O soldado mestiço
Grupo de Artilharia Contra Aeronaves, ( G. A..C A ). Cidadela de Cascais, Janeiro 1938.Na Secretaria desta Unidade trabalhavam dois Tenentes: o Torrado, Barranquenho de origem, com idade de general, mas a cujas Estrelas nunca teria acesso, dada a sua condição de "Tarimbeiro." O Chefe da Secretaria, era o Tenente Anibal Cipião Formosinho e Silva, (Silva Reis). Tinha sempre um ar carrancudo, sem um sorriso a iluminar-lhe o rosto trigueiro e preocupado. Talvez temesse outra Guerra Púnica entre os seus nome e sobrenome. Neste caso uma Guerra intestina
em que ele próprio seria um Novo Cartago . ( na verdade há. Padrinhos...Realmente!!!) A sua alcunha já vinha de anteriores incorporações: "Quinas-Quinas", termo antecipando possíveis castigos, e que o Tenente Silva Reis usava, acompanhado de ameaçador abanar da cabeça. Na verdade, nunca o vi participar de alguém, e pessoalmente sempre me deu o tratamento formal de Oficial para Cabo., sem arrogância,, e nem mesmo um certo desdém notável num ou outro oficial, e até...em sargentos. Além dos Oficiais havia o Furiel Chambel (que mais tarde encontrei
Tenente na Guerra de Angola) e um cabo amanuense. E a que vem este longo exórdio? Apenas para localizar a acção e o ambiente, na altura em que os mancebos apurados iam chegando, munidos das respectivas Guias de Marcha. Recebidos, era-lhes atribuído um número. A partir deste momento, eram Soldados Recrutas. Naquele Ano, entre os voluntários apresentou-se um rapaz Mestiço que foi objecto da mesma rotina de sempre, e tornou-se Soldado Recruta tal como os conscritos. Algum tempo depois, ainda no decorrer da Recruta chegou à Secretaria um Ofício do Governo Militar a mandar licenciar o recruta em causa. Como é óbvio, não tive acesso ao Documento que era confidencial, mas foi como se o tivesse lido porque foi tal a surpresa e até uma contida indignação, que os Oficiais vinham à Secretaria falar com os seus camaradas sobre o assunto e, assim um Documento que era suposto ser secreto, tornou-se de domínio público. O moço era impedido de seguir a carreira militar, por ser de Cor. Inesperadamente, entra pela Secretaria dentro o Tenente Silva, há pouco tempo na Unidade. Trazia com ele dois recrutas: o descriminado e um outro. Aponta os dois, e em tom exaltado pergunta ao seu Camarada: “Vejam lá qual destes dois é que é preto?” Realmente um, mestiço claro, exibia feições Caucasianas, enquanto que o outro, sem dúvida de raça branca, a julgar pela cor, apresentava os traços negroides de um legítimo africano. Claro que não houve nada a fazer. Tropa é Tropa, ordens não se discutem , e o rapaz foi-se embora.
Um ano antes, 1937, o Comandante da recruta era o Tenente Andrade, alto, forte, porte atlético nos seus quarenta e tantos anos. Na altura dos factos narrados, continuava no Grupo Contra Aeronaves, exibindo , certamente com orgulho, a sua cor que inculcava a sua origem Caboverdeana. Porém, o moço mestiço, com o mesmo tom de pele e, talvez com as mesmas origens, foi expulso da mesma Unidade, do mesmo Exército. Sabe-se lá quanta mágoa, quanta revolta não guardaria no seu Coração para toda a Vida. Mas Tropa é Tropa. E de racismo "nunca se ouviu falar" em Portugal.
E quando em Angola, nos anos sessenta, a propaganda oficial apregoava aos quatro ventos o Portugal Multirracial, Quando se distribuíam Bilhetes de Identidade que as Autoridades não respeitavam. Quem, tenha vivido em Angola não pode esquecer-se da frase chocarreira:
"São voluntários da corda." Mas não se tratava troça, mas de verdadeiras cordas, ligando uma fila de mulheres e crianças levando à cabeça "quindas" com pedaços de morro de "salalé" *
para arranjar estradas. Não posso deixar de recordar o ano longínquo de 1938, e o
Soldado Mestiço.
em que ele próprio seria um Novo Cartago . ( na verdade há. Padrinhos...Realmente!!!) A sua alcunha já vinha de anteriores incorporações: "Quinas-Quinas", termo antecipando possíveis castigos, e que o Tenente Silva Reis usava, acompanhado de ameaçador abanar da cabeça. Na verdade, nunca o vi participar de alguém, e pessoalmente sempre me deu o tratamento formal de Oficial para Cabo., sem arrogância,, e nem mesmo um certo desdém notável num ou outro oficial, e até...em sargentos. Além dos Oficiais havia o Furiel Chambel (que mais tarde encontrei
Tenente na Guerra de Angola) e um cabo amanuense. E a que vem este longo exórdio? Apenas para localizar a acção e o ambiente, na altura em que os mancebos apurados iam chegando, munidos das respectivas Guias de Marcha. Recebidos, era-lhes atribuído um número. A partir deste momento, eram Soldados Recrutas. Naquele Ano, entre os voluntários apresentou-se um rapaz Mestiço que foi objecto da mesma rotina de sempre, e tornou-se Soldado Recruta tal como os conscritos. Algum tempo depois, ainda no decorrer da Recruta chegou à Secretaria um Ofício do Governo Militar a mandar licenciar o recruta em causa. Como é óbvio, não tive acesso ao Documento que era confidencial, mas foi como se o tivesse lido porque foi tal a surpresa e até uma contida indignação, que os Oficiais vinham à Secretaria falar com os seus camaradas sobre o assunto e, assim um Documento que era suposto ser secreto, tornou-se de domínio público. O moço era impedido de seguir a carreira militar, por ser de Cor. Inesperadamente, entra pela Secretaria dentro o Tenente Silva, há pouco tempo na Unidade. Trazia com ele dois recrutas: o descriminado e um outro. Aponta os dois, e em tom exaltado pergunta ao seu Camarada: “Vejam lá qual destes dois é que é preto?” Realmente um, mestiço claro, exibia feições Caucasianas, enquanto que o outro, sem dúvida de raça branca, a julgar pela cor, apresentava os traços negroides de um legítimo africano. Claro que não houve nada a fazer. Tropa é Tropa, ordens não se discutem , e o rapaz foi-se embora.
Um ano antes, 1937, o Comandante da recruta era o Tenente Andrade, alto, forte, porte atlético nos seus quarenta e tantos anos. Na altura dos factos narrados, continuava no Grupo Contra Aeronaves, exibindo , certamente com orgulho, a sua cor que inculcava a sua origem Caboverdeana. Porém, o moço mestiço, com o mesmo tom de pele e, talvez com as mesmas origens, foi expulso da mesma Unidade, do mesmo Exército. Sabe-se lá quanta mágoa, quanta revolta não guardaria no seu Coração para toda a Vida. Mas Tropa é Tropa. E de racismo "nunca se ouviu falar" em Portugal.
E quando em Angola, nos anos sessenta, a propaganda oficial apregoava aos quatro ventos o Portugal Multirracial, Quando se distribuíam Bilhetes de Identidade que as Autoridades não respeitavam. Quem, tenha vivido em Angola não pode esquecer-se da frase chocarreira:
"São voluntários da corda." Mas não se tratava troça, mas de verdadeiras cordas, ligando uma fila de mulheres e crianças levando à cabeça "quindas" com pedaços de morro de "salalé" *
para arranjar estradas. Não posso deixar de recordar o ano longínquo de 1938, e o
Soldado Mestiço.
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