segunda-feira, abril 10, 2006

da ferocidade do leão...

Da “ferocidade” do Leão
à tontice do domador

Realizava-se em Angola o Filme ...”amicci Perdutti in Àfrica ?” de Ector Scola, para o qual era necessário filmar os intérpretes principais Alberto Sordi e Bernard Blier face a um leão em plena selva. Para tanto, construiu-sum cercado com prumos e traves de ferro tapando tudo com arbustos. Assim se obteve o efeito de lareira mais comprida do que larga, e bastante credível. A um dos extremos foi encostado o carrojaula dos leões do Circo que à data actuava em Luanda. A câmara, com toda a logística foi instalada no extremo oposto a uns bons quinze metros da jaula que, como é obvio, não se encontrava à vista. Os actores avançaram o suficiente para que a câmara os visse de costas. Depois se voltariam, para que a câmara “atestasse” que eram mesmo eles. O domador, cujo nome terminava em “winsky” ou “nevesky” o indiciava como russo, que nos confessou ser turco, e era quase com certeza espanhol, muniu-se do necessário e espectacular chicote, tendo ao alcance da mão uma cadeira. Verificou alarmado, que se tinha esquecido do mais rico adereço de cena: a “pistola” de tão inocentes quão ruidosos disparos. Lembrou-se então, ou alguém por ele, de pedir ao polícia que nos protegia dos curiosos, a pistola de serviço que ele tão gentil como estupidamente se prestou a ceder. Tudo preparado, criado o clima dramático, com os actores a entrarem em campo pelos lados da da câmara, abriram a jaula e o leão saiu calma e pouco majestoso para aquele pedaço de falsa liberdade que ele aliás nunca tinha conhecido. Um pequeno àparte: quem vê um leão no circo e já viu, ou vê mais tarde um Leão no seu ambiente, mal reconhece neles o mesmo animal. É certo que o de circo tem mais juba o que lhe dá uma falsa aparência de majestade. No seu habitat têm menos juba porque as “biçapas” os ramos, etc. não a deixam crescer muito. Mas a maneira como se movem, a forma lenta e tranquila como rodam a cabeça para olhar em volta, não tem comparação com as pobres “imitações” circenses. Ainda sobre o seu andar: dá a impressão que marcham dentro de uma pele autónoma do próprio corpo. Vê-se a pele deslizando sobre os músculos. Têm o orgulho de nunca “fugir”, quando têm de o fazer, só correm depois de terem desaparecido atrás de qualquer coisa que os encubra. Correr: só na nossa direcção. Isso tive a sorte de nunca ter visto! É certo que o elefante, que pelo peso e tamanho se torna imune aos ataques de outros animais, poderá ser o rei da Selva. Todavia, o seu aspecto de criatura triste, resignada com a sua feiura, sempre de nariz no chão, fugindo perante o menor sinal de perigo, até que, muito perseguido...bem, o melhor será estar noutro Continente. Mas o ar de realeza do Leão, não deixa lugar a dúvidas quanto a quem tem “sangue azul” .Voltando às filmagens e à saída do leão da sua prisão perpétua: os actores em primeiro plano de costas. Ao fundo o leão devia estar perplexo com aquilo que pela primeira vez lhe era dado ver. Algo na sua memória biológica lhe terá beliscado a pele, mas ao domador, isso não interessava e ia estalando o chicote, esgrimindo com a cadeira, para manter o leão afastado da saída que era do nosso lado, não fosse ele ter a ideia de escolher a liberdade e ir morrer de fome nalgum recesso do mato, habituado como está, a que lhe metam a “comida na boca” salvo seja. Eufórico o senhor wisginky ou nevsky, desata aos tiros na direcção do leão sem se lembrar que, cada vez que aperta o gatilho, nove milímetros de chumbo são lançados sobre o pobre felino que repentinamente solta um rugido como nunca tinha imaginado poder dar e... foge direitinho à tranquila segurança do cárcere. Deve ter pensado: estes gajos são doidos, que mal terei eu feito? Fomos encontrá-lo a lamber uma pata. O domador dizia mal à sua vida, porque embora a bala tivesse passado milagrosamente por entre os ossos e tendões, atingindo só partes moles da pata, isso poderia provocar alguma febre impedindo a entrada em palco da pobre vedeta. Não me recordo se daquela cena algo se aproveitou. Só tive ocasião de ver o filme alguns anos depois e, tanto quanto me pude lembrar, todos os ambientes pareciam verdadeiros...porque o eram, embora em cinema, muitas vezes suceda o contrário. Bom exemplo disso poderá encontrar-se em “Ribatejo.” como relatei noutra ocasião.