sexta-feira, maio 19, 2006

O "saber" das Raínhas

Como já vem sendo um (mau?) hábito meu, só irei justificar este título, lá mais para o fim, quando o leitor - eventual - já tiver perdido a paciência, mas...paciência: a leitura é um acto voluntário, e eu estou apenas recordando a mocidade que me deixou, aliás. . . há não muito tempo. Em fins dos anos cinquenta do Século XX, teve lugar em Bulawayo na, ao tempo, Rhodézia, uma grande Exposição comemorando o centenário de Sir Cecil Rhodes, a inaugurar pela Raínha Mãe e pela Princesa Margarida. Angola tinha ali um Pavilhão que os Serviços responsáveis de Luanda quiseram “imortalizar” pelo Cinema e mandaram as “Actualidades de Angola,”, filmar a visita das Reais Figuras à nossa Exposição, que ficaria assim Realmente inaugurada, (coisa que esteve em dúvida até ao último minuto). Estava a Raínha a entrar por um lado e os operários a sair pelo outro, arrastando escadotes e ferramentas. Parece que estou a chegar ao repousante fim; não estou, por enquanto estou prestes a embarcar em Luanda, no avião da Comitiva oficial. Levava comigo o material de trabalho indispensável, que pesava cerca de 40 quilos, e o avião ia sobrecarregado pelos muitos passageiros e ainda peças para expor. Por isso quiseram limitar-me aos vinte quilos habituais. O Director dos Serviços dos quais eu dependia veio tentar dissuadir-me de levar tanto peso, e argumentou: “ eu apenas levo uma casaca e um par de cuecas” - “pois, Senhor Director, eu não levo casaca, não poderei entrar em cuecas, e sem o material indispensável não vale apenas lá ir. Tudo acabou em bem, como geralmente (quase) tudo acabava em Angola. E lá fomos. Chegados a Bulawyo e à Exposição, constatou-se com horror que o nosso Pavilhão nem daí a uma semana estaria pronto para a inauguração marcada para daí a três dias. No entanto eu que estava habituado a ver no Cinama Portugês, em que trabalhara nas décadas de trinta e quarenta, a ver dizia eu, a presteza com que, de um dia para o outro os carpinteiros de cena montavam cenários por vezes complicados, alimentei a esperança de que tudo estivesse acabado a tempo e horas. E assim foi. Entretanto teve lugar o cortejo que percorreu toda a area da Exposição, com a Raínha e a Princesa. Não foi fácil filmá-lo devido à eficiente segurança a cargo de uns “inglesões” de chapeu de coco, enfiados nuns fatos muito apertados como os de todos os polícias quando à "paisana." No Pavilhão, alguns trabalhadores continuavam nos acabamentos que só foram dados por findos quando as Reais Senhoras entravam pela porta principal, e os escadotes, resíduos e ferramentas saiam pela porta dos fundos. Preciosa colaboração me foi prestada por estes trabalhadores, sem os quais l não nos teria sido possível levar a tarefa a bom fim. Tinhamos duas lampadas ligadas a corrente, mas que era preciso ligar e desligar ao longo do caminho da comitiva, portanto mudar de fixa para fixa e arrastar um cabo de dez metros sem pertubar a cerimónia. Foi isso que eles fizeram e nunca lhes agradecerei o suficiente. E já lá vão mais de cinquenta anos. Correra bem o ensaio que fizeramos na véspera e melhor correu no próprio dia. Íamos recuando à frente da excelsa figura da Raínha e do radioso sorriso da Princesa Margarida que - com todo o respeito - além de ser muito bonita tinha a pele já reconhecida como a pele dos Windsor. permita-se-me um desabafo com o seu quê de despeito: a Princesa Margarida que mais tarde viria a casar com um fotógrafo; passando mesmo ao lado de um Operador de Cinema, ouso perguntar: "para onde estariam virados nesse dia, aqueles lindos e principescos olhos ?" Nunca o saberei !
Descendo daqueles olhos para as prosaicas lâmpadas eléctricas. Estas e eu com a câmara, íamos recuando mantendo-nos o mais próximo possiível do limite protocolar, sentindo sempre colado a nós a impressionante estatura do polícia com o chapeu de coco discretamente na mão. E aqui chegámos finalmnte àquilo que vou tentar dizer ao fim de oitenta linhas.
Durante a visita as Senhoras tiveram como cicerone o Director de que já acima falei ( este senhor era de origem caboverdiana e, ao que constou isto teria, à posteriori, dado ocasião a uma ligeira crispação diplomática, mas ali não se sentiu nada). Nós, reporteres tinhamoas todo o cuidado em
não nos apriximarmos mais do que o permitido, mas a tentação de obter melhor "boneco" e
no caso do cinema tendo o olho na câmara por muio tempo, perde-se um pouco a noção da distância conveniente. E aqui entra a "Escola" das Raínhas. Elas também não se querem
ver apanhadas em qualquer situação por ventura embaraçosa. Têm por isso os seus "truques" - com perdão da palavra - que o repórter tem de compreender. Assim, a Raínha, porque a Princesa deixava-se onduzir pela Mãe, observava e ouvia com a mais bem acabada simulação de ar atento o que o cicerone lhe mostrava e dizia. Quando achava que devia continuar a marcha, ensaiava um quase passo para a esquerda, (no caso presente) mas ainda se voltava para trás como que a dar uma última "olhadela" (não me ocoirre a plavra própria para testas coroadas) antes de reiniciar a marcha. Como que a dizer ao jornalista: " Ó menino, olha que eu vou ai. Tem lá cuiidado". E e eu compreendi, e tive sempre "cuidado." Pode dizer-se que entre mim e os Windor se criou um elo de compreensão direi, mesmo uma subtil cumplicidade entre a minha modesta casinha e Bakingh Palace. E foi assim até à sala de saída. Pelo lado de fora da porta fora instalado um guarda-vento, e os meus inestimáveis amigois tinham posto uma escada de mão onde eu subi para fazer um plano alto. Feito este e quando as régeas figuras já se encaminhavam para a saída, saltei da escada que desapareceu numa fracção de segundo, e pude filmar a solene saída das Regias Figuras do Pavilhão de Angola. Tudo correu bem no Reino Unido.





1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Vim dar ao seu blogue absolutamente por acaso (não tenho o hábito de visitar blogues) e estou fascinado. Parabéns! - José Eduardo Agualusa -

5:57 da tarde  

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