domingo, maio 07, 2006

Mestre António Gaioleiro

Do Largo de Dona Rosa, em Alfama, partem as Escadinhas do Arco de Dona Rosa. Ao cimo à esquerda é a Rua dos Corvos. Nessa rua, abre-se um Arco que dá entrada ao Beco dos Corvos. Este beco alarga-se depois formando um "condomínio fechado" onde nasceram e morreram várias gerações e ainda são velados os muitos a quem a tuberculose não deu tempo para envelhecer. Falo dos anos trinta do Século XX, e sei do que estou a falar. As pobres gentes que viviam nas pobres casas desse "Condomínio," viradas a Sul, gozavam de uma rica vista sobre o Tejo. Era de graça: estava incluída na pobre renda que mal podiam pagar a um senhorio, também ele pobre. Pretendi com este intróito "colocar" o Mestre gaioleiro. António Gaioleiro como era conhecido em todo o Bairro, devia andar pelos seus sessenta e poucos anos e era uma figura de velho castiço: falava muito, usava antigas máximas, contava histórias e inventava palavras e "destrava-línguas". De certa maneira era um intelectual. Lembro-me de um "destrava" que era "PICAPAQUÍGRAFO", e outra que ele considerava a palavra mais comprida da língua portuguesa. "DESANTIDINACOSMOPOLITIPICAMENTE". Trinta e uma letras. Creio que nem os alemães se teriam abalançado a um tão longo disparate. Com o Sr. António vivia um irmão pouco mais novo, que devia ter tido um AVC, sigla naquela época desconhecida, mas não o mal e os seus efeitos. Este homem mantinha um ar alheado e um mutismo que afligia quem com ele contactava. Tinha frequentes crises de epilepsia a que o irmão prestava os cuidados necessários sem se alterar, tão habituado estava aos periódicos acidentes. Para mim foi um choque muito grande a primeira vez em que assisti a tal drama. O que me espantou, é que o Sr. Joaquim ( não estou certo do nome ) logo que acabava o ataque de alguns segundos, retomava o trabalho com a maior calma e sossego, até à próxima crise. Viviam numa das casa viradas a Sul. Uma das tais de rica vista. Dali se desfrutava parte da Cidade baixa e a quase totalidade do Estuario do Tejo em todo o seu tranquilo explendor. Pior que, virando as costas à janela a vista tinha pouco de rica. Era uma só divisão onde estava instalada a oficina de gaioleiro. Esta apenas cedia o espaço suficiente para duas camas, uma mesa de cozinha sem cozinha onde se faziam e tomavam as refeições. Uns bancos, e quanto a instalações sanitárias não perguntei nada, até porque... já sabia.
Comecei a interessar-me pelas gaiolas quando visitei umas tias de minha Mãe que habitavam ao lado, sem vista para lado nehum. Tinha os meus onze anos. Fiquei deslumbrado com a genealidade (diria eu agora ) da ferramenta e "maquinaria". As peças de madeira eram iguais à madeira das caixas de charutos, muito macia. Dispenso-me de descrever a forma como as madeiras eram levadas às dimensões padronisadas de secção quadrada. Era apenas com um molde de madeira e uma plaina. Mas o deslumbramento era o "engenho de furar." Numa casa onde a energia era a do petrólio ( e a humana,) esta aliada a muito engenho; uma velha máquina de costura à qual havia sido retirada, justamente a possibilidade de costurar e no local instalada uma "buxa" de torno mecânico à qual se aplicava uma broca feita de vareta de chapéu de chuva. Depois...era só dar ao pedal da máquina de "costura", segurar nas peças de madeira com os dedos e, com extraordinária habilidade encostá-las à broca e sem furar os dedos, furar a madeira. Tudo me fascinava, desde o fazer das argolas com um alicate de pontas redondas e muita habilidade até ao armar daqueles pequenos palácios brilhantes, mais hàbilmente ainda. Depois pôr tudo enfiado num pau, atravassá-lo sobre os ombros e levá-los ao Arameiro na rua dos Mesmos, hoje desaparecida em benefício do largo das Cebolas. Ou ao Arameiro da Praça dos Restauradores. Além de me esgueirar para a Oficina do Mestre AntónioGaioleiro onde ia fazendo as tarefas mais fáceis, fazia questão de o ajudar a levar o produto ao destino. Foi nisto que o meu Pai me apanhou, e com um eloquentíssimo discurso me proibiu de tão estúpida brincadeira (palavras suas). E assim acabou a minha carreira de Gaioleiro que eu adivinhava próspera mas que os Defensores dos Direitos dos Animais não teriam deixado vingar.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Por um Campo Pequeno sem Touradas, livre de sofrimento, de sangue e tortura de animais.

Manifestação
18 Maio
20h00
Campo Pequeno

www.animal.org.pt

2:44 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Há por aí uns passarões a quem a gaiola assentaria muito bem. Talvez, para esses, não seria mal empregue se tivesse aprendido o ofício. Para o bichinhos é que as gaiolas não fazem muita falta. Isto é, penso eu, não sei, o que é que acha?

Um abraço

10:28 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Amigo Jacinto. Seja bwm raparecido. Fez o que a Srª de Fátima ainda não conseguiu.
Antes que dwesapareça novamente, porque não outro cafèsknho. desta vez por minha contaCombine com a Tia Maria. Um braço. João.
a

2:31 da manhã  

Enviar um comentário

<< Home