Roxa xenaider

domingo, maio 13, 2007

CALOR vs FRIO

C/CALOR:

O Homem sempre pode despir a roupa que tem



C/FRIO:

O Homem nunca pode vestir a roupa que não tem..

sábado, maio 12, 2007

BEATRIZ

Era como se a conhecesse, de tanto ouvir falar nela. Os pais eram meus companheiros de trabalho e, para além disso, grandes Amigos. Falavam nela, e eu habituara-me a perguntar pela Beatriz e mandar beijinhos. Mas, na realidade, só a “conhecia” pelas fotografias feitas pelos pais, e que eles achavam óptimas, como todos os pais acham as do”seu Bebé”mesmo desfocadas, tremidas e com o Bebé ainda de olhos fechados Deixá-lo. Vêem-no com os olhos do coração que ainda são os mais fiéis.
.Mas a Beatriz tinha de ser bonita ( Mendel dixit ). Alguns anos
passaram até que viesse a conhecer pessoalmente a Beatriz, de quem ia tendo notícias através dos pais, como já disse, meus companheiros de trabalho. Só vim a conhece-la já à beira dos quatro anos, numa festa de aniversário. Uma vintena de pessoas crescidas, e uma “multidão de três” crianças de cinco e seis anos: duas primas e um primo, Todos bem à vontade com os “grandes” de que eram filhos , sobrinhos primos, netos e bisnetos... Todos na “terrível idade” dos seis/sete anos. Portaram-se todos muito bem, correram, saltaram fizeram barulho, enfim deram alegria – e preocupações . E isso trouxe-me à memória um poema, já me não recordo de quem: “Uma criança que salta,
que canta, que ri, que chora,
é uma risonha Aurora,
que o coração nos exalta.
Triste daquele a quem falta
na vida que se evapora,
uma criança que salta,
que canta, que ri, que chora,!”
E a Beatriz chegou. Vinha de cabecita baixa com um chapelinho que lhe encobria o rosto a quem a olhava “cá decima”. A mãe diz, vaidosa: “vai fazer quatro anos”, e a Beatriz estendeu-me três deditos empertigados,
ao mesmo tempo que levantava os olhos, sorridentes, para mim.
Eram uns olhos claros, grandes que olhavam de frente para os meus, de que se não desviaram. Olhar inteligente num rosto calmo, respirando saúde e felicidade.
Uma sensação estranha, entre doçura e melancolia me assaltou enquanto a Beatriz se afastava para entrar na brincadeira com os outros novos companheiros.. Para alternar com a actividade lúdica , tinha a anfitriã preparado uns livros com um desenho colorido e outro só em traço para ser preenchido com cores iguais às do modelo. Das três garotas na mesa, ( o rapaz optara por actividades mais de acordo com a sua qualidade de macho) era a Beatriz a mais nova, mas mostrou ter uma notável sensibilidade às cores, chamando a atenção das companheiras para a cor certa a aplicar.
Não sei explicar o que se passava naquele pequeno coração, nem o que a poderia ter levado a, ao meio tarde, depositar-me na palma da mão, uma florzinha amarela. Só a corola, tudo o que os seus pequeninos dedos tinham podido colher.
Fiquei surpreendido e comovido, mas ainda mais surpreendido fiquei, quando pouco antes de se ir embora com os pais, se aproximou novamente de mim trazendo na mão meia dúzia de minúsculas flores vermelhas que, entre outras, crescem no meio da relva.
Enquanto os pais se despediam, mais uma vez me comovi perante aquele rosto calmo iluminado pelo brilho de uns olhos que me enfrentavam directamente sem se desviar dos meus.
Lembrei-me da minha filha mais velha naquela mesma idade.
Teria feito setenta anos quatro dias antes.

sexta-feira, maio 11, 2007

conto sem título

... conto, porque só o é se for contado; sem títuloporque muitos anos correram sem encontrar um apropriado, e antes de ter coragem (insensibilidade?) para o escrever. Porque a Dor dos outros, dos Amigos, é para se guardar no coração e procurar mitigá-la com carinho, quando mais se não puder fazer.
Acabara de regressar de uma estadia de dois anos nos Açores, num “Condomínio Fechado”.
Da alegria dos meus Pais não cabe falar, porque foi a que seria de esperar.
. Procurei Amigos que, apesar de receosos,me receberam muito bem, e outros “amigos” que já nem de mim se lembravam - ou procuravam esquecer.
Minha Mãe convenceu-me a ir – um tanto a contra gosto - ao Hospital dos Capuchos visitar a Maria Eva, uma moça de 18 anos, a mesma idade e o mesmo irremediável mal de minha irmã.
Argumentava a minha Mãe que eu tinha andado com Maria Eva e a irmã Beatriz ao colo quando a família morava em parte da nossa casa. Dizia-me que a mãe sempre perguntava por mim nas inúmeras vezes em que, juntas, trilhavam aquele caminho de lágrimas. Seria crueldade não aceder ao desejo de minha mãe, e lá fui, embora constrangido, como sempre me sinto quando num hospital, exibo a arrogância da minha saúde, procurando insuflar no doente uma esperança de melhoras em que eu próprio não acredito. E era aquele o caso.
Ali encontrei junto da Maria Eva, a Dª Hermínia e a filha Beatriz quatro ou cinco anos mais nova que eu, e que não voltara a ver desde os seus cinco ou seis, e que agora camuflava, com a pujança de uma mulher feita, a verdade dos quinze que teria. Junto da cama da Maria Eva parecia tornar a irmã, ainda mais frágil e doente.
Triste e abatida, mas disfarçando estes sentimentos com um ar e uma voz serenos, a Dª Hermínia, procurava sustentar com a filha uma conversa ligeira e simples que afastasse a possibilidade de qualquer referência à doença que,inexorável, a minava.
Espantosa esta Senhora que eu deixara de ver pelos meus onze doze anos, e de quem recebera todo o carinho, na estreita convivência da mesma casa.
Era Professora Primária, mas reformara-se cedo devido a uma escoliose que se foi acentuando gravemente. Sempre me impressionara o trabalho que ela fazia naquela casa onde vivia com uma irmã mais nova, que devia ter um problema mental e pouco ajudava na lida. O marido era um velho sargento reformado que, fiel aos costumes da época, não mexia uma palha. As filhas, eram muito garotas e só davam trabalho. Não quero mentir mas julgo que ela mesma leccionava as filhas. Além disso, costurava, adaptava a roupa da mais velha para a mais nova, virava colarinhos, remendava a roupa etc. Aliás isto era corrente nas casas pobres, como eram todas as daquele Bairro. Mas à Dª Hermínia, acrescia aquela deformação incapacitante. Não se lhe ouvia um queixume, uma palavra mais ríspida. Comigo, que era uma criança tinha um carinho de mãe.
Depois de tantos anos, voltava agora a vê-la mais deformada, mas com a mesma disposição de ajudar e dar amizade aos que a rodeavam. Tratou-me com o mesmo carinho de antigamente. E eu comovi-me, e procurei responder com igual sentimento, mas com a dificuldade de o expressar com receio de parecer criança, aos vinte anos. .
A Dª Hermínia convidou-me para jantar em sua casa. Com alguma timidez mas, devo confessar, com a vontade de rever a Beatriz, aceitei o convite.
No dia marcado lá fui. Era uma casa de um só piso, que como janela tinha um postigo aberto na porta. Havia muitas assim nos Bairros pobre, e aquela era uma dessas na Rua da Penha de França, Perto do Largo de Sapadores. Quando, anos mais tarde, passei casualmente por al. A casa fora demolida, deixando no muro a que vivera encostada anos sem fim, o contorno da estreita construção.. Hoje, no local, existe um prédio de vários pisos.
Mas voltemos à narrativa que me propus. Como atrás disse, apresentei-me no dia e hora marcados, Com a Dª Hermínia, que entretanto enviuvara, estavam a irmã. e a Beatriz .
Sentámo-nos em amena conversa enquanto se concluía o jantar que tinha de ser aprontado na ocasião. A Dª Hermínia quis saber tudo acerca da minha permanência no tal “Condomínio Fechado” onde me deram hospedagem, onde fiz dezoito anos e me mantive (mantiveram) até aos vinte. Procurei amenizar a narrativa, contando que comigo havia mais quarenta hóspedes, infelizmente todos homens.. Noutro “ressort”.havia mais cerca de duzentos que não tivera ocasião de conhecer.. Curiosamente não só não me debitaram a estadia, como me forneceram cama, comida e roupa mais ou menos lavada.
Enfim, procurei manter a boa disposição de todos, principalmente da Dª Hermínia. que soube muito bem captar a ideia de que aquilo não teria sido bem assim.
Finalmente veio o jantar,. Uma magnífica e fumegante cabeça de pescada acompanhada de batatas e grelos. Posta na mesa, que não era grande, a travessa do peixe ocupava uma boa parte deixando pouco .mais que o espaço para os quatro pratos e talheres, e um candeeiro de petróleo com o vidro partido e um pedaço de jornal colado no seu lugar. Nada que eu não tivesse já visto em casa de meus pais. O vidro estava já um pouco mascarrado, o que lhe retirava alguma intensidade luminosa., mas não se lhe podia mexer. sem correr o risco de acabar de parti-lo. Estrategicamente instalado sobre o fundo de um tacho virado, passou a cumprir razoavelmente a sua função..
Com o apetite aguçado pela espera, íamos finalmente começar a jantar. Subitamente, na pior altura, alguém bateu à porta que era naquela mesma divisão. Levantou-se a Beatriz e foi abrir. Um golpe de vento vindo da rua atingiu o candeeiro. O vidro pulverizou-se literalmente espalhando uma chuva de pó de vidro sobre aquela cabeça de peixe que certamente custara muito mais do que poderiam gastar. De alguma coisa terão prescindido, talvez de outra refeição, para me oferecer aquele jantar de carinho e amizade.
Senti-me um miserável. Odiei-me, por não poder remediar aquele desastre da única forma que se impunha: levar aquela consternada família a um restaurante e oferecer-lhes o jantar.
Ninguém disse uma palavra. Nenhum de nós estava em condições de o fazer.
Levantámo-nos da mesa em silêncio, e em silêncio nos despedimos.
Com o coração num farrapo fui jantar a casa de meus pais. E elas?.

segunda-feira, maio 07, 2007

Culinária

Corria a década de quarenta do Século XX e, como aliás na década de trinta, a produção cinematográfica em Portugal foi significativa, em termos de quantidade. Os trabalhos de filmagem de uma nova produção “quase sempre” se seguiam ao terminar da anterior. Como se calcula isto era motivo de satisfação para todos os profissionais. Ocasiões houve em que se trabalhava em dois filmes simultaneamente, um de dia (o que estava prestes a acabar) e outro de noite. Em Cinema ganhava-se muito bem – e gastava-se “melhor”. Por algum motivo escrevi mais acima “quase”. É que, por vezes, se esperava meses pelo filme que “vai começar já para o mês que vem”. Entretanto esgotara-se o que se havia ganho - e gasto - sem pensar nas
contingências da profissão.
Em todo o caso, no que ao Cinema respeita, estes foram “Bons Tempos” dentro dos terríveis tempos que ainda iríamos viver por mais trinta anos.
Estas duas décadas, de trinta e quarenta foram a primeira e a última em que trabalhei na Tobis e na Lisboa Filme, antes de rumar a Angola.
O Cinema português de então, se bem que incipiente e carente de meios técnicos, era vivido com paixão, e com imaginação que muitas vezes supria a falta de meios técnicos. Porque todos amávamos o nosso trabalho, melhor dito, a nossa actividade profissional variada de uns para outros.
Acabado o dia normal de trabalho às 18.00 horas, o que até por vezes acontecia, ia-se jantar a casa e voltava-se à Baixa para a boa conversa à mesa do Palladium. O Café consagrado pela gente de Cinema. Ali descontraíamo-nos até cerca da meia noite/1 hora.
Visto a esta distância - sessenta/ setenta anos -, isto parece impossível . Mas é exactamente a distância que dá veracidade ao que ficou dito. Primeiro, toda ou quase toda gente morava em Lisboa, depois o trânsito era reduzido (mas nós, logicamente não nos apercebíamos disso) e um eléctrico demorava vinte e cinco minutos do Lumiar aos Restauradores. Outro até Stª Apolónia – por exemplo -
pouco mais de dez minutos. Mais quinze para o regresso, e aqui temos que, mesmo gastando meia hora a jantar, era perfeitamente possível estar no Palladium às oito horas.
Em noite de estreia, acabada a sessão, ia-se para o Palladium recordar a fita e as reacções do Público. Fechado o Café, era a esquina do elevador da Glória que acolhia a nossa ansiedade enquanto esperávamos pelos jornais já com uma crítica, feita muitas vezes em cima do joelho.
Era nas tertúlias mais ou menos ruidosas, na varanda do Café, que se juntavam a nós pessoas que queriam saber como era “essa coisa do cinema por dentro.” Creio que por relações com alguém do “meio”, aparecia com alguma frequência o Professor Anselmo Vieira, que, curiosamente, tinha sido Professor na Escola
Ferreira Borges, no tempo – princípio do Século XX – em que meu Pai lá andou e falhou o Curso Comercial. Com êxito semelhante. Também eu por lá passei no fim dos anos vinte. Era, nessa altura, Director o Prof. Anselmo Vieira. Não quero que se tirem ilações erradas: Não pensem que se tratou de uma perseguição do Prof. Anselmo ao longo das gerações. Nem sequer nos conhecíamos.
Por esta altura, anos quarenta, era o Professor já muito entrado em anos. Pessoa bem educada, falava pouco, estava mais interessado em ouvir as nossas conversas meio loucas.
Ao tempo, as Mulheres não iam sozinhas aos Cafés, com excepção das de Cinema e de Teatro, e das coupletistas espanholas, sempre acompanhadas de uma respeitabilíssima “Madre”.
Entre os casais (poucos) de Cinema, um havia particularmente assíduo. Era o Produtor Carlos Arbués Moreira
Que trazia a Mulher praticamente “debaixo do braço” porque era muito pequenina. A Senhora era filha de Cândido de Figueiredo, autor do Grande Dicionário da Língua Portuguesa. Quando o casal entrava sempre alguém dizia: “Lá vem o Arbués com o Dicionário de bolso”.
Entretanto iam-se desfiando as conversas entre os homens versando quase exclusivamente o Cinema. E a pobre senhora ia ficando um pouco abandonada até conseguir a atenção de uma “vítima” que, muito delicada e sofredora, ficava a saber a fundo como era a rendinha, o bordado a ponto de cruz ou um elaborado prato.
Pois naquela noite a “vítima” foi o Professor Anselmo Vieira, a disciplina culinária com um requintado prato de tomates. E senhora, com pedagógica minudência ia explicando: “ pega-se nos tomates; escaldam-se os tomates;” e o Prof. continuava a ouvir com uma expressão estranha. E a Senhora continuava: “pelam-se os tomates; tiram-se as grainhas aos tomates” e o Professor com expressão e voz dolorida: “Ai, Minha Senhora!”