sábado, maio 20, 2006

Casos picarescos em "saber" de Raínhas

Vou relatar alguns episódios cómicos sucedidos durante a Exposição de Angola em Bulawyo, Rodésia, hoje Zimbabwe. Estávamos em meados da dècada de cinquenta do Século XX. O primeiro caso picaresco sucedeu ainda em Luanda já no Aeroporto no monento da partida. Eu era operador do Jornal cinematográfico " Actualidades de Angola" e tinha como missão filmar a inauguração da Exposição, meta para que todos nos dirigíamos. Como o avião da Comitiva estava já com excesso de peso, O Director dos Serviços de Economia onde existia um departamento dito: Serviços de Publicidade. departamento este que cuidava das coisas relativas a cultura. Em consonância com a época, Publicidade até era um nome bem apropriado. Pois o Director, Dr. Ramos de Sousa de quem dependia o "fáz-se ou não se fáz" procurou convencer-me a levar menos peso, argumentando: "Eu apenas levo uma casaca e um par de cuecas". Este argumento não teve vencimento., e lá fomos, o meu colega Lemos Pereira, os 40 quilos de material, e eu. Já em Bulawyo fomos encontrar umas temperaturas para as quais não íamoas preparados. Como exemplo: as senhora saiam de casa nos seus carros, encasacadas de luvas e "echarpes" e ao longo da manhã íam-se "descascando" e ao meio dia estavam de "shorts". Uma noite a Orquestra de Londres conduzida por Sir Malcom Seargent, na altura o mais notável dos Maestros Britânicos deu um Concerto no Teatro da Cidade. Os espectadores em traje de cerimónia chegavam sobraçando grandea mantas, e no fim saíam envoltos nelas, listradas e de cores garridas. Pareciam índios. Fora montado um conjunto de casas provisórias a que deram o nome de "Centenary City",logo crismada de "Ordinary City" destinadas a acolher os milhares de turistas atraídos, se não pela Exposição, com certeza pela presença da Raínha Mãe e da Princesa Margarida. O restaurante era exígou e os clientes eram muitos.. As ementas aliás curtas estavam escritas em inglê. Na nossa mesa sentava-se o "velho" fotógrafo Guimaraes, o Lemos Pereira que colaborava comigo, e eu próprio. Juntávamos o pouco inglês que cada um sabia e pediamos os pratos ao empregado quase em estilo telegráfico porque eles não paravam mais , do que alguns segundos, mas sempre conseguíamos que nos servissem aquilo que pedíramos. Mas na mesa ao lado estavam: o Director do Jornal "O Comércio" Araújo Rodrigues, o jornalista do mesmo Jornal, António Pires e o Padre Pereira Director da Rádio Eclésia. Nunca aquelas Almas, a pesar de nos conhecermos e convivermos profissionalmente em Luanda, foram capazes de procurar o nosso auxílio para transmitir ao empregado de mesa o que desejavam comer O Padre Preira trazia com ele, como quem abraça um Breviário, um minúsculo dicionário "Liliput" do tamanho de um caixa de fósforos que trazia o indispensável para se pedir um café ou perguntar pela casa de banho. Mas o "Liliput" do Padre Pereira era pasme-se: PORTUGUÊS FRANCÊS !!! Talvez na sua inabalável Fé, pensasse o padre que o Senhor, para lhe ser intérprete de francês/inglês desceria lá das alturas. Isto supondo que Ele conhecia aqueles idiomas inexsistentes na Sua época. Não desceu; aliás não faz isso há mais de dois mil anos. Mas o padre Pereira, firme nas sua convicção de que a Fé move Montanhas, lá continuou fiel ao seu Liliput, a insistir com os empregados que, como não eram Montanhas não se moveram. Mas comoveram, e já sem lhes perguntarem nada, traziam-lhes todos os dias . . . bifes com ovos estrelados. E não comeram outra coisa durante a estadia, aquelas orgulhosas criaturas que sempre ignoraram mas, estou certo disso, invejaram os mdestos mas bem alimentados vizinhos do lado.
Outro picaresco caso prende-se directamente com o próprio Chefe da Delegação, com a casaca, e não garanto que não também com as cuecas. Este senhor tinha recomendado aos membros mais grados da Comitiva, os poucos que tinham acesso à mão enluvada de Sua Alteza Real que: textualmente, (eu ouvi a recomendção) " Joelho em terra , e o beija-mão" Foi o que ele, e mais ninguém, tentou fazer. Apertado dentro de uma casaca que talvez tivesse sido elegante durante um casamento quarenta anos atrás, contendo agora um corpo com mais esses quarenta anos e a inevitável relação peso/volume, não poude, ao receber a Raínha subindo uns ligeiros degraus, pôr um joelho em terra, ficando pé em baixo pé em cima com o joelho, talvez dolorosamente, meio flectido, a meio caminho entre em pé e agachado. Lamentável de se ver. Mas isto teve um efeito colateral que podia ter custado o emprego ao "velho" Guimarães. Tinha-lhe sido ordenado pelo Director: "quero que me fotografe no beija-mão. Quero que todos vejam como um Republicano da Velha Guarda, sabe beijar a mão de uma Raínha". Salvou-se o Guimarães porque o Produtor Felipe Solms, em Lisboa cortou um fotograma do meu filme, fez uma ampliação, emoldurou-a e enviou-a para Luanda. Foi colocada em lugar de destaque no Gabinete do Director. E lá se conservou por muitos anos.