sexta-feira, maio 26, 2006

de como a Eficiência dos Bombeiros me lixou a reportagem

Luanda, meados dos anos sessenta do Século XX.. Estava na baixa da cidade gozando um merecido dia de lazer, quando oiço as sirenes dos bombeiros e, pelo som percebi que os carros iam em direcção ao Porto de onde vinha uma ténue coluna de fumo. Peguei na carrinha earranquei direito a casa buscar a câmara . Naquele tempo o trânsito não era muito mas eu temia não chegar a tempo de fazer uma reportagem para as “Actualidades de Angola” jornal cinematográfico que na altura fazia. Não quero mentir mas não posso assegurar que não tenha murmurado , uma prece para que o Criador ou quem me escutasse, e tivesse poder para tanto, deixasse ainda um bocadinho de fogo para mim. Depois de ter a câmara comigo fui até ao Porto a "voar baixo", entrei fazendo sinal aos guardas fiscais. Cheguei junto do quase ex-incendio que deflagrara por combustão expontânea num grande lote de Urena lobata, uma planta fibrosa oriunda, de entre outras regiões, do Bangladesh. Serve para fazer cordas, tecer sacos, tudo o que se faz com cânhamo, sisal, etc. . Ali vinha em fardos pesadíssimos, muito apertados e cintados de fitas de ferro. Vinha já reduzida a fio em grandes meadas de centenas de metros. Fora o grande aperto conjugado, provavelmente com a exposição ao Sol que terá provocado a combustão. Quando cheguei ao local do "sinistro", pude verificar que, tivesse ou não murmurado uma prece, ninguém me ouviu. A eficiência dos Bombeiros tinha apagado as labaredas, o espectáculo portanto, com grandes mangueiras jorrando grandes jactos de água que encharcou as meadas de Urena Lobata, mas o fumo persistia levando a crer que o interior ainda ardia e podia reacender o fogo. Para grandes males grandes remédios, era preciso combater o inimigo no seu interior. Mas para lá chegar era preciso tirar de cima do lote uma dúzia de motoretas N.S.U , a primeira marca que apareceu em Luanda. Vinham destinadas à Lusolanda do muito simpático cidadão Holandês Freudhental que não teve a dita de ver aquelas. Para chegar aos fardos e às meadas era preciso desanuviar o espaço. Nada melhor do que pegar nas frágeis máquinas engradadas em fragilíssimas ripas de madeira, e lançá-las de mais de dois metros para o chão. Finalizado o "motoreticídio" seguiu -se a parte mais difícil: o ataque ao inimigo no seu próprio seio. O que quer que ardia, estava metido lá para a profundidade dos fardos apertadíssimos. Mas todo o material dos bombeiros está sempre impecável de brilho e de operacionalidade. Que dizer dos brilhantes machados que eles luzem à cintura ? Que são eficientes nas mãos de gente eficiente. Daí que em pouco tempo reduzissem as meadas de centenas de metros a pedaços de trinta centímetros. Mas apagaram o fogo que era o seu Dever de Bombeiros. E eu assisti, frustrado mas com admiração, àquele desafio, aquela emulação entre o fogo e os machados. “Vamos lá ver quem é que estraga primeiro”? Não fiquei sabendo. Saí antes do fim. Mas tudo me leva a crer que foram os machados que me lixaram a reportagem.
A Tempo: nada do que ficou escrito, a pesar de ser absolutamente verdadeiro, diminui a admiração e simpatia que nutro pelos Bombeiros, pelo seu trabalho, coragem e abnegação. Fiz este relato seguindo a filisofia de vida do meu Amigo Vasco Santana. Dizia ele perante um acontecimento aborrecido e que eu considerava no mínimo, "uma chatice". "Não é. É porreiro pr'a gente contar mais tarde!" E é assim que o recordo. . .cinquenta anos depois.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por que nao:)

1:27 da tarde  

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