O Fascínio de África
Dizia-se em Angola, que quem bebesse água do Bengo não mais se iria embora. Até Dezembro de 1949 nunca pensara em ir a, e muito menos "para" Angola. Dela só sabia que: "era catorze vezes e meia maior que Portugal, que o clima era quente e húmido no litoral, e seco e fresco nas terras altas." Inesperadamente surge-me um convite para ir a Luanda por um período de seis meses, filmar alguns Documentários. As condições eram tentadoras. A partida seria no mês seguinte. Simplesmente, perderia um ou dois filmes de fundo em Lisboa, e isso não iria ser bom para o meu currículo. Além de que; tenho de confessar, adorava o meu trabalho sobretudo as filmagens de “Interiores” no Estúdio da Tobis.
Então propus um contrato por apenas dois meses. Depois de várias diligências, o Produtor Ricardo Malheiro que se encontrava em Luanda, aceitou as minhas condições. Marcaram-me passagem para meados de Janeiro. Com isso, perdi a oportunidade de estagiar num filme de Jaques Becker em Paris, estágio que fora conseguido pelo meu Amigo José Ernesto de Sousa – anos mais tarde Realizador de "Dom Robert" com Raul Solnado – . Visto os prós e os contra, optei por ir a Angola, ficando o estágio em Paris para outra oportunidade... que nunca surgiu.
Assim, no dia 21 de Janeiro de 1949 parti para Luanda onde iria cumprir um contrato de apenas dois meses. Como já disse cheguei a Luanda no infernal mês de Janeiro. O calor e o grau de humidade, insuportáveis para quem acabava de vir do Inverno europeu, quase me fizeram arrepender da aventura. O Hotel Turismo daquela época, apesar de ser o melhor da Cidade, estava instalado ainda num imóvel antiquado, sem qualquer sistema de ventilação, obrigando a manter abertas as janelas dos quartos para nos dar uma ilusão de frescura. - Como se por elas pudesse entrar o que lá fora não havia!... Entrava sim, o que por lá abundava: mosquitos. A única defesa era o mosquiteiro que rodeava a cama. Os mosquitos ficavam a zumbir do lado de fora, e com eles, qualquer ténue e improvável brisa.. Logo numa das primeiras noites de desesperada luta tendo por fim adormecido num sono agitado, senti o pescoço encharcado e ardendo como se estivesse em fogo. Pensando ser apenas transpiração igual à que sentia em todo o resto do corpo, mesmo sem acordar, me ia coçando o que só fazia que cada vez me sentisse mais molhado e numa maior extensão. Já não era só o pescoço, era também o peito. Ainda de noite fui à casa de banho com a intenção de me refrescar, e ao olhar para o espelho fiquei horrorizado. Do queixo para baixo e em quase toda a largura do peito tinha bolhas de queimadura, que eu próprio rebentara, no desespero daquela noite. Um líquido corrosivo que delas se libertara, fora queimando tudo à volta, com a preciosa ajuda das minhas diligentes unhas. Logo de manhã corri para a Farmácia onde soube que se tratava da simpática visita de boas vindas, de uma "Cantárida,"
mosca que dá a picada,
que injecta o líquido,
que provoca bolhas,
que as unhas rebentam,
que espalham o veneno
Que o meu peito queima!...
Como se teria ela insinuado no interior do mosquiteiro? Confesso que nada me poderia ter fascinado menos. Na farmácia fizeram-me um tratamento igual ao que fariam a queimaduras pelo fogo. Ainda levei vários dias até que tudo voltasse ao normal. Em todo o caso, tempo
suficiente para me perguntar se aquilo era já o tal "Fascínio". Talvez fosse, mas só o princípio. Logo após embarquei para Moçâmedes, Paralelo 15, a mais de 1200 quilómetros para Sul. Antes de sair de Lisboa, procurara informar-me sobre a roupa que deveria levar.Disse.-me alguém que já lá estivera, que levasse só roupa fresca; que toda a gente andava em mangas de camisa, etc. Assim, não trouxera nenhum agasalho, nem um simples casaco. Como tencionava demorar só dois meses, achei que ia bem. Resumindo: em Moçâmedes não podia sair à noite. Atravessei toda a Baía até ao Saco, num ronceiro gasolina entra as 03.00 e as 07.30 horas. O Corpo Humano resiste a muita coisa...até à idiotia do dono.!... No Deserto, conforme relatei noutro escrito, voltamos um jeep que após várias cambalhotas acabou por ficar direito, e sem graves mazelas, tanto nele com em nós. Tinha quinze dias de Angola. O Deserto, e todos os outros locais que fui descobrindo por aquela imensa Angola, fascinaram-me! - .Que digo eu? Fascinaram!? Estava completamente apanhado. Em Maio recebi a Mulher e os filhos pequenos. Regressamos num dia 25 de Agosto: 29 anos, 8 meses e 10 dias depois, em 1979. Já estou em Lisboa à vinte sete
anos. O que foi Fascínio, é agora Saudade, uma imensa Saudade
2 Comments:
Hi John! Acabo de actualizar a minha leitura deste blog. É sempre um prazer ler a sua boa prosa. Gostei que acrescentasse o episódio português. Não se fique só por Angola, que deve ter memórias interessantíssimas de Portugal, desde os seus tempos de Alfama até às suas participações (atrás da câmara) em filmes! Se quiser ver fotos da Angola actual, tenho um blog só de fotos em www.hunakulu.blogspot.com. Por enquanto só tem fotos de crianças mas terá de paisagens, etc. Abraço e continue! Cláudia.
Hi, teather, my dear: com algum atrazo,acabo de ler o seu generoso comentário ao meu último post. Tenho outro em dedos também sobre Angola ( o melhor terço da minha vida ) mas ainda não consegui acertar na forma. Penso que desse a Claudia irá gostar. Agora sobre um seu comentário anterior em que faz referência `descoberta do caminho marítimo para a Índia. Não me çembro disso (não sou desse tempo) Não seria a história do "Seu Camões, qui tinha os cabèro deli carnado e barba carnada. e qui fazia os versos dere metido nos cantoi da Bruta de Macau e que chamava Gerosia ? e esfuncinava com Dinamene ?
Um abraço João
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