terça-feira, janeiro 24, 2006

7FANTASMAS
Tal como com os milagres também não acredito em fantasmas...mas, o melhor é eu contar a estória que foi assim: ao longo de vários anos de trabalho na Tobis e na Lisboa Filme tive um grande Amigo, Joaquim Santos que era o Chefe Electricista e Iluminador e que sempre deu grande apoio aos Operadores. Pois o Santos que era bastante mais velho do que eu tinha um filho o Mário com cerca de dezoito anos, e que estava tuberculoso. O moço ia muitas vezes ao Estúdio e tinha sempre uma disposição risonha e brincalhona. Eu tinha na altura vinte e seis anos –isto passava-se em 1942- e nessa época a diferença de idades era muito respeitada e fazia do Mário uma quase criança e de mim, sem dúvida nenhuma um adulto, aliás já casado e com filhos. Mas tinha uma boa relação com o moço, e gracejávamos muito um com o outro . Quando nos encontrávamos ele dizia risonho com uma voz de adolescente, meio trocista:"“Bom dia Senhor João Silva! – Boa noite Senhor João Silva!" E assim foi sendo até que o inevitável aconteceu e o Mário deixou-nos.
Como já disse isto passava-se em 1942. Tínhamos acabado as filmagens de "Fátima Terra de Fé"e eu que tinha assumido as funções de assistente de montagem do Jorge Brun do Canto, - que na ocasião estava doente. - ficava até tarde no Laboratório da Lisboa Filme onde àquela hora além do velho guarda só estava eu a preparar as bandas de mistura para a gravação da cópia final. Era época de restrições por causa da guerra, era difícil arranjar transportes eportanto tinha de sair a tempo de apanhar o último eléctrico do Lumiar para o Arco do Cego; ali apanhar o último para Santo Amaro, apear-me no Terreiro do Paço e ir a pé para casa, junto a St. Apolónia. Por isso saía do Laboratório pela meia noite, passava por um local muito escuro sob um renque de árvores antes de chegar à Alameda das Linhas de Torres onde passava o carro. Ora numa daquelas noites, ainda com a morte do meu Amigo na minha lembrança, vejo à minha frente, no escuro, uma figura em tudo igual à do Mário que ao mesmo tempo que me dizia com voz de adolescente: "Boa noite Senhor João Silva", passava por mim. Eu estaquei! - acho mesmo que não me poderia mexer. A "figura" parou também e eu, não sei como, voltei-me para trás e tive a "coragem" de meter a cabeça debaixo do chapéu e... não era o Mário, como é óbvio ( HOJE! ) Agora a explicação: era o Manuel Barão assistente de som e, filho do Sr.Barão que era o Fiel do Estúdio e morava mesmo dentro da Quinta. Eu sempre o tinha visto de fato macaco. Naquela noite ele tinha ido ver a namorada ao Lumiar, por isso se vestira a preceito. A juventude dessa época não se vestia como a de hoje em que cada um veste como quer isto é, cada um pior do que o outro. Naquele tempo todos (os que podiam) usavam casacos ou sobretudos, como era o caso, com os ombros muito direitos chapéu amolgado em cima com a aba descida sobre os olhos Tudo isto aliado à lembrança recente da morte do Mário me levou àquela ilusão. Mas agora vamos imaginar que eu não tinha tido a "coragem" –(porque eu estava gelado) de parar, olhar para trás e meter a cabeça debaixo da aba do chapéu. Porque eu não fiz isso raciocinando. Foi tudo muito rápido e instintivo. Talvez sentisse que o Mário tinha sido meu Amigo e nada de mal me aconteceria. Mas voltando à "coragem" se eu a não tivesse tido e seguisse o meu caminho, O que é que eu diria hoje quando ouvisse alguém dizer: "eu não acredito em fantasmas ?" Pois sim, isso dizem Vocês, mas eu é que sei!. E, quase com certeza nunca viria a contar esta estória. E por aqui me fico até outra experiência.