O PÁSSARO
Princípio dos anos setenta, do Século passado.
A Telecine África, para quem eu trabalhava, recebeu de uma Agência de Publicidade a execução de um filme sobre a actividade de uma Empresa especialisada em pulverisação de culturas por meios aéreos. Na altura os trabalhos estavam a ser executados no Planalto Central, mais precisamenete no Huambo - Nova Lisboa. Para lá partimos, o Luis Miranda, realisador e eu operador, manhã cedo, a bordo de um bimotor Cessna pilotado pelo Comandante Viegas Ferreira de Almeida com quem eu já tinha voado imensas vezes, e até vivido uma aventura memorável, da qual falarei noutra ocasião. Longe de pensar que estavamos a caminho de outra aventura, esta bem mais perigosa que as anteriores, descolamos de Luanda mal clareou o dia e eu fiz questão que o Luis ocupasse o lugar ao lado do piloto, que tinha resolvido alterar a rota normal e seguir ao longo da Costa, para mostrar ao Luis Miranda a Reserva de Caça de Quissama, que começa na margem direita do rio Quanza, a escassos setenta quilómetros de Luanda, e se estende quase até Porto Amboim, cerca de cento e oitenta mais a sul. Porque já tinha visto a Reserva enúmeras vezes do Ar e no chão, e tendo deixado para o Luis o lugar que eu julgava ser o melhor, encostei-me no lugar de trás e preparei-me para dormir, coisa em mim habitual nos aviões. Lá fomos, em vôo rasante, proibido, pois não se deve assustar as manadas de antílopes, pacaças, zebras, elefantes, etc. Mas como seria uma só passagem não era grave. Acordei da minha sonolência quando já tinhamos deixado a Quissama, e inclinei-me sobre o assento do Piloto, com um braço apoiado nas costas da cadeira, e o queixo apoiado nele. Vi que sobrevoavamos uma praia, mas tão baixo que deu para ver um homem apoiado em muletas sobre a areia na praia. Ia chamar a atenção para isso, quando oiço um estrondo enorme, apanho com qualquer coisa no braço e na cara, que me tira os óculos, sou atirado violentamente para trás por um brusco movimento do avião, e na mesma fracção de segundo em que tudo isto aconteceu, o avião estabelisou. Mas ficou uma ventania enorme e o barulho ensurdecedor dos motores. Perguntei: " O que foi isto?"- Foi um pássaro, disse o comandante. Então reparei que estava cheio de sangue -que não era meu- de excrementos e vísceras que felizmente também não eram minhas. Ao meu lado estava o cadáver estripado de um pássaro que tinha acabado de abalroar o avião, partido o para-brisas (felizmente) do lado dieito. Se tivesse sido do lado esquerdo, o lado do piloto, provavelmente nunca escreveria esta estória, (nem nenhuma outra). Quando o Luis olhou para trás, fiquei horrorisado. A cara empastada em sangue, uma brecha na cabeça e outra num lábio, e a camisa cheia de sangue. Mas olhava para mim e, ao que me parecia, ria-se... Então eu disse.lhe. "Espera que vou fazer-te uma fotografia" pego na câmara e para mudar a objectiva, desmontei-a e fugiu-me um pequeno filtro de gelatina que, com aquela ventania, voou, lá para a frente, felizmente o único espaço limpo do avião.
O Luis baixou-se para o apanhar e teve de limpar o sangue que escorria dos dedos para não o sujar. "Olha para mim", disse eu e ele voltou-se para trás, e riu-se. A fotografia está um bocado desfocada, devido à pouca distância, mas garanto que aquele não é um esgar, é mesmo um impossível sorriso. A paciência do Comandante Viegas, para nos aturar, foi de Santo. Só então pôs os auscultadores, que o barulho era enorme, e pediu para Novo Redondo um transporte do Campo para a Cidade. O nosso destino, à partida, era o Huambo, a cerca de trezentos quilómetros, para Leste. Alterando a rota, apontámos a Novo Redondo, o ponto mais perto onde poderiamos aterrar. Chegamos e já se aproximava um carro para nos levar. Mas o Comandante com o aparelho já parado, deixou os motores a trabalhar e comunicou com Luanda, pedindo que lhe trouxecem outro parabrisas...
Dali rumamos ao Hospital, eu que não tinha praticamente nada, um braço inchado, um arranhão no sobreolho, fui a uma loja comprar uma camisa para o Luis, a que ele trazia, nem valia a pena lavar. Foi para o lixo. Entretanto fiquei à espera no Hospital que tratassem do meu colega, o que levou quase duas horas. Passeando no corredor, reparei, depois de muito tempo passado, que tinha a camisa quase fora das calças. Vou arranjar-me e... encontro dentro da camisa um "siroco", respiradoro em alumínio, que tinha sido arrancado do cokpit junto com o meio parabrisas do lado direito. Foi só aí que eu me apercebi do abalo que sofrera. Entretanto o Luis acabou de ser tratado ao ferimeto da cabeça, felizmenmte ligeiro, um golpe feio num lábio, braços e peito feridos pelo vidro que lhe tinha batido em cheio. Dizia-me ele depois: -Obrigadinho pela gentileza da cedência do "lugar do morto". A seguir fomos para o Hotel que já era nosso conhecido. Bem, foi uma agitação e ao mesmo tempo um grande espanto, porque, infelizmente, quem sofre um desastre de avião, não vai tranquilamente almoçar ao Hotel. Entretanto víramos numa vitrine uma mola para prender papéis. Era em prata e representava muito a propósito, uma cabeça de pato com olhos de esmeralda. Quase dava para acreditar que era a mesma que o pássaro não tinha conseguido levar com ele na última viagem. Iamos morrendo a rir, e como o Comandante Viegas não a tinha visto, mandámos embalar e ao almoço, veio um empregado entregar-lhe o bonito embrulho. Ficou muito comovido com a prenda riu-se da coincidência. Foi um bom momento de alegria. À tarde chegou um avião trazendo dois técnicos e o meio parabrisas que fixaram no lugar com... fita adesiva, o que não me admirou, (eu próprio já tinha remendado um pneu com adesivo clínico). Acabada a obra, que não ficou muito bonita, conforme se pode ver na fotografia, mas era segura. Estava chegada a altura de regressar a Luanda, e o Comandante queria que nós viajassemos no outro avião. Isso para nós era impensável e, jocosamente usamos um argumento estatístico : "É muitíssimo remota a hipótese de um mesmo avião, com os mesmos tripulantes, os mesmos passageiros, e na mesma rota, tenha dois acidentes no mesmo dia. E assim voltamos a Luanda, e dias depois retomamos a viagem mas, desta vez directos a Nova Lisboa, onde fizemos um bom filme de publicidade.
Eu e o cmdt. Viegas enquanto arranjavam o vidro do avião.
A Telecine África, para quem eu trabalhava, recebeu de uma Agência de Publicidade a execução de um filme sobre a actividade de uma Empresa especialisada em pulverisação de culturas por meios aéreos. Na altura os trabalhos estavam a ser executados no Planalto Central, mais precisamenete no Huambo - Nova Lisboa. Para lá partimos, o Luis Miranda, realisador e eu operador, manhã cedo, a bordo de um bimotor Cessna pilotado pelo Comandante Viegas Ferreira de Almeida com quem eu já tinha voado imensas vezes, e até vivido uma aventura memorável, da qual falarei noutra ocasião. Longe de pensar que estavamos a caminho de outra aventura, esta bem mais perigosa que as anteriores, descolamos de Luanda mal clareou o dia e eu fiz questão que o Luis ocupasse o lugar ao lado do piloto, que tinha resolvido alterar a rota normal e seguir ao longo da Costa, para mostrar ao Luis Miranda a Reserva de Caça de Quissama, que começa na margem direita do rio Quanza, a escassos setenta quilómetros de Luanda, e se estende quase até Porto Amboim, cerca de cento e oitenta mais a sul. Porque já tinha visto a Reserva enúmeras vezes do Ar e no chão, e tendo deixado para o Luis o lugar que eu julgava ser o melhor, encostei-me no lugar de trás e preparei-me para dormir, coisa em mim habitual nos aviões. Lá fomos, em vôo rasante, proibido, pois não se deve assustar as manadas de antílopes, pacaças, zebras, elefantes, etc. Mas como seria uma só passagem não era grave. Acordei da minha sonolência quando já tinhamos deixado a Quissama, e inclinei-me sobre o assento do Piloto, com um braço apoiado nas costas da cadeira, e o queixo apoiado nele. Vi que sobrevoavamos uma praia, mas tão baixo que deu para ver um homem apoiado em muletas sobre a areia na praia. Ia chamar a atenção para isso, quando oiço um estrondo enorme, apanho com qualquer coisa no braço e na cara, que me tira os óculos, sou atirado violentamente para trás por um brusco movimento do avião, e na mesma fracção de segundo em que tudo isto aconteceu, o avião estabelisou. Mas ficou uma ventania enorme e o barulho ensurdecedor dos motores. Perguntei: " O que foi isto?"- Foi um pássaro, disse o comandante. Então reparei que estava cheio de sangue -que não era meu- de excrementos e vísceras que felizmente também não eram minhas. Ao meu lado estava o cadáver estripado de um pássaro que tinha acabado de abalroar o avião, partido o para-brisas (felizmente) do lado dieito. Se tivesse sido do lado esquerdo, o lado do piloto, provavelmente nunca escreveria esta estória, (nem nenhuma outra). Quando o Luis olhou para trás, fiquei horrorisado. A cara empastada em sangue, uma brecha na cabeça e outra num lábio, e a camisa cheia de sangue. Mas olhava para mim e, ao que me parecia, ria-se... Então eu disse.lhe. "Espera que vou fazer-te uma fotografia" pego na câmara e para mudar a objectiva, desmontei-a e fugiu-me um pequeno filtro de gelatina que, com aquela ventania, voou, lá para a frente, felizmente o único espaço limpo do avião.
O Luis baixou-se para o apanhar e teve de limpar o sangue que escorria dos dedos para não o sujar. "Olha para mim", disse eu e ele voltou-se para trás, e riu-se. A fotografia está um bocado desfocada, devido à pouca distância, mas garanto que aquele não é um esgar, é mesmo um impossível sorriso. A paciência do Comandante Viegas, para nos aturar, foi de Santo. Só então pôs os auscultadores, que o barulho era enorme, e pediu para Novo Redondo um transporte do Campo para a Cidade. O nosso destino, à partida, era o Huambo, a cerca de trezentos quilómetros, para Leste. Alterando a rota, apontámos a Novo Redondo, o ponto mais perto onde poderiamos aterrar. Chegamos e já se aproximava um carro para nos levar. Mas o Comandante com o aparelho já parado, deixou os motores a trabalhar e comunicou com Luanda, pedindo que lhe trouxecem outro parabrisas...
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4 Comments:
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