terça-feira, janeiro 02, 2007

O VETERINÁRIO VOADOR

Estou escrevendo esta pequena estória com cinquenta e quatro anos de atraso, e com toda a urgência, porque só agora me recordei do nome do protagonista e não quero esquecê -lo de novo porque, receio bem não ter possibilidade de cumprir outro ciclo de meio Século. Portanto aqui vai o nome do protagonista: Dr.Castro Amaro,veterinário ao tempo, 1952,Director da Estação Zootécnica de BOANE (?) a Sudoeste de Maputo, então ainda Lourenço Marques.Por isso receio que o nome da Estação já não seja Boane,ou que até eu próprio lhe tenha trocado o nome. Mas com este ou com outro,nome existia, era "naquele sítio". E agora vamos à estória antes que me esqueça outra vez. O Produtor de Cinema Felipe Solmes para quem eu trabalhava em Angola, tinha contratado com o Governo de Moçambique, a realização de um documentário sobre Pecuária. Com o operador residente Alfredo Gomes, ocupado com outros trabalhos, chamou-me de Luanda para filmar,entre outros, este documentário. Corremos, uma grande parte do território e viemos acabar na estação de Boane. Registámos os aspectos mais relevantes daquela actividade. A Estação estava situada numa planície, sem qualquer elevação de terreno de onde se pudesse dar uma visão de conjunto.. Mas havia uma coisa que eu procurava não ver. Mas o Solms viu,e como era completamente louco logo me chamou a atenção: “Olha dali decima pode fazer-se um plano de conjunto sensacional" O "ali de cima" era uma torre de água altíssima,vinte metros ou coisa parecida, à qual se subia por uma escada de ferro cravada da superfície dos pilares, e sem nenhuma espécie de protecção, corrimão, etc. Teria de subir-se agarrando e largando:..., agarrando e largando, os degraus. Nada que não tivesse feito já, mas aquela altura era impressionante. E aqui cabe uma reflexão: que diferença faz aopobre escalador caír de vinte ou de dez metros?. A diferença é só psicológica. Mas neste caso havia um problema a considerar: se fosse uma reportagem em que se trabalha quase sempre com a câmara na mão, não haveria grande problema. Mas um Documentário reclama outros cuidados,e usa-se muitas vezes um tripé.. Punha-se pois a questão . Subir com a càmara a tira-colo,(seis quilos)até aqui está bem. Depois a bateria que neste caso eram duas baterias de moto ligadas,e levadas também a tira-colo. Restava o tripé ,que além do peso, também a forma tornavam difícil o transporte. Claro que eu teria de levar comigo a câmara; sem problema, porque iria nas minha costas. O Solms disse que levava a bateria. mas mesmo assim ficava o mais difícil o tripé. Foi aí que o Dr. Castro Amaro apresentou a "sua" solução: "Eu levo tripé".Pus logo uma objecção: " não há forma de o transportar sem ocupar uma das mãos. Depois como se poderá subir esta escada"? E o Dr, ,juntando o gesto à palavra, agarra-o com a mão direita,e diz-me: "não tenha receio, eu fui "volante" do grupo de vòos à Leotard do Lisboa Ginásio". Este Grupo era o número sensação dos Saraus de Ginástica que o Lisboa Ginásio, todos os anos apresentava no Coliseu dos Recreios, e que eu nunca deixava de ver. De qualquer maneira,seria uma loucura. Argumentei: "mas dr., aqui não há trapézio onde esteja o seu base para lhe dar as mãos, e cá em baixo, a rede mais próxima é dos pescadores a vários quilómetros daqui". Palavras judiciosas que caíram em saco roto- (como aliás é corrente suceder às palavras sensatas ). E pronto,lá fomos, o Solms e eu com as duas mãos livres, que nos pareciam poucas para o momento. Por fim o Dr Castro Amaro são e escorreito, com o tripé que não tinha deixado cair como eu temia que acontecesse. Porque ele, a cada degrau tinha de soltar a mão esquerda para ir agarrar o degrau seguinte, ficando completamente solto durante uma fracção de segundo,e,,,só uma! enquanto põe o pé no degrau seguinte.E asim, durante quase uma centena de degraus...com igual número de "pega e larga", até vencer os vinte metros. No cimo da Torre o vento era tal que quase nos impossibilitou o trabalho. Valeram as quatro mãos dos meus acompanhantes para fixar o tripé. Não foi possível fazer uma panorâmica como seria indicado. Em substituição foram feitos vários planos cobrindo a área que mais interessava. Agora, descer. Ao contrário do que acontece na Vida,nestes casos descer é mais difícil que subir.Primeiro tem de voltar-se as costas para o abismo, depois, precariamente agarrado a um apoio na superfície da placa,tactear com um pé sobre o vazio até encontrar o primeiro degrau.Depois ir descendo e retomando a calma à medida que nos aproximamos do abençoado solo.O mais calmo de nós três era o Dr. Castro Amaro, pudera... já ´cá estava em baixo à mais tempo. E embora reconhecendo a sua coragem e destemor, não deixei de assinalar a minha opinião; tinha sido uma teneridade. Tivesse sido eu o chefe de equipe e o dr. não teria subido com o tripé.
Lembro-me agora que o realizador Jorge Brun do Canto com quem fiz quatro filmes, era especialista em escolher locais diabólicos para filmar. Recordo que no "João Ratão" (1939) cujos exteriores foram feitos no Vale do Vouga, o Jorge desaparecia da nossa vista e pouco depois ouvíamos um grito vindo lá de longe: “Máquina aquiiii!!! “ e via-mo-lo encarrapitado no píncaro mais incrível, quase inacessível mas de onde se poderia obter um plano de muita beleza. Nestas circunstâncias qual o operador que .se recusaria a subir a um local onde o Realizador já estava a dar o exemplo.?... por vezes de loucura.

1 Comments:

Blogger jpt said...

ainda se chama Boane
foi um agrado conhecer este blog, sussurrado por um fotografo residindo em Maputo

7:19 da manhã  

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