Ducarsky, o "Russo"
A Serra da Chela é um deslumbramento. Ali, as chuvas na época própria, são abundantes e frequentes. A estrada desce em laços até ao Deserto de Moçâmedes. Em penoso contraste, pois no Deserto não chove durante anos. Subi e desci aquela Serra dezenas de vezes, e numa dessas descidas, sob uma chuva que aqui nem se imagina, parei o carro. Dali já se via sopé da serra e o começo do deserto. Pela estrada de terra batida, lá em baixo, vinha uma carrinha em grande velocidade levantando uma enorme núvem de poeira. Quase de repente, a poeira pára e a carrinha entra na chuva da montanha. Foi como se tivesse atravessado uma cortina. E era isso que acontecia. Os ventos sopram sempre do Mar e não deixam que a chuva avance para Ocidente, sobre o Deserto. Os mil e novecentos metros de altura da Serra tambem não deixam passar o vento. Logo que foi possível reiniciei o caminho, e foi na Umbia, mesmo ao fundo da Serra, que conheci o Alexandre Ducarsky. Ele dirigia uma Fábrica de Charcutaria, e eu, passando por ali muitas vezes por ano, sempre parava para dois dedos de conversa. Anos mais tarde rumou a Luanda onde abriu um Restaurante no Largo da Mutamba, junto à Fazenda. A "Charcuterie Francesa". Mas não era do Alex nem da Charcuterie que eu queria falar...
Conheci os dois filhos do Alex ainda crianças. Depois perdi-os de vista. Mas no final dos anos sessenta fiz uma reportagem a bordo de uma Fragata que levava a bordo o Ministro da Marinha. O exercício era subir o rio Zaire durante a noite para testar as boias limite da fronteira com a República do Zaire que, em parte do percurso, passa pelo meio do rio. Como não tinha onde dormir, passei a noite embrulhado numa manta na cabine da roda do leme. Foi uma experiência curiosa, apesar de não se ver um palmo diante do nariz. De tempos a tempos avistava-se uma bóia iluminada, e ouvia-se a voz do Oficial que dava rumos ao homem do leme, também chamado Coramastros. "Quatro graus a bombordo" ou "três graus a estibordo". O homem do leme repetia a ordem e depois de a executar, dizia "Está no caminho". Foi embalado por esta música que "dormi" toda a noite até fundearmos frente a Noqui, vila fronteiriça. Passo em branco as cerimónias militares e chego finalmente ao caso. Em Noqui um fuzileiro tinha caído, e segundo o médico de bordo, teria fracturado a bacia. Resolveram pois, embarcar o homem e trazê-lo para Luanda. Assim se fez, e largámos rumo a Sul onde chegariamos às dez horas da manhã seguinte, hora para que estavam marcadas as honras militares a prestar ao Ministro. Mas para cumprir o horário, o navio vinha em marcha lenta, pois se viesse em velocidade de cruzeiro, chegariamos de madrugada. O bordo de Honra é o de estibordo - se não me engano - estando reservado ao Ministro e seus acompanhantes. Estava eu encostado a uma porta de acesso a esse bordo, mas do lado de dentro, quando vi que o Ministro passeava na coberta acompanhado pelo seu Oficial às ordens, um sub-tenente muito novo. E foi este que puxou a conversa que cito de memória: "Coitado do rapaz, ao tempo que ele está assim, o sofrimento que deve sentir", e o Ministro concordava; "Claro, claro, coitado"... "e só poderá ser desembarcado depois das Honras militares". E mais uns minutos de conversa sempre apoiando as regras protocolares da Marinha. "Pois não seria correcto fundear na baía e ficar o Navio e o Senhor Ministro à espera!" E o Ministro sempre de acordo. Até que o sub-tenente, quando achou o "fruto maduro", atacou a fundo: "Se o navio ficasse a pairar fora da Baía e desembarcasse o homem, já poderiamos entrar à hora marcada". O Ministro concordou, e passados poucos minutos o navio aumentou a velocidade e chegámos a Luanda de madrugada onde estava uma lancha à espera do sinistrado. Ficámos então a pairar até às dez horas que foi quando entrámos gloriosamente na Baía de Luanda ao som das salvas do estilo. Tería o Almirante dito, pelo menos ao Comandante do Navio, de quem tinha sido a ideia? O moço, o tal sub-tenente, não disse nada, posso garantir, porque quando contei ao Pai, ele não sabia de nada. Era o filho mais velho do Ducarsky.
Conheci os dois filhos do Alex ainda crianças. Depois perdi-os de vista. Mas no final dos anos sessenta fiz uma reportagem a bordo de uma Fragata que levava a bordo o Ministro da Marinha. O exercício era subir o rio Zaire durante a noite para testar as boias limite da fronteira com a República do Zaire que, em parte do percurso, passa pelo meio do rio. Como não tinha onde dormir, passei a noite embrulhado numa manta na cabine da roda do leme. Foi uma experiência curiosa, apesar de não se ver um palmo diante do nariz. De tempos a tempos avistava-se uma bóia iluminada, e ouvia-se a voz do Oficial que dava rumos ao homem do leme, também chamado Coramastros. "Quatro graus a bombordo" ou "três graus a estibordo". O homem do leme repetia a ordem e depois de a executar, dizia "Está no caminho". Foi embalado por esta música que "dormi" toda a noite até fundearmos frente a Noqui, vila fronteiriça. Passo em branco as cerimónias militares e chego finalmente ao caso. Em Noqui um fuzileiro tinha caído, e segundo o médico de bordo, teria fracturado a bacia. Resolveram pois, embarcar o homem e trazê-lo para Luanda. Assim se fez, e largámos rumo a Sul onde chegariamos às dez horas da manhã seguinte, hora para que estavam marcadas as honras militares a prestar ao Ministro. Mas para cumprir o horário, o navio vinha em marcha lenta, pois se viesse em velocidade de cruzeiro, chegariamos de madrugada. O bordo de Honra é o de estibordo - se não me engano - estando reservado ao Ministro e seus acompanhantes. Estava eu encostado a uma porta de acesso a esse bordo, mas do lado de dentro, quando vi que o Ministro passeava na coberta acompanhado pelo seu Oficial às ordens, um sub-tenente muito novo. E foi este que puxou a conversa que cito de memória: "Coitado do rapaz, ao tempo que ele está assim, o sofrimento que deve sentir", e o Ministro concordava; "Claro, claro, coitado"... "e só poderá ser desembarcado depois das Honras militares". E mais uns minutos de conversa sempre apoiando as regras protocolares da Marinha. "Pois não seria correcto fundear na baía e ficar o Navio e o Senhor Ministro à espera!" E o Ministro sempre de acordo. Até que o sub-tenente, quando achou o "fruto maduro", atacou a fundo: "Se o navio ficasse a pairar fora da Baía e desembarcasse o homem, já poderiamos entrar à hora marcada". O Ministro concordou, e passados poucos minutos o navio aumentou a velocidade e chegámos a Luanda de madrugada onde estava uma lancha à espera do sinistrado. Ficámos então a pairar até às dez horas que foi quando entrámos gloriosamente na Baía de Luanda ao som das salvas do estilo. Tería o Almirante dito, pelo menos ao Comandante do Navio, de quem tinha sido a ideia? O moço, o tal sub-tenente, não disse nada, posso garantir, porque quando contei ao Pai, ele não sabia de nada. Era o filho mais velho do Ducarsky.
1 Comments:
O Benjamin, o filho mais velho do Doukarsky, perguntou-me(meu nome é Margarida) a respeito deste texto:
"Mundo pequeno??? Microscópico !!!! Fiquei mudo de emoção.
Posso receber detalhes do João da Silva e saber como o contactar ?"
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