terça-feira, julho 12, 2005

A primeira "cobra"

Quando se está há pouco tempo em África e se tem de andar pelo mato, assaltam-nos vários medos. Ter medo de feras é normal, e até salutar. Mas os elefantes, por exemplo, quando em manada, não são perigosos se não os levarem a eles a ter medo. E assim quase todas as outras espécies. Mas há criaturas muito pequenas que causam medo ou repugnância. No princípio dos anos cinquenta, fui a N’dalaTando em trabalho (na altura chamava-se Vila Salazar), e instalei-me num típico hotel do mato – casa de comércio, "restaurante" e quartos que davam directamente para um pátio de terra batida. O meu quarto era quase monástico, no mobiliário, não no tamanho. Era amplo, a cama ficava longe da porta e estava coberta por um grande mosquiteiro; junto da cama estava uma cadeira em cima da qual se punha a roupa. Na primeira noite, entrei no quarto e acendi a luz no interruptor junto da porta. Peguei na lanterna que sempre me acompanhava, levei-a para debaixo do mosquiteiro, despi-me, descalcei-me, arrumei a roupa na cadeira e fui apagar a luz ao pé da porta. Servi-me depois da lanterna para regressar à cama. Apaguei a lanterna, deitei-me na posição habitual com o braço direito atravessado debaixo da almofada, e nisto sinto uma coisa peluda e viscosa a passear-se pelo meu braço.E aqui cometi um erro tremendo, que me teria causado a morte, caso se tratasse de uma cobra como eu pensara, e que anos mais tarde em circunstâncias semelhantes, já não repeti. Face a uma cobra,não se devem fazer movimentos bruscos,porque por muito rápidos que sejam, os da cobra são fulminantes. Dou um pulo e fico em pé sobre a cama. Acendo a lanterna e vejo com horror uma lagartona aí com uns vinte centímetros, negra e peluda, repugnante. No primeiro momento fiquei sem saber o que fazer (tinha ainda poucos meses de África) mas lá reagi e dei-lhe uma sapatada que a fez desaparecer da minha vista. E desapareceu mesmo, por mais que a procurasse depois dentro e fora do mosquiteiro, por baixo do colchão, enfim, por toda a parte, não a pude encontrar. Obtida pelo menos a certeza de que ela não estava na cama, resolvi deitar-me e adormeci calmamente. De manhã faço as minhas abluções, visto-me, calço as peúgas e por fora delas as meias grossas, e quando vou a calçar o botim direito (calço sempre o pé direito primeiro, não me perguntem porquê) sinto uma coisa mole lá ao fundo. Encolho repentinamente o pé; procuro descalçar o botim; pé encolhido não se descalça; estendo o pé, encontro a coisa, encolho o pé, o pé não sai. Enfim, foi uma luta até que lá me consegui descalçar. Sai então lá de dentro a pobre lagarta, em petição de miséria. Ainda por cima não era perigosa, apenas repugnante, mas essas subtilezas só vim a aprender mais tarde. Na altura foi apenas um grande susto.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Gosto desta, mas estava à espera da cobra que ficou a olhar para si e a vigiar o seu sono...

3:07 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Gosto desta, mas estava à espera da cabra que ficou a olhar para si e a vigiar o seu sono...

3:11 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Foi gralha...não havia cabra nenhuma...pelo menos tal como me foi contada a história.

7:42 da tarde  

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