o pastor Cuanhama

Entre os pastores do Posto do Caraculo, todos "Muílas", gente de estatura meã, destacava-se um que era muito mais alto que os outros. "Ó doutor, porque é que este é tão diferente dos outros?" Perguntei eu. "É que este não é daqui, é Cuanhama, e os Cuanhamas são muito altos. Está aqui porque está preso". Preso? Mas se ele anda por aqui à solta! Então o Santos Pereira contou-me, que precisava de mais pastores, e estando no Lubango (Sá da Bandeira), pediu ao Governador que lhe arranjasse alguns e ele disse-lhe que tinha lá aquele Cuanhama preso – os Cuanhamas são óptimos pastores. Que o podia trazer e ficaria à sua responsabilidade. "E estava preso porquê?". Porque tinha morto o pai. "Matou o Pai!?" E ele então explicou que uma noite lá na aldeia dele, o pai envolveu-se numa luta feroz com outro homem, e andavam ambos a rebolar pelo chão. Então este, como bom filho, pegou numa moca e preparou-se para dar na cabeça do outro. Só que errou o alvo e acertou no pai, matando-o. Foi preso, julgado e condenado a vinte anos de cadeia.
E porque é que eu conto isto? Porque é bem ilustrativo do que era o entendimento que as autoridades portuguesas – e todos ou quase todos nós – tínhamos dos hábitos, dos costumes, e da maneira de sentir dos "pretos". A ideia geral era: "Se está certo para nós, também tem de estar certo para eles". E vá de aplicar a "justiça" com rigor igual ao que se aplicaria no Alto do Pina ou na Cedofeita. Ninguém foi capaz de enxergar que aquele homem se considerava sinceramente inocente. Ele só queria salvar o Pai, por isso tentou bater no outro. Não conseguiu, e acertou no Velho. Foi sem querer, evidentemente, nada que merecesse vinte anos de cadeia. Acabou afinal por ficar a fazer quase o que faria se estivesse na sua terra. Só que em vez de ser com bois era com carneiros, paciência. Se tivesse ficado preso certamente que morreria cedo.