terça-feira, julho 12, 2005

A Terminália

Vivemos os últimos 14 anos, até Agosto de 1979, numa casa em Luanda onde no pequeno jardim da frente existia uma "Terminalia Catappa", creio que popularmente conhecida por Figueira da Índia. Tratava-se de uma árvore muito bonita que só tinha o "defeito" de ser de folhagem perene e por isso estar sempre a ganhar e a perder folhas, que por serem muito grandes, cobriam o chão permanentemente para desespero dos donos da casa. Apesar disso todos gostávamos muito dela. Parecia ter nascido apenas para dar sombra, pois os frutos (umas bagas quase só caroço) não tinham graça nenhuma. Nesta árvore, tal como na Aurocária, os ramos crescem paralelos ao chão e por andares. Quando a encontrámos já tinha cerca de 30 cm de diâmetro na base e, quanto a altura, as franças mais altas rasavam o beiral do telhado. Por volta dos anos sessenta e oito, sessenta e nove, numa tarde calma e de bom tempo sou surpreendido por um tufão daqueles que duram apenas uns poucos segundos, mas enquanto duram são devastadores. No momento estava sozinho em casa a ler calmamente com a porta que dava para o jardim aberta de par em par. Subitamente, uma rajada de vento entra pela casa dentro arrastando consigo folhas, lixo, terra e levantando o tapete da sala para cima da mesa. A casa ficou quase sem luz, não tive sequer tempo para me assustar porque tudo se passou mais depressa do que o meu tempo de reacção. Mas em breve chegaria o momento de me assustar. Saí para o jardim que, como já disse era pequeno, e não vejo a árvore... nem o carro. Verifiquei que o tronco se encontrava derrubado até ao chão, e a ramagem cobria totalmente o meu pobre carro. A minha mulher quando chegou da rua chorou como a Madalena não teria feito. Telefonei aos bombeiros que vieram equipados com machados e catanas e cortaram os ramos libertando o carro. Felizmente a estrutura da árvore permitiu que os dois ramos maiores, os mais baixos e fortes, se tivessem apoiado no chão fazendo um milagroso e eficiente tripé protector. No dia seguinte a Câmara Municipal enviou pessoal e duas camionetas que limparam e levaram tudo. Só então se pôde avaliar a situação. "Era preciso salvar a árvore". Quase todas as raízes se tinham partido mas, felizmente a raiz principal, bastante grossa, embora rachada, tinha ficado pegada ao tronco que foi erguido e depois escorado. Aumentou-se a altura da terra em volta, regou-se e... esperou-se pela reacção da árvore. Passado algum tempo começaram a aparecer alguns rebentos. Entretanto um ano passou, durante o qual muitos outros rebentos nasceram. Fui cortando os mais fracos para proteger a árvore e deixar que os restantes crescessem mais fortes. Passado mais um ano, seleccionei os três mais fortes que haviam nascido na cicatriz do tronco e já tinham atingido quase um metro, virei-os para cima, juntei-os com um atilho e esperei mais um ano. Eliminei então os dois mais fracos e deixei o mais forte, que já se habituara a seguir a direcção do tronco. Começou a engrossar e eu fui sempre livrando-o da "concorrência". Quando se sentiu com forças, começou a lançar ramos tal qual tinha feito o tronco original, de que ele era o legítimo herdeiro e continuador. Depois disto ainda vivi naquela casa mais oito anos. Entretanto o tronco foi engrossando, crescendo, lançando mais ramos e quando deixei a casa já a Terminália estava mais alta do que era quando a conheci, e as franças mais altas chegavam ao topo do telhado. Nunca mais soube da árvore, mas considero-me um pouco pai dela.