O Vasco Santana
Depois de o ter visto várias vezes no Teatro, conheci pessoalmente o Vasco Santana durante as filmagens de "A Canção de Lisboa". Ele tinha exactamente o dobro da minha idade, 34 anos. Mas tratou-me sempre com amizade. Aliás a forma como eu entrei para o filme tornou-me de certo modo conhecido. E foi assim: eu já conhecia o Chianca de Garcia e o João Ortigão Ramos, respectivamente Director e proprietário do Cinema São Luiz, mercê das relações entre este cinema e o Tivoli onde eu era o empregado do escritório. Claro que esse conhecimento e respectiva relação não deixava de ser de homens feitos com um garoto, o que naquele tempo, no princípio dos anos trinta, impunha uma certa distância. Em todo o caso eu sempre pareci mais velho do que na realidade era ( hoje dizem-me que não é nada assim, mas eu não posso confirmar). Pois esse conhecimento permitiu-me o atrevimento de, num domingo, dirigir-me ao Estúdio da Tobis que ainda não estava concluído e por isso as filmagens se faziam numa antiga adega. Dirigi-me lá e pedi para assistir às filmagens. Fui autorizado, e aquilo para mim era um sonho. Por sorte, naquele dia havia no Campo Pequeno uma tourada e todos queriam acabar depressa os trabalhos. Não era só eu o visitante, havia vários amigos dos Empresários e toda a gente começou a ajudar no que podia. Então peguei também num reflector e perguntei ao Henri Barrère, o operador francês, onde o deveria colocar. O homem ficou radiante por ter ali um rapaz que falava francês; porque quando tinha que dar uma indicação mais complicada a um servente, carpinteiro ou electricista, sempre tinha que se socorrer do Cotinelli Telmo ( realizador), do Chianca ou do Ortigão Ramos para lhe servirem de intérpretes. Fiquei logo como assistente de imagem. Era de certo modo popular por falar francês e por isso a minha relação com os mais velhos e classificados foi fácil. A minha relação com o "Vasquinho" foi particularmente estreita porque eu – como aliás toda a gente – gostava de o ouvir conversar. Era espantoso a contar estórias e a dizer piadas. Fui várias vezes ao Teatro Variedades de borla, ia ter com ele ao palco e depois ia ver o espectáculo. Depois fui preso, voltei dois anos depois e regressei ao Cinema. Tornei a encontrar o Vasco noutros filmes e ao longo dos anos já com outro estatuto e sempre com a mesma amizade. Porquê tão grande intróito? Pois para chegar aqui: Em 1948, isto é, 15 anos depois da Canção de Lisboa, filmávamos interiores de "Ribatejo" no Estúdio da Lisboa Filme, hoje Tobis, e o Vasco fazia o papel de um guardador de porcos. Mas ele, como outros actores de Teatro, fazia duas sessões por noite e aos domingos ainda uma matinée. Por isso o Vasco Santana pedia que o fossem buscar a casa o mais tarde possível, conforme o horário das filmagens - normalmente os actores entravam na maquilhagem às sete da manhã para começar as filmagens às nove horas. Numa certa manhã, por volta das dez/onze horas, fui tomar um café ao restaurante e qual não é o meu espanto ao ver o Vasco sentado numa mesa solitária, já maquilhado e com o fato de cena. "O que é que estás aqui a fazer?", perguntei. E diz-me ele: "Anda cá que te vou contar uma coisa. Imagina que ontem me disseram que não tinha nada hoje e eu preparei-me para dormir até às tantas. Mas às sete da manhã aparecem-me a buzinar à porta, ó sr. Vasco houve uma alteração, venha lá por favor. Enfiei uma gabardina sobre pijama, vim para cá, e como vês ainda não fiz nada". E digo eu: "É pá mas isso é uma grande chatice!" -"Não é nada, diz ele, É porreiro! É bom para a gente contar mais tarde!" Nunca mais me esqueci destas palavras e da Filosofia de Vida que elas encerram. Por vezes é difícil suportar certas situações, e algumas das estórias aqui relatadas são disso bom exemplo. Mas agora é bom recordar...
3 Comments:
Ó Evaristo, tens cá disto?
Caro Anónimo. Está enganado, a frase que refere é do Pátio das Cantigas e é realmente do Vasco Santana dirigida ao droguista interpretado pelo António Silva cumprimentos.
boa tarde, gostava de o contactar a respeito do seu trabalho no sao luiz e no cinema português. diga-me o seu email. cumprimentos
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