segunda-feira, setembro 24, 2007

O ÓDIO

O “ ÓDIO “

Princípio da década de 50, do Século passado

Filmava em Documentário sobre as Missões Católicas em Angola, e na ocasião os trabalhos incidiam principalmente nas Missões do Planalto Central, onde se localizava a maior parte daquelas Missões, o que se compreende , dada a amenidade do Clima, e a grande concentração de povos..

Levava comigo uma espécie de “caderno de encargos” onde eram apontados os locais, e neles os aspectos de maior interesse, na opinião da Igreja; nem sempre coincidente com a minha e até com a realidade.

Fiel ao meu “ mau costume” de me desviar do caminho traçado, para ir dar uma voltinha, vou meter aqui um episódio que bem ilustra o que atrás digo sobre a realidade.

. Depois voltarei ao “caminho do “´Ódio”

Uma das maiores Missões Católicas de Angola, se não a ,maior., é a da Huíla a poucos quilómetros do Lubango (Sá da Bandeira)

Foi nesta Missão que viveu muitos anos o Padre Carlos Esterman que eu conheci já velho, uma figura impressionante de grande barba branca.

Escreveu um dicionário Português Qimbundo e uma obra (“Monumenta”) de que toda a gente falava nos anos cinquenta em :Luanda, mas que, creio, poucos terão lido.

Foi esta Missão que me foi indicada como um exemplo a incluir com relevo no Documentário

Funcionavam neste enorme edifício oficinas onde crianças da região aprenderiam várias profissões: sapateiros, alfaiates, tipógrafos, etc.

Fiquei radiante com a possibilidade de incluir imagens expressivas e humanas na monotonia das igrejas, monumentos etc.

rFoi porem, uma desilusão..

Onde esperava encontrar crianças aprendendo profissões em que se apoiariam quando se fizessem adultos, encontrei adultos já feitos em plena laboração num “complexo industrial”, desde sapataria passando pela confecção de roupas até à tipografia.

Foi nesta última, que tive ocasião de ver livros de facturas, recibos, etc. de firmas da Cidade de Sá da Bandeira.

Mas logo tive a explicação; dada alias com toda a simplicidade por um dos frades:. “sabe nós não recebemos do Estado qualquer auxílio, por isso temos de recorrer a estes trabalhos para manter a Missão. E como trabalhamos mais em conta, os comerciantes preferem-nos”

E pronto, retomemos o caminho do Ódio-.

Como disse mais cima tinham-me dado um, “caderno de encargos” onde se especificava o que deveria ser filmado, e até com um pequeno argumento

Contrariamente ao habitual em que trabalhava sozinho, trouxe comigo um colega de trabalho, Lemos Pereira, do sector administrativo e logístico do Productor.

De entre as indicações recebidas destaco a reconstituição dos ataques que algumas Missões sofreram no princípio do Século XX., com espancamento de missionários e incêndio de Missões.

A dada altura perdemos um pouco o controle dos “figurantes”, e acabámos incendiando a casa mortuária da Missão.

Não posso deixcar de acentuar que se conseguiram muito boas imagens, e no aspecto fotográfico, aquele foi. de entre os muitos que filmei, o que mais me satisfez..

No “assalto” à Missão houve que fazer vários planos de um grupo numeroso de homens que a um sinal do meu colega, se levantavam subitamente do capim em que se escondiam, empunhando catanas e em grande gritaria corriam em direcção à câmara que ultrapassavam..

Mas para os “actores” tudo aquilo era uma brincadeira, um divertimento e vinham a rir-se como uns perdidos.

Então, o Lemos Pereira lembrando-se dos filmes em que trabalhara em Lisboa,, reúne o grupo e diz-lhes com a maior convicção deste Mundo

“ VOCÊS TÊM UMA REACÇÃO DE ODIO!”

Alguém que venha a ler isto, dirá certamente.”que grande aldrabice, quem é que se atreveria a brincar com coisas que se revelariam tão sérias.?!”
Mas estávamos no princípio dos anos cinquenta do Século passado..
No entanto não deixa de haver razão para a. reserva manifestada.

O Documentário foi recebido pelo Governo Geral, foi pago mas nunca viu a luz de uma cabine de projecção