sábado, maio 12, 2007

BEATRIZ

Era como se a conhecesse, de tanto ouvir falar nela. Os pais eram meus companheiros de trabalho e, para além disso, grandes Amigos. Falavam nela, e eu habituara-me a perguntar pela Beatriz e mandar beijinhos. Mas, na realidade, só a “conhecia” pelas fotografias feitas pelos pais, e que eles achavam óptimas, como todos os pais acham as do”seu Bebé”mesmo desfocadas, tremidas e com o Bebé ainda de olhos fechados Deixá-lo. Vêem-no com os olhos do coração que ainda são os mais fiéis.
.Mas a Beatriz tinha de ser bonita ( Mendel dixit ). Alguns anos
passaram até que viesse a conhecer pessoalmente a Beatriz, de quem ia tendo notícias através dos pais, como já disse, meus companheiros de trabalho. Só vim a conhece-la já à beira dos quatro anos, numa festa de aniversário. Uma vintena de pessoas crescidas, e uma “multidão de três” crianças de cinco e seis anos: duas primas e um primo, Todos bem à vontade com os “grandes” de que eram filhos , sobrinhos primos, netos e bisnetos... Todos na “terrível idade” dos seis/sete anos. Portaram-se todos muito bem, correram, saltaram fizeram barulho, enfim deram alegria – e preocupações . E isso trouxe-me à memória um poema, já me não recordo de quem: “Uma criança que salta,
que canta, que ri, que chora,
é uma risonha Aurora,
que o coração nos exalta.
Triste daquele a quem falta
na vida que se evapora,
uma criança que salta,
que canta, que ri, que chora,!”
E a Beatriz chegou. Vinha de cabecita baixa com um chapelinho que lhe encobria o rosto a quem a olhava “cá decima”. A mãe diz, vaidosa: “vai fazer quatro anos”, e a Beatriz estendeu-me três deditos empertigados,
ao mesmo tempo que levantava os olhos, sorridentes, para mim.
Eram uns olhos claros, grandes que olhavam de frente para os meus, de que se não desviaram. Olhar inteligente num rosto calmo, respirando saúde e felicidade.
Uma sensação estranha, entre doçura e melancolia me assaltou enquanto a Beatriz se afastava para entrar na brincadeira com os outros novos companheiros.. Para alternar com a actividade lúdica , tinha a anfitriã preparado uns livros com um desenho colorido e outro só em traço para ser preenchido com cores iguais às do modelo. Das três garotas na mesa, ( o rapaz optara por actividades mais de acordo com a sua qualidade de macho) era a Beatriz a mais nova, mas mostrou ter uma notável sensibilidade às cores, chamando a atenção das companheiras para a cor certa a aplicar.
Não sei explicar o que se passava naquele pequeno coração, nem o que a poderia ter levado a, ao meio tarde, depositar-me na palma da mão, uma florzinha amarela. Só a corola, tudo o que os seus pequeninos dedos tinham podido colher.
Fiquei surpreendido e comovido, mas ainda mais surpreendido fiquei, quando pouco antes de se ir embora com os pais, se aproximou novamente de mim trazendo na mão meia dúzia de minúsculas flores vermelhas que, entre outras, crescem no meio da relva.
Enquanto os pais se despediam, mais uma vez me comovi perante aquele rosto calmo iluminado pelo brilho de uns olhos que me enfrentavam directamente sem se desviar dos meus.
Lembrei-me da minha filha mais velha naquela mesma idade.
Teria feito setenta anos quatro dias antes.

1 Comments:

Blogger Erecteu said...

Comovente e belo.

7:00 da tarde  

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