A Censura em Angola (1970)
Íamos iniciar um documentário que o Governo de Angola encomendara à Telecine África para quem, ao tempo, eu trabalhava. Era operador de imagem. Veio de Lisboa (digo "veio" porque estou situado "naquele tempo") para tomar a seu cargo a realização o Manuel Faria de Almeida, com larga experiência naquele género de cinema, e que eu conhecera recentemente em Lisboa e com quem mantive uma boa relação profissional e de Amizade. O filme em questão versava a Instrução em Angola, focando principalmente – se bem me lembro – os Cursos Secundário e Superior. Pedimos uma audiência ao Secretário Provincial da Educação, que era angolano, o Dr. Pinheiro, (estava-se na Primavera Marcelista). Recebeu -nos muito bem e procurou saber quanto tempo iria ter o filme. Quando soube que teria dez minutos, ficou perplexo. "Mas então, eu terei de início,de dar algumas explicações que, por sucintas que sejam, sempre gastarão algum tempo; depois, só aqui no Secretariado, há quase duas dezenas de repartições!?" A pesar dos meus quase vinte e cinco a nos de Angola, que tinha na época, fiquei siderado. Mas o Manel que tinha gravado a conversa toda, manteve uma grande calma e lá foi argumentando até que o DR. Pinheiro resolveu endossar o problema a um dos Directores de Serviços, o Dr. Coimbra, pessoa muito conhecida em Angola e com quem eu tinha boas relações. No seu gabinete, onde nos recebeu, estavam empilhadas dezenas de caixas de discos fechadas e precintadas. Estranhámos o facto, e logo ficámos sabendo que o Dr. Coimbra era também o Director dos Serviços de Censura, e aqueles discos eram propriedade da Livraria Lello, uma das casas mais importantes de Angola, e estavam ali para ser “inspeccionados”, um a um. No gabinete estava também a Secretária da Direcção, assistindo a tudo com muito atenção, lançando a sombra protectora da sua alta e elegante estatura sobre a frágil figura do Senhor Director. O Manuel perguntou, o que faziam aos discos censurados, e logo veio a mais clara e elucidativa resposta:
“ Aqui a Dª (?) com um estilete faz dois riscos em cruz, - ric!-ric! - e depois devolvem-se para que não julguem que ficámos com algum" E o Manuel, explorando a situação:"“e quando se trata de obras em línguas estrangeira ?" "Ah! para isso temos os tradutores de francês e inglês. Se forem outras línguas que não conheçamos recorremos à PIDE/DGS. Eles têm tradutores para tudo. Calculem que já apareceram por cá, discos em Coreano! Imaginem: Coreano !!!... Mas a Pide traduziu e aqui a nossa Secretária com o seu estilete: """RIC-RIC"""evitou o pior: que pudessem chegar ao Público. Já imaginaram o perigo que seria?" Creio que não vale a pena dizer mais nada. Aliás, vale a pena sim. Entretanto o meu colega teve de regressar a Lisboa, e eu fui acabar o que faltava na Faculdade de Medicina Veterinária em Nova Lisboa. Estávamos em plena Primavera Marcelista, como referi, e já havia uma certa abertura., ou parecia haver. Quando fizemos a entrega do filme, passámo-lo na nossa sala de projecção para a Comissão de Recepção, composta por três Coroneis )?). Quando apareceu no écran o Laboratório de Química da Faculdade de Veterinária, viam-se vários estudantes em trabalho, e um de entre eles era preto. Então um dos militares, observou: "porquê só um preto ?" À sessão estavam presentes o Grande Patrão da Telecine, Galveias Rodrigues e o Director Geral da Telecine/África, Vítor Silva. Fui eu como co-autor, quem teve de dar a explicação, até porque tinha sido eu, já sem o Realizador, a filmar aqueles planos. "Porque era o único estudante preto da Faculdade," disse. O Coronel porém, não se deu por satisfeito. "Mas em Cinema ha muitos recursos, bastava vestir uma bata branca a um servente e pronto !" Aqui um desabafomeu: : "ainda bem que sou de baixa estatura. Se tivesse um metro e oitenta como tantas vezes desejei, ter-me-ia metido em muitos trabalhos. Assim, fiquei só desesperado" Ainda me atrevi a dizer que o que me tinham mandado fazer fora um documentário e não um filme de ficção. Acode o militar: " Bom, isso não seria ficção, digamos que se trataria de uma antecipação, porque.... " Já não ouvi o resto, sabia que os meus patrões estariam preocupados com a possível rejeição do filme, e eu só poderia complicar as coisas. Saí da Sala. Felizmente o filme foi aceite. E para mim foi só mais uma pedrinha no meu fígado.
“ Aqui a Dª (?) com um estilete faz dois riscos em cruz, - ric!-ric! - e depois devolvem-se para que não julguem que ficámos com algum" E o Manuel, explorando a situação:"“e quando se trata de obras em línguas estrangeira ?" "Ah! para isso temos os tradutores de francês e inglês. Se forem outras línguas que não conheçamos recorremos à PIDE/DGS. Eles têm tradutores para tudo. Calculem que já apareceram por cá, discos em Coreano! Imaginem: Coreano !!!... Mas a Pide traduziu e aqui a nossa Secretária com o seu estilete: """RIC-RIC"""evitou o pior: que pudessem chegar ao Público. Já imaginaram o perigo que seria?" Creio que não vale a pena dizer mais nada. Aliás, vale a pena sim. Entretanto o meu colega teve de regressar a Lisboa, e eu fui acabar o que faltava na Faculdade de Medicina Veterinária em Nova Lisboa. Estávamos em plena Primavera Marcelista, como referi, e já havia uma certa abertura., ou parecia haver. Quando fizemos a entrega do filme, passámo-lo na nossa sala de projecção para a Comissão de Recepção, composta por três Coroneis )?). Quando apareceu no écran o Laboratório de Química da Faculdade de Veterinária, viam-se vários estudantes em trabalho, e um de entre eles era preto. Então um dos militares, observou: "porquê só um preto ?" À sessão estavam presentes o Grande Patrão da Telecine, Galveias Rodrigues e o Director Geral da Telecine/África, Vítor Silva. Fui eu como co-autor, quem teve de dar a explicação, até porque tinha sido eu, já sem o Realizador, a filmar aqueles planos. "Porque era o único estudante preto da Faculdade," disse. O Coronel porém, não se deu por satisfeito. "Mas em Cinema ha muitos recursos, bastava vestir uma bata branca a um servente e pronto !" Aqui um desabafomeu: : "ainda bem que sou de baixa estatura. Se tivesse um metro e oitenta como tantas vezes desejei, ter-me-ia metido em muitos trabalhos. Assim, fiquei só desesperado" Ainda me atrevi a dizer que o que me tinham mandado fazer fora um documentário e não um filme de ficção. Acode o militar: " Bom, isso não seria ficção, digamos que se trataria de uma antecipação, porque.... " Já não ouvi o resto, sabia que os meus patrões estariam preocupados com a possível rejeição do filme, e eu só poderia complicar as coisas. Saí da Sala. Felizmente o filme foi aceite. E para mim foi só mais uma pedrinha no meu fígado.
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