segunda-feira, julho 25, 2005

O "Tito" Gouveia

Abílio Gouveia era um extraordinário guia do Deserto. Filho de um outro guia, o Manuel "Tito" Gouveia, que trabalhou para a DTA - as antigas Linhas Aéreas de Angola. Este homem foi o mecânico do voo Lisboa-Macau com Brito Pais e Sarmento de Beires, nos ano 20 do século passado. Mas voltando ao Abílio, a quem muitos também chamavam Tito, quero relatar a captura de uma zebra. O Abílio tinha recebido a incumbência de colher amostras de sangue de zebra para estudos laboratoriais e eu aproveitei o convite que ele me fez para filmar uns "bons bonecos" para o jornal cinematográfico das Actualidades de Angola que realizei durante alguns anos. Largamos manhã cedo para o Deserto com um Jeep Land-Rover e um outro Willys e com alguns homens para auxiliar na captura. Percorremos várias "Chanas" (zonas de planície entre morros) até encontrar uma suficientemente ampla e onde andasse uma manada que incluísse alguns animais ainda jovens. Depois de algum tempo, finalmente encontrámos aquilo que o Abílio pretendia. Nessa altura eu passei para o jeep mais pequeno para acompanhar o trabalho do Abílio e dos ajudantes. Começaram por perseguir a manada impedindo-a de fugir para os morros. Conseguido isso, meteu o carro no meio da manada até separar uma zebra nova mas já completamente formada –digamos, uma "pré-adulta"– nesse momento eu comecei a filmar acompanhando em paralelo aí a uns vinte metros de distância. O Abílio conduzia com extraordinária habilidade de forma a anular os desvios que o bicho constantemente fazia. Os ajudantes, uns quatro, seguiam em cima do carro e um deles levava uma vara com uma corda e um laço na ponta. Os outros seguravam a ponta da corda. Assim que o laço foi passado no pescoço da zebra o jeep parou repentinamente e os homens saltaram para o chão, agarraram-se ao animal e imobilizaram-no. Tudo fácil... e rápido. Eu tinha metido um carregador cheio na câmara, 60 metros, ou seja dois minutos e ainda sobraram alguns metros. Depois foi preciso colher algum sangue do pescoço e tirar umas quantas carraças para dentro de um frasco, e soltar novamente a zebra. Não antes de lhe terem fixado um selo numa orelha. Encetamos o caminho de regresso mas um dos Jeeps avariou-se e o motorista passou para o nosso Land-Rover e deixou o outro para o ir buscar noutro dia. Entretanto fez-se noite, e como não há duas sem três, também a luz do Land-Rover se apagou. Ficámos só com os pisca-pisca. Assim fomos andando com o Abílio a falar naquele jeito dele muito pausado, contando histórias de outras aventuras semelhantes. A noite estava escura como breu e nós lá íamos andando em marcha lenta pelo deserto fora e eu – apesar da grande confiança que tinha no meu Amigo – não deixava de pensar que de noite todos os gatos são pardos e todos os caminhos são iguais. E ali não havia caminhos, era só deserto. Mas como ele ia calmo, acabei também por deixar correr até que... vimos lá ao longe, mesmo na nossa frente, uma luz fraca e tremeluzente. "O que é aquilo?" pergunto eu. E com a mesma voz lenta e calma com que sempre falava, diz o Abílio "É a Fazenda do Von... qualquer coisa", o alemão onde tínhamos estado de manhã, e onde fomos dormir naquela noite. Claro que o Abílio nunca esteve perdido, nunca andou à procura do caminho. Ele esteve sempre sabendo o rumo que seguia, certo e determinado. Mas eu nunca percebi como, depois de andarmos toda a manhã às voltas ao sabor dos caprichos das zebras, ele sabia de onde iniciava o regresso e a direcção a seguir através da escuridão. Ele também não me soube explicar. Foi das coisas mais fascinantes por que passei em Angola.

1 Comments:

Blogger DELÍCIAS DA NEIDICA said...

Oi, sou Neide De Gouveia, filha do Abílio.
Adorei o relato e peço que corrija o nome do meu avô que é Tito De Beires Lopes Freire De Gouveia.
Grande abraço!!!!

4:26 da manhã  

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