como o que descreveu... Obrigado pelo reconhcimento que lhe deu através do seu agradecimento publico!!!

Vasco Morgado III (neto)

10:46 da tarde  

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