segunda-feira, outubro 09, 2006

O Argolista

Luanda, 1950. Hotel Turismo ao tempo o melhor de Luanda. aliás, não me recordo de nenhum outro naquela data. Afinal dou-me conta de que estou cometendo uma injustiça ( isto de escrever de memória a cinquenta anos de distância, só pode dar disparate). E deu: o "Turismo" ficava na Avenida dos Restauradores de Angola ao lado da Sé. Mas nas ruas das traseiras, havia dois hotéis bastante mais modestos, um destes, o Hotel Paris, enquanto o outro do mesmo nome estava na altura,a ser demolido dando lugar a um Largo frente à Livraria Lello. O "Turismo"era o melhor. Anos mais tarde foi demolido, e no mesmo local nasceu o novo Hotel Turismo. este Hotel, era propriedade dum Snr Almeida, pessoa muito simpática com os clientes. Mas era patrão. Chefe de mesa era o Pinho que mais tarde se viria a tornar dono do Hotel. Como seu ajudante tinha um rapaz muito novo. Não sei definir bem, mas não teria ainda vinte anos. Era muito delicado, duma "delicadeza" aprendida à pressa, que por vezes se tornava um pouco ridícula. Era de uma ingenuidade que fazia dó, e que acabava por torná-lo vítima de partidas quelhe faziam os comensais mais antigos e (estúpidos) que o levavam a creditar nas mais disparatadas coisas. Tinha veleidades de poeta. Quem não tem naquela idade?. Costumava mandar, até aqui sem sucesso, as suas obras poéticas para o Diário de Luanda que tinha, ao Domingo, uma página aberta à colaboração dos leitores. Até que uma manhã aparece eufórico com o jornal na mão, quase gritando: "O Diário publicou os meus versos!" e foi mostrá-los aos hospedes e comensais que enquanto esperavam pelo almoço se sentavam numas cadeiras postas à porta a fingir de esplanada. O primeiro a pegar no kjornal foi o Administrador do Concelho. Leu com atenção e depois com uma gargalhada, devolve-lhe o jornal e diz alto e bom som "Estes versos não são seus . São do António Sérgio!" Mas o rapaz reagiu com com uma indignação e uma segurança, de todo inesperada numa pessoa habitualmente tão tímida e até humilde. "Claro que são meus, eu até assinei aí em baixo : António Sérgio!!"”. O infeliz não sabia do "outro." Lá lhe explicaram que dada a identidade de ambos, seria melhor escolher um pseudónimo. Mas ele não se convenceu muito. Não disse, mas pensou: "assim ninguém saberá que sou eu". Pouco tempo depois, numa manhã em que pedi o mata-bicho mais cedo, e estávamos sós na Sala, veio com cara de choro, dizer-me que o Sr. Almeida o tinha despedido a partir do fim do mês.. Ele estava sozinho em Luanda não teria para onde ir morar. Ao mesmo tempo pedia conselho sobre uma carta que tinha dirigido ao patrão. Mostrou-ma. Li e fiquei varado. Era naturalmente a linguagem dos versos que teria escrito. cito de cor: "quais espadas(*) atravessando o meu coração foram as palavras de ªExª (*) “ e termina: de Vxª Exª servilmente” e assina. Percebi que ele não conhecia o significado das palavras, mas tomava-as como fomas de delicadeza, de deferência. Com todo o cuidado que pude, tentei convencê-lo a modificar o início e o fim da carta. "Mas eu já a entreguei. Esta é só uma cópia para mostrar às pessoas amigas " Se antes ficara varado, agora fioquei siderado. O certo é que o Sr. Almeida reconsiderou, ou cedeu às "sùplícas" dos hóspedes e não mandou embora o rapaz. Entretanto, tinha resolvido ficar em Angola e mudei-me do hotel para uma residência. De tempos a tempos encontrava o Sérgio muito desgostoso, por não conseguir "triunfar na vida" Lá procurava animá-lo, tanto quanto era possível num fugaz encontro de rua. Confidenciou-me que o emprego que inha arranjado na Fazenda(?) não o satisfazia. Entretanto estive fora de Luanda cinco anos e quando regressei fui ver um sarau de ginástica que um vago conhecimento meu iria promover, comemorando o primeiro aniversário da inauguração do seu Ginásio.Mas algo me pareceu contraditório. Quando se fala de ginástica e ginastas tem-se a ideia de pessoas fortes, bem constituidas Ora o Mestre era a negação dessa ideia . Ele não excedia os meus padrões (1,63 m. naquele tempo, 1,61 actualmente) . Fraco reclame para um ginásio e para o professor. Mas tudo, correu bem com uma classe infantil bem ensaiada. E foram-se seguindo as exibições. O Ginásio estava minimamente apetrechado de aparelhos: espaldar. bancos, cavalo, plinto com trampolim. Mas o que me deixou admirado foi um aparelho altamente especializado: pendente do tecto estavam as Argolas.Perguntei-me quem iia exibir-se num tão difícil aparelho. Não tinha visto ninguém com a compleição física de um argolista. Então o Mestre pede atenção e anuncia: "Tenho o gosto de vos aprsentar um excelente argolsita formado no nosso Ginásio." Vi então levantar-se do lado oposto ao meu, um atleta que não identifiquei imediatamente, um quase irreconhecível Sérgio impante no seu metro e sessenta. Só a altura não mudara ,paradoxalmente parecia mais baixo por contraste com a largura de ombros a saliência dos peitorais e o volume dos bíceps. E a atitude, sobretudo a atitude. Talvez só Napoleão se tenha sentido tão grande dentro da sua pequenez E mesmo assim ponho as minhas dúvidas. Colocdo sob as argolas ainda parecia mais baixo. Temi um momento ridículo. Todo o argolista, por mais alto que seja, tem de ser auxiliado para chegar às argolas. Como é que iria ser ?. Mas foi bem. Estava tudo previsto. Tinham mobilizado um homem muito alto, vestindo canhestramente um fato de ginástica. Agarrou o António Sérgio pela cintura, lugar correcto, e levantando-o muito acima da sua cabeça, deixou-o entregue a si próprio. E o certo é que fiou muito bem entregue, o antigo tímido e inseguro empregado do Turismo tinha afinal dentro de si aquela inesperada força anímica, que lhe permitira apurar o físico de uma maeira tão profunda que lhe permitiu uma exibição perfeita. Até o “Cristo” pedra de toque desta especialidade. 0(as argolas estariam um pouco mais juntas do que o normal,) foi perfeito. No fim fui cumprimentá-lo com umas palavras de cicunstância, sobre a força de vontade. etc., etc- Umas banalidades Mas uma grande lição , sem dúvida. O tímido e sonhador "poeta" António Sérgio dera a volta por cima.
Espero e desejo que não haja perdido o SONHO!

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por acaso vim parar a este blog, e reparei que nos seus posts faz algumas vezes referencia ao Hotel Turismo em Luanda, ao "Pinho" (que é meu tio avô) e ao Sr. ALmeida (que também era uma pessoa conhecida na terra).
Há coisas....

7:00 da tarde  

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