segunda-feira, outubro 08, 2007

HOTEL COELHO

…deveria ter escrito o Coelho do Hotel, ou simplesmente, o Senhor Coelho visto ser ele o motivo deste escrito
... Foi no princípio da década de 50, depois de muito ter ouvido falar dele, que vim a conhecer pessoalmente o Sr. Coelho e o seu Hotel, na primeira vez das dezenas que, ao longo de trinta anos visitei Nova Lisboa, uma bela e luminosa cidade do Planalto Central. E escrevi “visitei”, a pesar de sempre ali ter ido em trabalho.
Ali granjeei um bom número de Amigos incluindo o Sr. Coelho do Hotel. e ali, prosaicamente enchia o peito de ar puro e fresco, tão diferente do húmido e pegajoso que se respirava, e transpirava, em Luanda.
Como não podia deixar de acontecer, vou deixar o rumo traçado e meter-me por um atalho (desta vez pequeno, espero).
. Gosto muito de pastéis de nata, Belém, se for possível, aprecio neles,.sobretudo o folhado estaladiço como o dos de Sá da Bandeira e Nova Lisboa, ao contrário da “açorda” envolvente da nata dos pastéis de Luanda. E é a propósito do diferendo, secos v.s húmidos que vou contar o que presenciei num restaurante da Capital. Um cliente protestava indignado porque o sal não saía do saleiro. “ …mas que serviço é este,? Vocês não têm um saleiro decente que deixe sair o sal?. A próxima vez que for a Nova Lisboa, trago-vos meia dúzia,”
E pronto, estou de novo no bom rumo.
Que me perdoe o já então o meu Amigo Coelho.
O seu Hotel era modesto mas impecavelmente limpo e cómodo já que fora construído de raiz junto de outros edifícios de fachadas simples, sem nada que o distinguisse dos seus vizinho a não ser as letras pintadas na fachada: “HOTEL COELHO” .
Ficava no centro da cidade baixa, a duzentos metros da Estação do Caminho de Ferro de Benguela.
Quando o conheci era o Coelho pessoa para os seus cinquenta e tantos anos muito activos. Percorria os corredores do hotel sempre num passo estugado embora claudicasse um pouco.
Tinha vivido alguns anos no Brasil e de lá trouxera o gosto e a habilidade de fazer um café à moda carioca. Fazia questão de, à hora do almoço, trazer os apetrechos próprios para a sala e aí preparar um óptimo café de saco que fazia questão em ser ele em pessoa em servi-lo de mesa em mesa a cada cliente e com a satisfação de ver e ouvir os hóspedes a saborear e elogiar a excelência da bebida.
Conversava muito com cada um, inquirindo sempre se tudo estava a seu gosto.
Foi ele que me “receitou”os primeiros óculos que, aos trinta e sete
anos comecei a usar. Foi assim: eu estava sentado num recanto de uma sala a ler um livro quando ele, passando pelo corredor naquele seu passo diligente e claudicante, me disse mesmo sem parar:
“ a ler a essa distância está a precisar muito de óculos.”
Abençoado conselho que segui logo que o oftalmologista alemão, fez a sua habitual “tournée” anual a Luanda, onde ainda não havia tal especialidade..
Durante vários anos e frequentes passagens pelo Huambo, sempre fiquei no Hotel Coelho onde chegava muitas vezes altas horas da noite com centenas de quilómetros de carro pelas incríveis “estradas” de Angola dos anos 50/60. e sempre havia um quarto que não se alugava durante o dia para socorrer um eventual notívago., e era ele próprio que à chamada do guarda, se levantava e nos vinha abrir o quarto-
A vida correu de feição, da feição que com muito trabalho.
ele conseguiu dar-lhe.
Até que cansado, velho e saudoso da sua aldeia natal, resolveu deixar o hotel para os seus filhos e regressar à Metrópole.
Já com, passagem marcada resolveu ir ao Lobito tratar do embarque por via marítima de alguma bagagem mais pesada.
Pegou na carrinha e acompanhado da mulher meteu-se a caminho do litoral e por lá esteve uns dias.
Entretanto um amigo dele veio do Lobito a Nova Lisboa e perguntou no hotel pelo Coelho.
Responde-lhe o filho dizendo que o pai estava justamente no
Lobito-
“Não, Os teus pais saíram de lá há dois dias.”
Logo se pensou o pior: acidente não era provável visto que os trezentos quilómetros de estrada trazem directamente do Lobito ao Huambo, e alguém os teria forçosamente encontrado e
socorrido.
Partiram, cheios de preocupação e rogando que a providência
lhes permitisse chegar a tempo
O que pensaram foi que o Amigo com quase nenhuma prática de conduzir pelas estradas mal traçadas e pior tratadas daquela época,
tivesse tomado por alguma das inúmeras picadas que os camions de transporte de lenha para as locomotivas do CFB abriam aqui e além
naquele longo.
Valendo-se da experiência obtida em numerosas viagens já feitas, o amigo foi seguindo o rodado dos carros pesados, até encontrar o rasto da carrinha que entrara de facto numa picada, e logo a poucos quilómetros encontraram o carro enterrado na areia, com a senhora muito debilitada com fome e sede. (chegara a tirar, e a beber, a água ferrugenta do radiador com o auxílio de um lenço).
Disse que o marido quando o carro se enterrou e deu pelo engano fora em busca de uma sanzala e de gente que desenterrasse a
Carrinha
Ele não sabia que aquela região é dos “Mukuísses”, povo muito arredio e escasso quase sem habitações fixas
O meu infeliz a migo tomou a decisão errada e fatal, em, vez de voltar para trás, refazendo o caminho ´percorrido e esperar à beira da estrada pela passagem de qualquer carro que o socorresse.
Este foi um erro trágico, foram encontrá-lo, não longe da carrinha sentado debaixo de uma árvore.
Já sem vida
Ataque cardíaco, soube-se depois. Dera certamente pelo fim, pois que não caíra,.
A Angola generosa e fascinante de alguns dos meus escritos, é também ciosa daqueles que, algum dia, a amaram como Filhos e ela como Mãe quer abrigar na terra quente do seu seio,
Para sempre.