terça-feira, maio 16, 2006

Ruacaná


Recordados a esta distância, mais de quarenta anos, os maus bocados, riscos, cansaços e noites mal dormidas, têm um sabor a saudade que os transforma em aventura com final feliz. Entre muitos maus bocados, recordo uma viagem que durante as filmagens que nos levaram, a mim e ao meu assistente José António, até ao extremo Sul de Angola. Região fascinante que, ao longo de quase trinta anos, percorri muitas vezez sempre com a sensação de ser aquela a primeira. Trazíamos uma "station" Toyota 2000 onde cabia todo o material de filmagem, além da nossa bagagem pessoal, e tinha força para vencer todos os altos e baixos e lamaçais que eram prato de cada dia, ou cada quilómetro. No episódio que agora relembro, corria a época das chuvas, uma das duas "estações" em que se divide o ano: Cacimbo, época seca, de 15 de Maio a 15 de Setembro, e estação das chvas desta data a 15 de Maio. Vínhamos do Ruacaná onde filmaramos as Quedas e íamos a caminho de Pereira D'Eça (N'Giva) opnde haviam eregido uma estátua ao general do mesmo nome, que se ele a tivesse visto tê-la-ía feito implodir tal era o ridículo de um generalzinho de metro e meio sobre um plinto de dois metros. Era um sábado à tarde e vinhams com pressa de chegar ao nosso destino. Passámos vários charcos de água sem dificuldade. Para isso engrenava-se uma "segunda zangada", isto é, com o carro na máxima velocidade que a 2ª permitia, passava-se sem hesitação. Assim fomos passando vários charcos até encontrarmos um de pouca extensão metido entre uma descida e uma subida bastante íngremes e muito próximas entre si. O chamado "repicão", palavra que não existe em português mas era corrente no jargão de quem se via naquelas situações. Para avaliar a profundidade e saber se passarámos ou...
dormiríamos ali, servimo-nos do "nível de calça arregaçada". E lá foi o O Zé António verificar, e não ficámos muito animados. Mas enfim o carro era muito potente, e nós impotentes para resolver de outro modo a situação. Parecia mais fundo do que seria desejável, mas nada que não se pudesse enfrentar recorrendo à citada 2ª zangada. Assim, fizemos marcha atrás, arranque, 2ª, acelerador a fundo e cá vamos nós. Quando chegámos a meio, o carro patinou, foi-se abaixo e. .o refluxo da onda que leváramos à frente, entrou pelo carro dentro até ao nível dos bancos. Fiquei com os fundilhos de molho. E agora? As perspectivas eram pouco menos que trágicas. Estávamos a muitas dezenas de quilómetros de "qualquer sítio." Era fim de tarde de...Sábado. Iríamos ser pasto dos biliões de mosquitos que já zumbiam à nossa volta .O tubo de escape estava submerso tornando impossível pôr o carro a trabalhar. Sentámo-nos mesmo dentro de água para pensar. Pelo menos teriamos pensamentos frescos. Isto digo eu agora, na altura não estávamos para graças. Porque é que o carro não agarrou na lama e potente como era, subiu a rampa? Fomos verificar : o fundo não era lamacento, era ríjo e coberto por uma fina palícula de lama onde o carro patinou e se foi abaixo. Ficámos a saber o porquê mas não a maneira de sair dali. Não sei quanto tempo se terá passado, mas certamente não muito, quando começámos a ouvir o ruído de um motor. Não era alucinação porque ambos ouvimos o mesmo. Então, por um caminho à nossa direita para lá de uma vedação de arame farpado surge uma camioneta cheia de trabalhadores que regressavam do trabalho e íam a caminho de (?). Eram as últimas almas a passar por ali até segunda feira. O resto foi simples: aqueles homens juntaram forças e puzeram o carro em seco ao cimo da rampa. Estávamos novamente senhores da situação. O carro tinha estado submerso até quase cobrir o motor, mas a onda que refluiu tinha-lhe passado por cima deixando-o completamente encharcado, tudo: velas, carborador, filtros etc. estavam cheios de água. Preparáva-me para limpar velas, carburador, quando o meu assistente me diz:
Ó. sr João tente pôr o carro a trabalhar, pode ser que ele pegue." respondi: " Tu não tems juízo.
como´é que isto trabalha cheio de água lamacenta ?.- E preparava-me para começar com as
limpesas quando o assistente teimoso, insistiu. Para o fazer calar e asseitar o que a minha experiência avalisava, torci chave de ignição e. . . o carro deu sinal. tornei a accionar a chave e
o carro pegou. Creio ter escutado naquela ocasião a mais celestial das músicas que só deiou de se ouvir porque as nossas gargalhadas a cobriram. Daí para a frente não houve estória anão ser a
dormida num péssimo quarto em N'Giva. Mas isso era habktual.