Roxa xenaider

sexta-feira, novembro 24, 2006

O Fascínio de África


Dizia-se em Angola, que quem bebesse água do Bengo não mais se iria embora. Até Dezembro de 1949 nunca pensara em ir a, e muito menos "para" Angola. Dela só sabia que: "era catorze vezes e meia maior que Portugal, que o clima era quente e húmido no litoral, e seco e fresco nas terras altas." Inesperadamente surge-me um convite para ir a Luanda por um período de seis meses, filmar alguns Documentários. As condições eram tentadoras. A partida seria no mês seguinte. Simplesmente, perderia um ou dois filmes de fundo em Lisboa, e isso não iria ser bom para o meu currículo. Além de que; tenho de confessar, adorava o meu trabalho sobretudo as filmagens de “Interiores” no Estúdio da Tobis.
Então propus um contrato por apenas dois meses. Depois de várias diligências, o Produtor Ricardo Malheiro que se encontrava em Luanda, aceitou as minhas condições. Marcaram-me passagem para meados de Janeiro. Com isso, perdi a oportunidade de estagiar num filme de Jaques Becker em Paris, estágio que fora conseguido pelo meu Amigo José Ernesto de Sousa – anos mais tarde Realizador de "Dom Robert" com Raul Solnado – . Visto os prós e os contra, optei por ir a Angola, ficando o estágio em Paris para outra oportunidade... que nunca surgiu.
Assim, no dia 21 de Janeiro de 1949 parti para Luanda onde iria cumprir um contrato de apenas dois meses. Como já disse cheguei a Luanda no infernal mês de Janeiro. O calor e o grau de humidade, insuportáveis para quem acabava de vir do Inverno europeu, quase me fizeram arrepender da aventura. O Hotel Turismo daquela época, apesar de ser o melhor da Cidade, estava instalado ainda num imóvel antiquado, sem qualquer sistema de ventilação, obrigando a manter abertas as janelas dos quartos para nos dar uma ilusão de frescura. - Como se por elas pudesse entrar o que lá fora não havia!... Entrava sim, o que por lá abundava: mosquitos. A única defesa era o mosquiteiro que rodeava a cama. Os mosquitos ficavam a zumbir do lado de fora, e com eles, qualquer ténue e improvável brisa.. Logo numa das primeiras noites de desesperada luta tendo por fim adormecido num sono agitado, senti o pescoço encharcado e ardendo como se estivesse em fogo. Pensando ser apenas transpiração igual à que sentia em todo o resto do corpo, mesmo sem acordar, me ia coçando o que só fazia que cada vez me sentisse mais molhado e numa maior extensão. Já não era só o pescoço, era também o peito. Ainda de noite fui à casa de banho com a intenção de me refrescar, e ao olhar para o espelho fiquei horrorizado. Do queixo para baixo e em quase toda a largura do peito tinha bolhas de queimadura, que eu próprio rebentara, no desespero daquela noite. Um líquido corrosivo que delas se libertara, fora queimando tudo à volta, com a preciosa ajuda das minhas diligentes unhas. Logo de manhã corri para a Farmácia onde soube que se tratava da simpática visita de boas vindas, de uma "Cantárida,"
mosca que dá a picada,
que injecta o líquido,
que provoca bolhas,
que as unhas rebentam,
que espalham o veneno
Que o meu peito queima!...
Como se teria ela insinuado no interior do mosquiteiro? Confesso que nada me poderia ter fascinado menos. Na farmácia fizeram-me um tratamento igual ao que fariam a queimaduras pelo fogo. Ainda levei vários dias até que tudo voltasse ao normal. Em todo o caso, tempo
suficiente para me perguntar se aquilo era já o tal "Fascínio". Talvez fosse, mas só o princípio. Logo após embarquei para Moçâmedes, Paralelo 15, a mais de 1200 quilómetros para Sul. Antes de sair de Lisboa, procurara informar-me sobre a roupa que deveria levar.Disse.-me alguém que já lá estivera, que levasse só roupa fresca; que toda a gente andava em mangas de camisa, etc. Assim, não trouxera nenhum agasalho, nem um simples casaco. Como tencionava demorar só dois meses, achei que ia bem. Resumindo: em Moçâmedes não podia sair à noite. Atravessei toda a Baía até ao Saco, num ronceiro gasolina entra as 03.00 e as 07.30 horas. O Corpo Humano resiste a muita coisa...até à idiotia do dono.!... No Deserto, conforme relatei noutro escrito, voltamos um jeep que após várias cambalhotas acabou por ficar direito, e sem graves mazelas, tanto nele com em nós. Tinha quinze dias de Angola. O Deserto, e todos os outros locais que fui descobrindo por aquela imensa Angola, fascinaram-me! - .Que digo eu? Fascinaram!? Estava completamente apanhado. Em Maio recebi a Mulher e os filhos pequenos. Regressamos num dia 25 de Agosto: 29 anos, 8 meses e 10 dias depois, em 1979. Já estou em Lisboa à vinte sete
anos. O que foi Fascínio, é agora Saudade, uma imensa Saudade

sábado, novembro 18, 2006

Isto só em África !...

Claro que não será bem assim, mas os espaços imensos e o isolamento a que obrigam, tornam se propícios ao parecimento de criaturas com bizarras personalidades e atitudes, chocantes primeiro, depois banalizadas pela constância. Não vou começar por uma personagem bizarra. Pelo contrário, trata-se de alguém muito bem educado e ocupando uma posição de relevo em Angola: o Engenheiro Benevides – descendente de Salvador Correia de Sá e Benevides. Era ao tempo Presidente do Instituto do Café de Angola, entidade que me havia encarregado da execução do Documentário "Café de Angola". Tinha pois de filmar em várias instalações daquele Instituto. Fui com um colega de trabalho pedir ao Presidente um documento que nos autorizasse o acesso à Fábrica de Beneficiação de Café, e a recolha das imagens necessárias. O Engenheiro Benevides começou a escrever um cartão enquanto nós o observávamos. Talvez se tenha apercebido da nossa indiscreção. Subitamente suspendeu a escrita, ergueu os olhos para nós, e disse com alguma atrapalhação: "Querido, é o nome do Encarregado da Fábrica." De facto, o que tinha acabado de escrever no Cartão era justamente "Querido". Acabámos por nos rir todos três sem ter pedido desculpa pela indelicadeza da bisbilhotice. No âmbito do mesmo filme desloquei-me à Gabela, na Região do Amboín grande produtora de Café. Levava uma Credêncial do Instituto apresentando-me às Autoridades Administrativas que me dariam o apoio logístico de que precisasse. Também me acreditava perante a C.A.D.A, Compª Agrícola de Angola, cuja Fazenda Boa Entrada, era um exemplo de organização. Administrada pelo Major Corte Real pessoa de uma gentileza não muito fácil de encontrar em terras do interior. O primeiro contacto que procurei foi o Administrador Melício Nunes, de que já ouvira falar, como era inevitável dada a fama que o acompanhava. Era espalhafatoso, sem cerimónias, fazendo e dizendo o que lhe vinha à cabeça. Era tido como meio louco. Nessa tarde mandou-me dizer que estava ocupado, e que o esperasse no Café ao fim da tarde. Assim fiz, e logo que chegámos à fala apresentei a Credencial e, ao mesmo tempo um documento do Instituto dando algumas dicas sobre locais e actividades que conviria destacar. O Melício começou a ler com muita atenção; tanta que a dada altura levanta a voz, olha para mim e exclama: " Festa das Colheitas!? No Olho!..." Que nunca tal coisa fora vista naquela Região. Aproveitou para desancar os autores do documento. Entretanto pedi-lhe que me facilitasse transporte para a CADA, que aliás não ficava longe. Aí, sem negar o auxílio, aproveitou para soltar a bilis sobre o Major. Pelo que pude depreender a questão estava na escolha do Major Corte Real, que optara por mandar construir as residências dos funcionários em terrenos da própria Fazenda preterindo os da Vila, como queria o Administrador. Aliás o "Bairro" da C.A.D.A. estava muito bem localizado e era bastante agradável. Foi por aqui que começaram os "desabafos" do Melício. Perante uma pessoa que acabara de conhecer; à mesa do café, sem o menor constrangimento, abre-se nestes termos, referindo-se ao Major : "ele julgava que com isso me f..., mas quem o f... bem, foi a minha Madrinha que é a Nossa Senhora da Conceição, e que lhe mandou umas boas cargas de chuva quando ele tinha o café a secar nos terreiros". Fiquei tão atrapalhado com a alegada posição da pobre Madrinha, que ainda agora hesitei em escrevê-lo. À noite fui fazendo os meus apontamentos , e anotando aquilo que me parecia mais exequível, e o que julgava mais difícil. Assim foram correndo as filmagens por alguns dias. Quando regressei a Luanda fui informado pelo meu colega Lemos Pereira, responsável pela logística e os contactos na Capital, de que o Engº Benevides tinha urgência em tomar conhecimento do que já estava feito, e do que deveria ainda ser incluído. Com a pressa, não dei ao meu colega os apontamentos feitos sobre o joelho durante o trabalho e que ele teria de decifrar e dactilografar. No dia seguinte o Engenheiro recebeu-nos no Gabinete (o mesmo do Querido ) e pediu os apontamentos que com alguma dificuldade, foi lendo e pedindo esclarecimentos quando lhe parecia necessário. Até que, levanta os olhos e pergunta: "Aqui, onde se fala da Festa das Colheitas, não percebo o que quer dizer no olho." Fiquei pouco menos que siderado. Tinha-me esquecido da surpreendente e curiosa expressão do Melício, e como a tinha "imortalizado" no meu canhenho. Ao mesmo tempo senti um calafrio a percorrer-me a espinha: "e se eu também tivesse "enriquecido" a minha escrita com a referência à Madrinha do Melício !?

EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

)

Não é, Tempo, na verdade,
que busquei a vida inteira,
mas uma grande vontade
de ouvir do Paco Bandeira
a letra duma canção
que não vou esquecer jamais.
Pois trago no coração
as cinco linhas finais.

. . . não adianta
deitar contas à Vida;
a Tremura dos Noventa,
não tem Conta . . .
nem Medida!...

Espero que alguém que conheça o poema, tenha a gentileza de mo enviar com alguma presteza: “Antes que aumente a Tremura e se acabem os Anos.”

sexta-feira, novembro 17, 2006

Adenda a Alcunhas

ADENDA A ALCUNHAS
( Fevrº/2006 )

Era uma garota muito bonita, bem disposta, com um sorriso radioso. De físico "mighone", nada faria supor que teria um Alcunha. Mas tinha um. Aliás, ganho por inerência Passo a contar: O Grupo Desportivo da Companhia dos Tabacos, "Os Tabacos" –tout court- ocupava umas excelentes instalações numa fábrica desactivada na Rua da Cruz de Stª Apolónia. Tinha um Salão enorme onde antes se se teriam fabricado milhões de cigarros e com certeza alguns edemas pulmonares. Inicialmente destinado a operários e funcionários da Compª - sócios efectivos - não tinha quase actividade visível. Foi então que a Tabaqueira concordou com a admissão de sócios auxiliares, exteriores à Empresa, sem direito a eleger e ser eleitos. Curiosamente o Presidente perpétuo da Direcção era o Senhor Paixão, figura típica de funcionário antiquado tanto nas ideias conservadoras como no vestuário. Era muito delicado e sempre receoso de uma falta de delicadeza. Gostava muito de discursar, não com muita fluência, mas com gestos dramáticos e tão largos que algumas vezes ficavam parados no ar esperando que se esgotasse a "branca" para então concluir o gesto em sincronia com a frase de efeito. Era difícil calá-lo quando em Assembleia usava da palavra. Era numa dessas brancas que a assistência rompia em aplausos, até que, não tendo outro remédio, suspendia o discurso até uma próxima ocasião. A sua eloquência sempre apoiada em frases "bonitas" tinha um chavão para quando se referia ao Clube e à sua tradição. Dizia muitas vezes com a mão sobre o coração e com uma paragem dramática. " Os nossos Pergaminhos!!!" e empregava o termo com tanta frequência e ênfase que ganhou o "Título"de "Pergamoides" . Foi sob a sua égide que se formaram Comissões que trouxeram mais dinamismo e desenvolvimento ao "Tabacos". Passou a haver aulas de ginástica, luta greco-romana, jogo do pau , ministradas por Mestres competentes e com bastante concorrência de alunos. Organizaram-se Saraus de Ginástica aplicada... e BAILES com muita concorrência de gente dos Bairros de Alfama, Graça, Castelo, etc. A cem metros da Séde, na Calçada dos Barbadinhos, havia um campo de patinagem que passou a ser um local de grande afluência de praticantes e espectadores a apreciarem as evoluções e principalmente, os trambolhões dos aprendizes. Era comum que nos festivais de patinagem artística se incluí-se um número cómico. Geralmente uma tourada, com touro, cornos e tudo, desempenhado por dois patinadores, cobertos por um pano preto, debruçados um sobre o outro, cabendo ao da cabeça, a movimentação dos cornos e a perseguição aos "toureiros". Quando se começou a ensaiar a "Fiesta" houve logo muitos candidatos a boi. Um dos mais insistentes era um moço muito novo que, embora patinando bem, não garantia "idoneidade" do bovino. Enfim tanto serrazinou os organizadores: " deixem-me fazer o boi! Eu vou fazer o boi muito bem!" que lhe proporcionaram um ensaio. De tal modo se comportou que foi aceite, e justamente para a cabeça do boi. Na noite do festival, revelou-se um autêntico "Miura". Foi o herói incontestado do espectáculo. Para além de ter recebido os aplausos do Público, ganhou ainda uma lembrança artística. Mas ganhou
também um alcunha para o resto vida: "O BOI”.Como era ainda garoto, não se importou com o epíteto. Mas a irmã, coitadinha, tão graciosa e simples!... mas era a irmã do Boi, daí que passasse ser a “Vaca”, ...por “inerência”.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Isto já não ´+e...

“. . .ISTO JÁ NÃO É ÁFRICA!!!”Justificar

Assim ouvi dos"antigos" quando em 1950 aportei a Angola. Trinta anos depois, surpreendi-me a dizer o mesmo, quando eu próprio me tornara um "antigo". O Dr, Abel Pratas que foi durante a década de 50, Director dos Serviços de Veterinária, tinha uma ordem de classificação por antiguidade, muito própria. Dizia ele: " nos primeiros cinco anos são Ultramarinos; até aos dez anos são Ultramarotos¸ depois dessa data e até aos vinte, são Ultramalandros. Para cima disso, são VENÂNCIOS". Esta última classificação, radicava no "Ódio de Estimação" - aliás, muito bem correspondido - que nutria pelo Comandante Venâncio Guimarães Sobrinho, grande potentado do Sul de Angola onde possuía uma frota pesqueira em Porto Alexandre; fábricas de farinha e óleo de peixe, e ,Armazéns Frigoríficos em Moçâmedes . Uma Moagem em Luanda e:
"the last but not the least".Grandes Explorações Pecuárias na Província de Húila. E por aqui é que "o gato foi às filhós" do Dr. Pratas. Pisavam o mesmo terreno mas em posições, que diria, inconciliáveis. Aqui eu atrevo-me a dar alguma razão ao Director da Veterinária. Tive ocasião de ver, pelo menos, uma situação de grave abuso. Uma Fazenda de gado do Comandante estendia a vedação até menos de cinquenta metros de uma "Chimpaca" (Grandes reservatórios das águas pluviais, construídas pela Geologia e Minas, destinados a abeberar os rebanhos dos pastores nativos durante época seca.). Pois a Fazenda tinha instalado uma conduta de dentro para fora da vedação até alcançar a água da Chimpaca e desviá-la para uso do seu próprio rebanho. O dr. Abel Pratas tinha também os seus hábitos de velho funcionário público desde há muito investido em Cargos de Direcção . Ele tinha sido o Primeiro (?) Director da Estação Pecuária da Humpata,, situada no alto da Serra da Chela, a 1700 metros de altitude, local magnífico para passar férias, mas totalmente destituído de condições para estudar e aclimatar gado bovino que depois iria ser criado em condições climatéricas totalmente diferentes, pois a Humpata constituía um micro-clima irrepetível em qualquer outro ponto de Angola. Aliás Angola era rica em micro-climas.
Tinha o Dr. Abel Pratas construído naquela Serra umas instalações que eram o seu enlevo. Além das infra-estruturas inerentes à criação e estudo de gado bovino, erguera também uma bela Casa, praticamente um Palácio, muito bem situado em termos paisagísticos, com um grande tanque de lavoura que, ficando junto à casa, bem poderia servir de piscina para quem fosse capaz de aguentar a temperatura da água. . .a 1700 metros de altitude, no paralelo 15 abaixo do Equador.


Estava na altura iniciando as filmagens de um Documentário sobre Pecuária, quando o Dr. Pratas iria fazer uma viagem de inspecção à Humpata, onde nessa altura era Director outro Veterinário, o Dr. Champallimeau. Do ramo pobre, é claro. Muito simpático e atento observador dos ditames do "Todo Poderoso".. Resolveu o Dr. Abel Pratas levar-me consigo de forma a dar orientação quanto aos aspectos mais relevantes a filmar. Logo na primeira manhã fez questão de passear pelo jardim, alias muito bonito, dando instruções ao seu Colega sobre as espécies de flores que no seu entender eram mais próprias para cada canteiro, cada zona de sombra ou de Sol. Devo dizer que o Dr.Pratas era uma pessoa bem educada e sempre me tratou amigavelmente. Só não lhe perdoo o nunca acertar com o meu nome, chamando-me sempre António Silva ou, ainda pior António Sousa, isso sim, realmente ofensivo por razões que me dispenso de relatar.. Não sei se era por dar pouca atenção às opiniões alheias ou talvez houvesse ali o hábito de utilizar "em proveito próprio" as sugestões dos seus subordinados. Vou falar de um pormenor que não passando disso mesmo, de um pormenor, ajuda ao retracto do Senhor Director. Regressávamos num fim de dia dos trabalhos, e passando por uma baixa com uma pastagem muito bonita, limitada por um renque de chorões e onde na altura pastava uma manada de vacas "Frizeland" pretas e brancas, mas que aquela hora tardia, já não era possível filmar. Sugeri que no outro dia logo de manhã, quando a luz oferecesse melhores condições se filmasse um ou mais planos da varanda da casa de onde se desfrutava um panorama magnífico. Na manhã seguinte levantei-me muito cedo para pedir ao Dr. Champallimaux que mandasse colocar as vacas naquele pasto. Qual não é o meu espanto quando vejo o Dr. Pratas já na sala, e encaminhando-se para a varanda, diz: "Óh António Silva, estou a ver um sítio muito bonito para se filmar daqui, com umas vacas a pastar lá em baixo. Não lhe parece ? " Claro que me parecia,. . .já desde a véspera. Mas encaixei, e fiz o plano que ele tinha descoberto, , , naquela manhã.
Este tipo de relacionamento entre "figuras consagradas e influentes" e os restantes mortais, era uma marca da época, daquela "África que já o não era".. Assim, o Comandante Venâncio permitia-se ser contra o Governo de Salazar. Não sei até que ponto seria genuína esta posição, mas dava-lhe uma certa auréola de homem independente e corajoso. Mas a verdade é que se atravessava um tempo de facilidades, e de ausência de burocracias e receios que não podiam deixar de agradar a quem vinha de uma Lisboa de complicações e receios de tomar iniciativas que fossem contra o marasmo e que pudessem beliscar os interesses instalados. Das coisas que mais me impressionaram foram as facilidades concedidas para a execução dos meus trabalhos de Cinema Por exemplo: para as deslocações através da imensa Angola, tinha todos os transportes assegurados. Seja através das Autoridades Administrativas que no interior detinham praticamente todos os poderes de decisão. Seja nos Transportes Aéreos, aos quais tinha acesso mediante um curioso Livre Trânsito passado pela Direcção dos Serviços de Portos, Caminhos de Ferro e Transportes, ( de todo o género) Chegava a ser caricata a forma de que se revestiam essas facilidades. O Livre trânsito, assinado pelo Director, Engenheiro Kopke foi-me entregue, para exibir em qualquer Delegação da D.T.A. ou mesmo junto dos Comandantes dos Aviões em qualquer ponto do território onde houvesse apenas uma simples pista de aterragem. Esse L.T. estava passado sobre uma simples Senha de Expedição de Bagagem dos Caminhos de Ferro, e da qual constava que, "fulano, tem direito a passagem, prioritária em qualquer percurso" das Linhas Aéreas, ainda integradas nos Serviços de Transportes, mais tarde tornadas autónomas, com a sigla DTA. Mas de facto, só naquela África (que já o não era) podia ter crédito junto da Aviação Comercial um papelinho de má qualidade e pior impressão e mais pequeno que um postal. Foi precisamente com um destes “papelinhos” que embarquei em Luanda num D.C.3 rumo a Nova Lisboa. Aí embarquei num segundo avião. Este era um "Dragon-Rapid", bi-motor, bi-plano para oito passageiros. Curiosamente fora com estes aviões que a TAP iniciara as carreiras regulares Lisboa-Porto., aí pelas décadas 30/40, e foi também com eles que se iniciaram os Cursos de Paraquedismo Civil em Luanda nos anos sessenta.. A carreira deste pequeno avião não era ,pelo contrário, nada pequena. Partindo de Nova Lisboa, escalava Quipungo, Caconda, Sá da Bandeira, Moçâmedes, Porto Alexandre e Baía dos Tigres, cerca de 900 quilómetros. A propósito: à entrada da Baía, que se desenvolve no sentido Norte/Sul, por 37 quilómetros da Barra, ao Saco já perto da margem direita do Cunene e quase junto à Foz. Esta é, segundo julgo saber, a segunda mais extensa do Mundo. A primeira será a de Hudson nos E.U. Na Povoação situada na Restinga, grande areal ao nível do Mar, funcionam, as Pescarias e Fábricas de Farinha e Óleo de Peixe. Todas as construções são em "palafita" por causa dos ventos fortes (garoas?) que levantam grandes nuvens de poeira e acabariam por cobrir as edificações, todas elas de um só piso. . Também a garoa é responsável pelo reduzido tempo de vida das viaturas. Constava que o record de tempo antes de gripar pertencia a uma carrinha que durara OITO meses. A Costa, em frente é bem mais alta, formada por uma duna de areia muito branca listrada de areia negra por uma considerável extensão. Teria este "tigrado" dado origem ao nome da Baía ? Assim o ouvi, assim o passo adiante. . A aterragem na Baía dos Tigres, e a consequente descolagem, revestiam-se de um "dramatismo" à beira do caricato. Da borda do Mar partia um caminho em lajes com pouco mais de dois metros de largo e cerca de duzentos de extensão que termina justamente no Adro da Igreja. É a Pista de aterragem!. Eu diria: "Aterradora" Foi a primeira vez que vi uma sólida Igreja de pedra a encaminhar-se velozmente para o nariz do "meu" Avião, até se imobilizar: ela e o meu Coração, junto do Adro.. Ninguém me avisara disto! . Mas tudo correu bem daquela vez e em todas as outras das várias em que ali aterrei. Agora o caricato: parado o avião, dois homens pegaram na cauda, rodaram-na 180º e levaram o aparelho de volta ao início da Pista.. À descolagem voltámosa ver a Igreja a vir ao nosso encontro até desaparecer debaixo do trem de aterragem.
Permito-me voltar a Nova Lisboa para descrever a tripulação desta carreira semanal. O Piloto era o Alves, figura muito conhecida em todo o Sul de Angola. Era natural de Nova Lisboa onde tinha uma "chitaca" que cultivava entre uma viagem e outra. Era de estatura elevada para tão pequena aeronave. Antes de entrar no avião tinha de tirar o boné do fardamento e mesmo assim roçava com o alto da cabeça no tecto do aparelho. Gostava de fazer uma experiência para distrair os passageiros da monotonia da viagem. Deitava o braço fora da janela, e a corneta de aviso de perda de sustentação não se calava enquanto não recolhesse o braço. O Rádio Telegrafista era o Arroube, que também estava adstrito àquelas carreiras do Sul. Faziam uma bela equipa. Nesta minha primeira viagem naquele percurso, o que me interessava era sobrevoar a Foz do Cunene, onde se estava a construir uma Estação de Captação de Água do Rio para abastecimento da Vila,
através de uma conduta de trinta e sete quilómetros. Até àquela data a provisão de água era feita por um navio tanque vindo periodicamente de Moçâmedes. Justamente naquela altura o Mar tinha rompido a barreira natural de areia que o separava do Saco da Baía. Tínhamos trazido de Moçâmedes o Engº responsável pela Obra que fez connosco a viajem até à Foz. Mas, qualquer coisa se bizarro se passou, Avistáramos dois "guelengues", magníficos antílopes de grande porte, correndo pelas dunas. O Alves era um caçarreta compulsivo e, por coincidência levávamos a bordo duas carabinas destinadas à equipe de construçãoque vivia num acampamento junto à margem do Rio, e assim poderia abastecer-se de carne de caça. O Alves não hesitou, deu ordem ao Arroube para informar Moçâmedes de que iriamos aterrar na Praia junto da Foz do Cunene. Assim se fez e a comunicação foi mantida até que o avião parasse os motores e o Radio- telegrafista desse o serviço por terminado. Desta forma em Moçâmedes saberiam que tudo tinha corrido bem. ( um à parte: naquela "África que já o não era" ainda se aterrava o Avião da Carreira Comercial numa praia deserta, a um milhar de quilómetros da Base, só para ir à caça! ) E lá saímos todos em perseguição dos Guelengues, com o Alves a correr desenfreadamente à nossa frente de arma em punho. Mas os antílopes que estavam dispensados de formalidades de fronteira, lançaram-se ao Rio e passaram para o lado da África do Sul. (ainda não se chamava Namíbia) Foi uma grande desilusão para o Alves e para os trabalhadores da Captação. Mas era já muito tarde para voltar para trás a tempo de aterrar sequer na Baía ainda com luz de dia. Foi necessário voltar ao avião, pôr os motores a trabalhar, estender a antena pelo chão e comunicar a Moçâmedes que ficaríamos ali até ao dia seguinte. Assim, não pude fazer o meu trabalho. Fomos dormir e jantar (carne seca que estava uma delícia, pelo menos até ao dia seguinte quando vi carne a secar ao Sol. Dormimos debaixo de um toldo de Camião que estava apeado. Frio: o do Deserto, quase à beira de um grande rio, a poucas centenas de metros do Mar... no Paralelo 17. No dia seguinte retomamos a viagem para Norte: Baía dos Tigres, Aqui o Administrador Lúcio ofereceu-nos VINTE PESCADAS – 20.. parece estranho tanto peixe, mas nem tanto assim. A pescada daquela latitude é a única em todo o litoral de Angola. Para Norte de Porto Alexandre as águas começam a ser menos frias e a pescada já se não dá. Mas esta da Baía é de excelente qualidade mas... é fraca para obter óleo ou mesmo farinha. Isto é, não tem valor para as l. Fábricas locais.. Na viagem de regresso a caminho de Nova Lisboa, voltamos a aterrar em Quipungo. Como ainda era costume naquela "África"... a pista encheu-se de gente vinda das libatas das redondezas, principalmente crianças que, e ainda durante bastantes anos, não se cansavam de olhar com admiração e algum temor para aqueles estranhos pássaros com brancos dentro. Mas tive ali a grata surpresa do encontro com um Amigo: o Dr. Gardete, veterinário que
ali estava colocado há já algum tempo. Foi então que me lembrei de que parte do pescado me pertencia, e ofereci-o ao meu Amigo que o recebeu, literalmente, como uma Maná do Céu. O que ainda me restou ficou para o Alves e o Arroube, visto que o não poderia levar para Luanda.
Na carreira seguinte, uma semana depois, tornei a fazer tudo de novo, desta vez com êxito. Na Baía repetiu-se o brinde das pescadas. Quando aterramos em Quipungo já lá estava o Dr. Gardete, desta vez munido de uma cesta de razoáveis dimensões. Perguntei: " como é que soube?" - "Cheirou-me a peixe; por alguma razão sou veterinário!"
Ainda hoje tenho saudades daquela "África que já o não era," da Angola que foi a "Minha Terra" durante os melhores 29 anos, 8 meses e 10 dias da minha Vida.

segunda-feira, novembro 06, 2006

Porque cobrirão o Povos d'Arábia

.




..”porque cobrirão os Povos d’Arábia"
com escuras vestes sua escura pele?
É porque eles são uma Gente Sábia,
e escondem assim a esquálida magreza.
Mas luzindo alva e longa "Kabaia"
usada até, com certa gentileza,
igual a donzela que vestisse saia,
sobre um corpo robusto e anafado:
Eu Vi-te ali no José do Talho
a esquartejar uma exangue carcaça
inebriado com um tal trabalho,
até quase te esqueceres da desgraça
de te julgares herdeiro dos "Sunitas".
Mas conhecendo eu o Pai e o Filho,
não tenho mais dúvidas: vocês são "Xiítas"!!!...

domingo, novembro 05, 2006

Ao demandar as Índias

Ao demandar as Índias...saberia
o Grande Gama, aquilo que buscava?
mas indo ao “cheiro” da Especiaria
e não sabendo bem onde encontrá-la,
foi perguntando a quem quer que via,
até esbarrar com um Tigre de Bengala
e lesto perguntou: “Oh! bom, ceguinho:
onde fica o Manel da Mercearia?”
“Vai chamar cego ao Camões. Oh velhinho!
Se quereis Canela, Pimenta do Reyno,
é mister que procureis Dom Belmiro
que tudo compra e vende por atacado
- pessoa que, aliás muito admiro –
e que é do Colombo associado
em Chás, Cafés, Pastelaria Fina.
Eu sou o Nobre Tigre de Bengala.
Repara com quanta Graça Felina
e quanta maestria ao manejá-la!...
Melhor do que eu só a Mão feminina
da Graci...osa “Tigreza de Bengala”.
Junta mais esta à tua Colecção
pr’a que sempre recordes, ao olhá-la
a Sincera Amizade do