terça-feira, setembro 11, 2007

ALMOÇOS

ALMOÇOS”

Visita Presidencial de Craveiro Lopes

1954

Já em escritos anteriores, fiz referencia à viagem do Presidente Craveiro Lopes, a Angola

Foram trinta e seis dias cansativos mas cheios de “casos e peripécias” dignos de serem recordados agora, a cinquenta e três anos de distância.

Este título “Almoços” pode dar a ideia de que teríamos passado a vida à mesa.

De facto, trinta e seis dias, implicariam 36 almoços. O que é quase verdade, mas o certo é que viagens houve em que o almoço foi substituído por longas e penosas horas de carro…e de “fome”..

Os almoços servidos nos “Grande Centros” não deixaram história, eram todos iguais, mais ou menos protocolares, os mesmos salamaleques , a mesma hipocrisia

. Nas pequenas terras do interior, nessas sim, os almoços têm história.

. Muitos deles, separados uns dos outros por centenas de quilómetros, ou por vários dias, apresentavam-nos, com toda a gentileza aliás, uma ementa igual à da véspera: - croquetes , pastéis de bacalhau, de massa tenra carnes frias, frango assado queijo, um, ou mais doces, enfim tudo o requerido por um “almoço volante”

Quanto a bebidas, sumos de frutos para o Presidente. Algumas garrafas de água mineral e, cerveja em abundância., e era com, ela que os convivas matavam a sede., daí a escassez de água propriamente dita

Acabado o almoço, ouvidos os mesmos discursos do anterior, partamos ao encontro dos seus irmãos gémeos.

A comitiva era grande, e acrescida da gente da terra, não havia sala que a abrigasse.

Era então que se dava verdadeiro valor à generosa Natureza .Aproveitando a sombra de uma frondosa árvore , improvisavam um verdadeiro banquete de rissóis, pasteis de bacalhau, massa tenra, frango

e…cerveja, Nada que não tivéssemos degustado já por mais de uma vez.

As Senhoras – mulheres dos “forças vivas”locais que se tinham dedicado talvez toda a noite à culinária, multiplicavam - se agora na

disposição da comprida ,mesa onde um “Almoço Volante” esperaria por Sua Excelência e acompanhantes que deveriam chegar à hora protocolar

Deveriam, mas milagre seria se o protocolo se cumprisse.

Prudentes e ingénuas as pobres Senhoras, na previsão de que o Presidente chegasse mais cedo do que o esperado, providenciaram para que tudo estivesse pronto com antecedência .

Assim, tudo foi armado à sombra de uma frondosa árvore onde uma

enorme mesa coberta de iguarias: rissóis,. pasteis de massa tenra, de

bacalhau, carnes frias, frango assado, doces vários, frutos e…cerveja.

Tudo teria oferecido um atraente e delicioso espectáculo…DUAS HORAS antes.

Porém a comitiva, como sempre, atrasou-se e a sombra fresca e

protectora, da frondosa árvore, foi fugindo indiferente ao sofrimento das chorosas Senhoras.

Tudo estava ressequido, rijo, e até a cerveja estava morna quando chegámos e as chorosas Senhoras nos encheram de pedidos de desculpas

Mas a fome que trazíamos acabou por nos levar a fazer as honras à

Cerveja morna e aos pasteis secos que de certa maneira ajudaram a secar os lacrimosos olhos femininos

Quanto a bebidas, para além dos sumos para o Presidente (julgo que trazidos pelo Mordomo da Presidência), e de algumas garrafas de água mineral, em matéria hídrica apenas cerveja , Tinham cuidado pouco

da água propriamente dita.

Para mim, esta falta foi dramática., Como repórter cinematográfico,

transportando uma câmara que àquela hora já pesava bem mais do que os seis quilos originais, não podia, como aliás todos os meus camaradas da Imagem, não podíamos comer muito para nos podermos movimentar com facilidade . No meu caso estava fora de questão qualquer bebida alcoólica durante o trabalho, a bem da firmeza de mãos…e da câmara., por isso

não bebia, e não comia para não ter sede.

Era a segunda vez que me deslocava a Cazombo, onde estivera a filmar a Leprosaria.

Nesta altura o meu desespero era grande, e mal pude dar por finda a

reportagem, larguei a correr estrada abaixo a caminho do avião que estava longe mas onde havia água fresca.

Quando atravessava a Povoação onde tudo estava fechado, reparei

numa casa com a porta semiaberta, e de onde vinha um som de festa. Não pensei duas vezes. Empurrei a porta e entrei .

Era uma loja, e lá ao fundo, para lá do balcão, uma mesa com comida e

gente ruidosa em volta..

--“ Boa tarde, por favor dêem-me um copo de água, estou morto de sede”

-- Olá, então por cá outra vez ?”

Reconhecera-me pela Câmara , certamente..

Levantara-se um homem, que veio cumprimentar-me

Com uns restos de humidade que ainda conservava na boca, consegui articular: “ por favor, um copinho de água”

“ Qual água! Qual nada!”, o Amigo vai é beber uma cervejinha aqui com a gente”

“ Não. Não. Por favor, prefiro água “

Mas aquela gentileza de pessoa, virou-se encaminhando-se

para a geleira repetindo: “qual água, uma cervejinha é que é”

E eu, ,junto ao balcão, com a voz suplicante de um ser perdido no Deserto: “´Água,! Por favor Água”!

Então, vendo que o homem não desistia. Já abria a.geleira, virei as costas, saí porta fora e corri desesperadamente até ao avião que ficava

Longe, ma tinha água fresca –

Mais tarde, já “após água”, pus-me a pensar nos comentários que o

homem -que tão gentil quisera ser, teria feito sobre a minha inexplicável grosseria..

Por mim,.penso que a minha pobre Mãe, se os tivesse ouvido, não teria gostado.

Os deuses protegeram-me .

Nunca mais tive de ir a Cazombo.