OS RISCOS E...OS "XISTES"
Moçambique, 1951, quando se filmam motivos de caça, não no sentido de "caçar"” mas tão só de mostrar a vida animal – enquanto vida – podem surgir os mais inesperados incidentes, difíceis, perigosos, ou até engraçados. Vou tentar recordar alguns, se a tanto me ajudarem estas três da madrugada sem sono. Estávamos nos Tandos de Marromeu, na Zambézia sob protecção do inexcedível gentleman e caçador que era o Gustave Guê de que já falei noutro passo. Filmávamos búfalos em que aquela região era fértil. Tempo de cacimbo, as terras que o Zambeze inundara meses antes tinham enxugado quase completamente, dando ocasião a que se formasse uma gigantesca planície, (Tando). Rodando o olhar pelos 360% não se via o fim, o que quer dizer que nos encontrávamos no centro de um círculo de quarenta quilómetros de raio, para além do qual a curvatura da Terra não deixa ver mais. Como no Mar que, quando de bordo de um navio se avista na linha do horizonte outra embarcação, começa por se ver a mastreação e, pouco a pouco o casco vai emergindo até completar a imagem. Assimi estávamos nós, uma dezena de criaturas isoladas, como se estivéssemos noutro Planeta. Mas não. Estávamos protegidos por uma bem estruturada logística devida à competência do nosso Amigo Guê ganha ao longo dos seus mais de vinte anos de Moçambique. O nosso objectivo era filmar búfalos, como já disse. Bem avistávamos ao longe grandes manadas, e grandes, naqueles tempos, significavam milhares de animais. Para os alcançar, porém, tornava-se necessário atravessar algumas linhas de pântano, mais ou menos largas. Porém a Natureza de tudo cuida (ou quase), e fez brotar dessa lama os
"papiros" grandes hastes fibrosas e resistentes com um tufo de plumas no topo dos seus quase dois metros. Então, basta ir dobrando à nossa frente alguns papiros para obter uma passadeira suficientemente firme para dar passagem e três ou quatro pessoas. Depois, basta andar mais dois ou três metros para o lado e construir nova ponte. Assim se fez, assim se filmaram os búfalos, conforme relato noutro escrito, e regressamos ao acampamento. Já próximo, topamos uma outra manada a que os pisteiros se lançaram , literalmente à "lançada", única forma de caça que lhes é permitida para prover ao seu sustento. Fiquei paralisado pelo espanto: meia dúzia de homens, sem dúvida destemidos, mas também pressionados pelo instinto de sobrevivência (excelente estimulante da coragem) tendo escolhido como alvo um determinado animal procuravam feri-lo com o maior número de golpes possível. Todo o resto da manada corria desnorteada procurando livrar-se daqueles loucos e, simultaneamente do companheiro ferido, inexoravelmente expulso do "convívio" dos seus.. Ainda e sempre a sobrevivência. São assim as todas as "manadas"). A luta travava-se longe de nós, por isso não nos podemos aperceber do resultado. Algum tempo depois um dos pisteiros veio muito sonso dizer ao Guê que estava um búfalo ferido não longe dali. Nunca um Caçador deixa um animal ferido, pelo perigo que representa para os humanos, como também pelo sofrimento do animal. Seguimos o pisteiro, o Guê para o abater, o meu Camarada e eu para tentar filmar a carga que o Caçador nos garantiu que o búfalo não deixaria de dar. Uma centena de metros adiante, detrás de um morro de"muchem" ( formiga de asa) surgiu o búfalo encarando-nos. Com o caçador entre nós, cada um apoiando-se num joelho, iniciamos a filmagem, esperando a carga que o Guê se encarregaria de parar antes que se esgotassem os trinta ou quarenta metros que nos separavam. Mas as nossas câmaras apenas dispunham de sessenta metros de filme cada, isto é, dois minutos. Víamos o filme e o tempo a esgotar-se, e nada de carga. Alertamos o Guê que nos disse num susurro: "vou dar-lhe um tiro para o espertar". E deu! Deu, e o búfalo caiu redondo. Consternação geral, gastáramos inutilmente grande porção do nosso precioso e caríssimo material em pura perda. Desgostoso, quiçá, envergonhado o Guê em guisa de desculpa, murmurou: "perdoem-me, mas a gente já não sabe atirar para o sítio errado!"
Outro episódio, este perfeitamente grotesco deu-se numa outra ocasião durante uma breve pausa para descanso. Subitamente irrompe pelo meio de nós um iracundo caçador, português, só depois o soubemos, acompanhado por dois pisteiros armados, e que em alta grita se dirige ao perplexo Guê, dizendo: "je vais vou dire, dans la langue de Monsieur Lamartine, que". . . e prossegue a violenta diatribe, sempre em francês gritado, para o Guê que, com mais de vinte anos de Moçambique, talvez o compreendesse melhor em português. Depois esboça um leve cumprimento na nossa direcção e sai, iracundo como entrara. Por nós, para além de sabermos que "ele" sabia que Monsieur Lamartine falava francês, não ficámos a saber mais nada.
1 Comments:
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