segunda-feira, julho 18, 2005

Os arquivos da Pide

Quando, na década de 90, abriram à consulta pública os Arquivos da PIDE/DGS à guarda da Torre do Tombo, apressei-me ir, logo no segundo dia após a abertura, solicitar a consulta do meu processo. Sem burocracias, depois de me pedirem os dados pessoais, prometeram avisar-me dentro de poucos dias quando poderia ver o processo. Chegado o dia, apresentaram-me não um, mas três processos com as desculpas de que ainda não tinham conseguido localisar o quarto. Em breve percebi o que se passava: eram processos de outros, em que eu era referido, mas que não poderia consultar sem autorisação dos respectivos titulares. Mas como seria isso possível se eram pessoas de outras regiões, de quem desconhia as moradas e, além disso, não via há sessenta anos? "Então o caso muda de figura, a cláusula de reserva prescreveu aos 50 anos; pode consultar os processos." Comecei lógicamente pelo meu, que me não trouxe grande novidade, a não ser a linguagem canhestra em que eram descritas as "investigações" que, aliás, o meu corpo nunca esquecerá, mais a dedução de culpa com a incontornável frase: Tendo tomado conhecimento da senha e contra-senha que foi comum a todos os processos. Depois fui ler os outros. Antes nunca o tivesse feito. Concluí que a "reserva" de cinquenta anos pecava por defeito. Ali estava eu, longêvo de oito décadas, a devassar as fraquezas, as cobardias, as faltas de dignidade, enfim o DESESPERO de quantos, condenados a vinte anos de degredo. Quando eles próprios teriam vinte anos à data da condenação. A esperança durante os primeiros anos era geral. Pude assistir e ouvir durante os dois anos que passei com os meus camaradas condenados a 10 e 20 anos de prisão, manifestarem as suas esperanças de Liberdade: "Isto está por pouco, o fascismo está podre". "O salazar não se aguenta contra um povo inteiro". "Eu se soubesse que tinha de passar aqui vinte anos, matava-me". Mas eu conheci quem tendo aos 18 anos sido condenado a 10 anos, cumpriu catorze. Como foi isto possível? Que "justiça" era aquela ministrada por Oficiais Superiores do Exército em uniforme de gala? Um preso de delito comum, desde que não cadastrado, sabia quando iniciava o cumprimento da pena, e o dia exacto em que seria libertado. O preso político não. Não havendo prisão perpétua nem pena de morte em Portugal, nem podendo instaurá-la por razões externas, optou-se pelos caminho tortuoso do cinismo e da beatice. As penas de prisão efectiva, com prisão no local do degredo, ditadas pelos "Juízes", eram acrescidas de: (ao tempo a que me refiro, anos 3o do Século passado) 20 contos de multa remiveis em dias de prisão, o que levaria anos a pagar. Depois, e uma vez expiada a pena de prisão, eram aplicadas as medidas de segurança que colocavam os presos à disposição da polícia política, que só lhes daria liberdade quando, e se entendesse. Eis instaurada a prisão perpétua. Um homem de 40 anos, condenado a 20, mais os acréscimos, não seria libertado antes dos 65. A média de vida naquela época, há setenta e cinco anos atrás, mais o desgaste físico e moral provocados pela carência de Liberdade, fariam com que muito provavelmente se morresse na prisão. E assim estava - pelo caminho da hipocrisia - instaurada a prisão perpétua. Dir-me-ão que isto é um exemplo extremo, porque o rapaz de 18 anos condenado a 10 e que cumpriu 14, "ainda" saiu com 32 anos, na força da vida . Eu tinha sido preso com ele, voltei a vê-lo catorze anos depois. Sei do que falo. E a pena de morte, essa não foi decretada. Pois não, mas as piedosas criaturas que hipocritamente "visitavam" as igrejas à hora da missa, rezavam o terço e até comungavam, tiveram a ideia e mandaram fazer o Campo de Concentração do Tarrafal onde internaram e fizeram morrer dezenas de presos políticos. Eu não estive no Tarrafal, mas fui companheiro de prisão de alguns que de lá só voltaram mortos. E o Campo era mesmo para isso; um torcionário de nome Seixas, que fora guarda costas do Presidente Carmona, foi investido das funções de Director do Tarrafal, e dizia: "Vocês vieram para morrer aqui". Levado por recordações que guardo no coração, desviei-me do meu objectivo que era a leitura dos processos. Antes nunca o tivesse feito! Nos processos eu era referido várias vezes porque nos interrogatórios, os presos, no meio daquela verdadeira tortura, alijavam certas responsabilidades para cima de outros camaradas que já estivessem presos há muito tempo. Nada de anormal. Dado o tempo de corrido, a polícia não queria saber de mandar chamar um preso para o interrogar novamente. "Trabalho" já eles tinham demais. Só uma vez fui levado da Trafaria à Polícia por um caso destes, aliás sem importância. Mas o que verdadeiramenmte me chocou foi constatar até que ponto os anos de prisão, o sofrimento, a falta da família e a perda da esperança de uma solução política podem levar ao aviltamento e à falta de lucidez das pessoas. Naqueles processos havia cartas dirigidas ao próprio Salazar, com as frases e os arrependimentos mais abjectos, fazendo verdadeiras profissões de fé no Estado Novo, elogiando o próprio ditador, e até culpando os comunistas por todas as suas desgraças. Essas cartas tinham apensos ofícios do Director da Prisão, e dirigidas ao Senhor Director da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, remetendo as cartas carimbadas pelos Serviços Prisionais, e também já com carimbo e o Despacho do Director da Polícia: "Arquive-se". Como foi possível que homens que eu tinha conhecido válidos, inteligentes, corajosos, enfrentando a violencia dos GNRs e do a seu abjecto furriel Robalo se tivessem degradado tanto? Não os acuso, lamento-os e sei o que foi que os quebrou...

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

foi pra isso que quiseram tomar o poder? pra colocar Portugal de rastos com está hoje? comunistas de merda !

2:12 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

foi pra isso que quiseram tomar o poder? pra colocar Portugal de rastos com está hoje? comunistas de merda !

FDP DE COMUNISTAS FODERAM PORTUGAL E OS PORTUGUESES!

2:46 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

quem levou o pais a falencia foi os facistas... n existe nada mais bonito no mundo do que a livredade.. n pode mos deixar k o pais volte a ter outro salazar.. força pcp

4:50 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Bem, então vamos falar a sério. Como alguns escreveram, acabou o fascismo, conquistou-se a liberdade, e agora..............o que fazer? Pois, meus caros, a liberdade não chega. Vocês sabem mesmo quem manda no país? Creio que muita gentinha anda completamente anestesiada. Vejamos: temos dois grandes partidos, uma vez está um no poder, outra vez está o outro. Os restantes partidos fazem parte da fumaça. Pois é, a partir de agora, ou de um ou de outro só se pode esperar aperto e os restantes nunca serão poder, portanto esperem por fome e miséria. E VIVA a Liberdade e a Democracia, não é? mas barriga vazia.

10:23 da tarde  

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