domingo, julho 03, 2005

na Prisão (1)

A caserna em que fui "arrecadado" no Açores, era uma das quatro de um edifício muito grande, duas no piso térreo que albergavam quase vinte presos, e mais duas por cima com quarenta homens cada. A construção – ao que julgo saber – remonta à época dos Filipes de Espanha. As vigas que suportavam o piso superior eram grossíssimas deixando um espaço muito grande entre o teto e o soalho. Isso deu-nos a ideia de abrir um buraco nesse espaço, que nos permitisse passar de uma caserna a outra. Levantámos duas tábuas largas do soalho, aproveitando um sítio onde havia duas emendas, começamos a escavar, nós os de cá para lá, e os outros de lá para cá. Conseguimos acertar as duas "frentes de ataque" através de um pequeno furo na parede, por cima de uma prateleira alta, encobrindo-o com as malas. Por esse furo fazíamos passar o nosso correio clandestino que seguia na ponta de uma cana. Mas para não levantar suspeitas, mantínhamos a correspondência oficial, censurada pelos guardas. Foi assim que marcámos os locais onde abrir o túnel - a parede tinha uns sessenta centímetros de espessura. Quando ao princípio da noite os guardas fechavam e trancavam a porta da escada, abríamos o soalho e começávamos a tarefa da escavação. O Serôdio e eu, por sermos os dois putos mais leves e mais magros da caserna, os únicos que cabiam entre os dois pisos, íamos empurrando e espalhando o entulho por entre as vigas de madeira, de forma a espalha-lo igualmente sem pesar muito num só sítio. Escavava-se com as colheres e com uma "picadeira" de construção civil que misteriosamente nos tinha chegado às mãos. Quando ficou tudo pronto, assim que anoitecia passávamos de um lado para outro, uns para lá outros para cá, tendo o cuidado de ter sempre o número certo de homens nas casernas. Se por acaso entrasse algum guarda, o que à noite nunca acontecia, os "estranhos" meter-se-iam nas camas. Mas isto foi Sol de pouca dura.
O buraco foi denunciado, com a localização exacta e tudo. Os guardas entraram trazendo com eles o Tenente. Mandaram chamar pedreiros para tapar o buraco e levaram para a "Poterna" três camaradas nossos: O que dormia por cima do buraco e os dois ao lado. Pouco tempo depois conseguimos apanhar o traidor que era um dos quatro presos republicanos. Numa manhã, o Virgílo Ferreira (não confundir com o escritor), que eu comparava ao "Gavroche" dos Miseráveis apesar dos seus 31 anos, torneiro de metais de profissão e fadista (era de Alfama e notava-se bem, felizmente), que era o responsável pelas ligações clandestinas com o exterior, disse-me para não ir ao recreio naquela manhã. Ficamos pois na caserna, e enquanto três outros camaradas lavavam e varriam o chão, nós fomos à mala do C. (lembrei-me agora do nome do animal) forçámos a fechadura e encontramos a carta que o Virgílio o tinha visto escrever na véspera. Estava endereçada a um preso de outra caserna, e teria de ser entregue ao Furriel que a levaria depois ao Oficial para censurar. Era um pedido de audiência ao Comandante, aliás ele ia muitas vezes ao Comando. Quando os camaradas regressaram do recreio, mostramos-lhe a carta e confrontamos o tipo com ao factos. Armámos então um grande "cenário" de violência, ameaçando-o que o agredíamos, enfim, o homem estava aterrorizado, até que os guardas o vieram acudir levando o tipo para outra caserna, a caserna número 3, a caserna dos "rachados", os presos que colaboravam com os carcereiros. Entretanto os nosso três camaradas castigados só voltaram uma semana depois. Tinham estado duas noites na Poterna, o que foi uma grande barbaridade e os restantes dias no Calejão. Mas esta nossa "derrota" foi curta. Voltámos a fazer outra passagem, muito mais audaciosa, e ainda uma ligação com o primeiro piso... Mas agora vou interromper, estou cansado. Depois continuarei...