Roxa xenaider

sexta-feira, outubro 19, 2007

ESCOLA DO TCHIVINGUIRO

ESCOLA DO TCHIVINGUIRO

…” tirar de onde faz falta
para pôr onde faz vista“
( António Sérgio )

Em meados da década de cinquenta fui encarregado de fazer um documentário sobre a Escola de Práticos Agrícolas do Tchivinguiro, mais tarde Escola de Regentes Agrícolas na província da Huíla no alto da Serra da Chela, paisagem da mais impressionante beleza, que hoje, quarenta e cinco anos depois, fechando os olhos, “vejo” e sinto o assustador fascínio daquela paisagem grandiosa, que me provocou “a tentação do abismo” e me deixou quase em pânico.
Sempre que lá voltava; e voltei muitas vezes, sentia a mesma sensação

Antes de sair de Luanda recebi das mãos do Director dos Serviços de Educação uma pasta com indicações sobre aquilo que deveria merecer mais destaque no filme, começando por referir a grandeza do edifício, e os pormenores arquitectónicos.
.Indicações bem vindas, posto que, desconhecia completamente aquela Escola que iria ver pela primeira vez.
O Director dos Serviços de Educação, quando me entregou a pasta, fez questão de me recomendar “não se esqueça dos pormenores arquitetónicos”.
Dias depois, voei os mil e tantos quilómetros que me separavam de Sá da Bandeira de onde me levaram até à Escola, do Tcjhivingiiro deixando-me pouco menos que abandonado à porta de um edifício grandioso, mais pelas dimensões do que pela arquitectura que era bastante simples, harmoniosa, mas onde nada havia digno de destaque, a não ser a incongruência de uma tão grande construção, no isolamento de uma imensidão de terras até onde a vista alcançava. Curiosamente,a cerca de cinquenta metros a residência do Director, um pequeno “chalet” de agradável arquitectura, . parecia tornar ainda maior a Casa Mãe,.
. Nada mais à vista.
Entrei para o átrio que era tão espaçoso quanto o exterior fazia prever. Muito alto, com o teto apoiado em várias colunas, a impressã que deixava era de algo conventual.
Calmo, sossegado silencioso
Nenhum bulício que indiciasse a presença de alunos.
Subitamente foi-se o sossego, a calma, o silêncio.
Um homem novo, de porte altivo e atlético surge de uma escada ao fundo, dirigindo-se a mim gesticulando e clamando em alta voz.
“Se o senhor vem aqui para filmar os pormenores arquitectónicos ,bem pode voltar pelo mesmo caminho!””
Fiquei surpreso e até indignado com, a recepção, mas procurei manter calma..
“ Eu não sei quem o senhor é, mas sempre lhe digo que trago uma credencial da Direcção dos Servços que me autoriza a filmar as várias actividades desta Escola, e também os pormenores arquitectónicos .”
“Desculpe excedi-me”,e apresentou-se. Era o engenheiro agrónomo Director da Escola.
“Vou mostrar-lhe toda a Escola, e o senhor poderá avaliar a justeza da minha indignação”.
Começámos pelo ginásio.
Era na cave e tinha dois metros de pé direito.
O dormitório, no último andar era muito comprido, e dividido longitudinalmente por um murete de um metro de altura.
De um lado e do outro encostavam-se as cabeceiras das camas dos alunos que tinham entre 13 e 19 nos.
Ao fundo, num recanto, uma cama coberta por um mosquiteiro .
Era de um dos professores. Não havia quarto para ele, e a “privacidade “ estava resguardada pela transparência do tule de um mosquiteiro.
Rapidamente nos afastámos daquele deprimente cenário, e com mais esperança ( da minha parte).entrámos no Laboratório de Física/Química. Sala bem iluminada, bem ventilada pelas amplas janelas, estava provida de grandes e sólidas bancadas … sem os tampos de mármore, ou de qualquer outro material.
Tinham uma canalização de muito bom aspecto e, presumo, boa qualidade, mas não tinham água ligada.
Passámos ao exterior, minha última esperança de poder colher algumas imagens dinâmicas como são as dos trabalhos agrícolas.
Como maquinaria apenas um pequeno tractor que já conhecera melhores dias e nem teria potência para mover qualquer alfaia que aliás não vi, nem perguntei se havia.
E agora, o que é que o senhor me diz”?
“Bem! Parece que vou mesmo ficar-me pelos pormenores arquitectónicos”.
Fomos almoçar e ficámos Amigos por longos anos..i



terça-feira, outubro 16, 2007

Um rasg~

UM RASGÃO NO “D.O”

Mais uma vez me deslocava a Cabinda, o que fiz inúmeras vezes, sempre com prazer.
Agora num avião militar, um” Dornier”, aparelho muito ligeiro que aterrava em qualquer sítio (quase), e tinha espaço apenas para seis passageiros, Três sentados de costas para os tripulantes, e outros tantos em frente destes.
Nesta viagem de cujo objectivo me não recordo, iam também três sobas de Cabinda e Lândana (suponho) e que levavam uns gorros de “mateba” (*) muito coloridos ,e com uma espécie de "maçarocas" igualmente coloridas e da mesma “mateba”, pendentes dos lados do gorro
Tratava-se certamente de alguma distinção especial –os sobas eram muito velhos – e eu apenas conhecia aqueles goros por tê-los visto no Museu.
Os velhos iam impassíveis, não falavam e tinham um ar de quem não se encontrava muito feliz
Os tripulantes eram, o Alferes Alvarenga, piloto e um sargento rádio/ /mecânico.
A meio da viagem, uma lona do tecto do aparelho rasgou-se e começou a bater com o vento, fazendo muito ruído, além de sacudir bastante o aparelho.
Era incómodo de facto, mas não perigoso.
Em todo o caso a tripulação resolveu acabar com a anomalia.
O mecânico levantou-se e virando-se para o nosso lado, sacou de um enorme navalhão que introduziu entre as juntas metálicas do tecto,
Começou a cortar literalmente o avião ao meio, ficando ele com a metade da frente e deixando-nos abandonados nos céus com outra metade. Deve ter sido isto que os sobas pensaram a avaliar pela "brancura" dos seus rostos.
Finalmente a lona soltou-se, mas não abandonou o avião: agarrou-se à antena do rádio, que era vertical.
Era um grande pedaço que ficou drapejando como uma bandeira ao vento e continuando a provocar ruído.
Mas o pior, é que os sobas viam-no, e o susto manteve-se, se nao umentou.
Corria-se o risco de que antena que já ía bastante curvada, se quebrasse.
Então assistiu-se, ou por outra assisti, porque os sobas iam de olhos
fechados e sabe-se lá que deuses evocariam pois o piloto Alvarenga fez com o avião o mesmo que uma dona de casa faz para despejar o feijão duma panela : inclinou-o para o lado e sacudiu-o com violência.
A “bandeira” respondeu positivamente, escorregando um pouco para o topo do improvisado mastro.
. .O piloto repetiu as sacudidelas, e os sobas iam ficando cada vez mais “brancos”. Devo confessar que não ficaram pálidos sozinhos.
Finalmente a lona soltou-se, a antena endireitou-se, os rostos recuperaram as cores naturais escurecendo umas e outra.
Só que estava escrito que aquela viagem iria ter outros motivos para recordar..
Algumas milhas à frente avistámos uma cortina de chuva tão densa que não seria possível entrar nela sem forte risco de partir o avião, ou ainda, por desconhecimento da extensão da chuvada, poderíamos perder-nos, pois vinhamos fazendo “navegação à vista”.
Isto nos foi dizendo o comandante com quem a comunicação era fácil dadas as dimensões e a simplicidade do interior do Dornier..
Assim, demos meia volta fugindo a grande velocidade da chuva que só veio a alcançar-nos quando aterrámos na pista do Ambrizete e o piloto continuou pela povoação até parar à porta do Hotel onde esperámos que a chuva parasse.
Curiosamente não me recordo se almoçámos e continuámos até Cabinda ou voltámos para Luanda.
Enfim tive uma "branca".. . mas também, depois das emoções daquele vôo, para quê falar de um outro rotineiro, sem história ?
(*) “mateba”capim muito fino e resistente, com o qual se “tecem”
reposteiros, cortinas, adornos (como os gorros), peças de artesanato,
e o meu Pai encadernava livros.




Um rasg~

segunda-feira, outubro 08, 2007

SUSTO A PRAZO



Em mil novecentos e trinta e oito ou trinta e nove, teve lugar em Lisboa o Congresso do Vinho e da Vinha com o apoio do Ministério da Agricultura.
A fim de promover no estrangeiro o interesse pelo evento, mandou aquele Ministério que se realizasse um documentário cinematográfico em 35m/m,( formato ,comercial)
Foi indicado para o realizar, o Escritor Adolfo Coelho, funcionário daquele ministério e especialista de pequenos filmes de bonecos animados (não desenhos) destinados chamar a atenção do público para coisas úteis, como higiene alimentar, cuidados a ter com a criação doméstica , etc.
Servia como guião a prosa que o apresentador deveria “debitar
durante as exibições do filme.
Adolfo Coelho chamou como habitualmente, o Operador Aquilino Mendes , de quem eu era assistente.
Eu adorava os Documentários que o sr Adolfo Coelho realizava . para o seu ministério.
O cenário era sempre o campo, as culturas e até a Saúde
Lembrei-me agora, de um cujo título era “Nasceu um Menino”
e procurava divulgar os cuidados a ter durante a gravidez ,e o parto
De entre os planos mais delicados, destacava-se o do parto que filmamos na Maternidade Magalhães Coutinho.
Depois dos preparativos chegou a hora do nascimento e, como
é clássico, estando a câmara do lado da mãe, apareceu-nos o Bebé nas mãos da médica. Depois filmámos com pormenor todos os actos que se seguiram, desde o corte do cordão até ao enfaixar. E a entrega do filho à mãe.
Nada de chocante, antes de ternura, e que não se tivesse visto
antes.
Este filme passou a ser um dos complementos do programa de
“Fátima, Terra de Fé” de Brun do Canto, estreado em 1940 ou quarenta e um.
O Produtor, César de Sá, deu-me a incumbência de fiscalizar
o filme em todos os cinemas onde se exibisse.
Foi em Santarém que tive ocasião de presenciar a cena mais
caricata, mais retrógrada e mais hipócrita que poderia ter imaginado.
Uma tarde, entrou no cinema um grupo de alunas do colégio das freiras.
Eram raparigas adolescentes e vinham acompanhadas (guardadas) por duas freiras. Nada de estranhar.
Começou o espectáculo pelos complementos como era uso na época;, uso que se perdeu e foi substituído pela mastigação das pipocas..
Projectou-se primeiro um filme de desenhos animados, a seguiro Jornal de Actualidades, com as incontornáveis cenas de guerra.
Depois, antecedendo imediatamente o intervalo, projectou-se o documentário “Nasceu um Menino”
E o menino nasceu realmente mas as moças, muitas das quais
em idade de ser mães, não o viram..
Foram retiradas da sala para os corredores enquanto uma das guardiãs ficava a espreitar por detrás das cortinas, que o filme acabasse e as raparigas pudessem entrar para ver a publicidade, enquanto esperavam pela “Terra de Fé” e pelo “milagre” feito por nós no antigo campo de futebol do ;Lumiar.
Voltando ao prosaico mundo das realidades e aos documentários
de Adolfo Coelho, quero realçar que muito nos aprazia, ao Aquilino e a mim colaborar neles não sõ pelos cenários “ecológicos”,(palavra jamais ouvida naqueles tempos) em que se desenrolavam, como também pelos assuntos tratados: “Campanha da Pêra” (Lourinhã). Adubação do meloal” (Ribatejo) “Tratamento da Vinha, (?) etc.
Ou o estudo da malária pelo Instituto de Malariologia em Alcácer do Sal ( este por si só daria um relato detalhado ).
Já vai longa a listagem e ainda não disse o que mais nos agradava naquelas filmagens: os “planos de trabalho”, ou mais precisamente,
“plano para um dia“ Eu explico: o realizador era uma pessoa com uma deficiência numa das pernas o que lhe dificultava o andar, sobretudo nos campos de cultura. Acresce a isso o seu peso:,180 quilos, o que não o impedia de ser uma pessoa bem disposta com grande senso de humor e um dos três mais brilhantes conversadores que conheci: Leitão de Barros, Vasco Santana e ele próprio.,
A juntar a todos estes predicados, havia um que, - não direi
que se sobrepunha aos outros, - mas tinha reflexos mais directos
na nossa boa disposição para cumprir com rigor, e até com prazer o Plano de Trabalho de cada dia.
O nosso Realizador, era um insuperável “Gourmè”-
Logo de manhã encaixados no Fiat Balila de serviço, conduzido pelo motorista Moreira tendo o Realizador, metade no banco a seu lado e outra metade no seu próprio assento. No banco de trás, nós dois poderíamos ir bem à vontade não fora a mala da máquina, a bateria, a malinha das “manigâncias”
“plano de A caminho do .local de filmagem passávamos por um
Restaurante previamente referenciado por Adolfo Coelho, e aí,era encomendado o almoço nunca para antes das duas da tarde, após o que dávamos início à execução do resto do plano de trabalho.
, Trabalhávamos com vontade, não só por sermos profissionais
sérios e competentes, mas incentivados pela ideia do almoço de que já sabíamos a ementa, que íamos prelibando à medida que nos íamos aproximando do fim do “Plano de Trabalho” coincidente com
o sentar à mesa, de onde nos levantávamos passado horas, para reentrar no Fiat Balila. E ainda mais apertados, regressar a casa.
Não se infira do exposto que éramos uns mandriões uns relapsos
A ideia, aliás, boa. era não cortar o ritmo de trabalho com, um almoço que sendo frugal não reporia as energias dispendidas; ou uma lauta refeição emoliente que leva tempo a repor a energia que só volta quando já são horas de acabar o dia de trabalho.
Assim fora em todos os anteriores trabalhos com Adolfo Coelho, e assim está sendo agora com este que referi lá muito para trás .
Na ocasião procurávamos ilustrar o seguinte período: do guião: “,,, …”utilizando os mais variados meios de transporte demandam Portugal. centenas de pessoas.”…
Assim começamos por filmar carros nas fronteiras e navios de turismo no porto de Lisboa. Havia uma Companhia inglesa, a Yonard Line que ostentando na chaminé as cores da bandeira espanhola como cor da empresa, demandavam todas as semanas, o Cais do Tabaco, Stª Apolónia , desembarcava um grupo de turistas e partia dois dias depois levando-os de novo.
Mas o que não levava eram os magníficos casacos, alguns de peles, que as senhoras envergavam à chegada.
Com a aviação foi mais complicado, ainda não havia carreiras Internacionais regulares. Na verdade nem para o Porto havia carreiras que devem ter sido inauguradas pouco tempo depois.
Valeu-nos a “ALITALIA” que vinha a Lisboa de vez em quando,e que apanhamos quase de embuscada-
Deixamos para o fim os Caminhos, de Ferro, por serem os mais fáceis. Estavam ali com hora marcada, quase em qualquer sítio
Escolhemos entre outros locais, uma recta que começava junto da Estação de Vila Franca e se estendia alguns quilómetros no sentido Lisboa.
A localização, era óptima; ficava ao lado do terreno da feira anual de V.Franca, que nesse tempo se realizava à beira da estrada que vinha de Lisboa .
Logo depois daquele terreno, corria a linha ´férria a um, nível
ligeiramente mais baixo
Depois era o rio para onde corriam as ´águas pluviais através de valas que passavam por baixo dos rails.
Informados da hora a que passaria ali o rápido do Porto, fomos esperá-lo a uma distância conveniente de forma a dar um plano comprido.
A composição passava a um nível mais baixo do que a barreira onde colocamos a câmara, para fazer um plano bastante bonito.
Mas eu, mito novo, já assistente a alguns anos, sonhava vir a ser operador, ficava radiante quando o Chefe me mandava fazer algum plano
sosinho...
Como ele não me deu a chance, fui eu que a provoquei, sugerindo que uma imagem colhida de dentro de uma das valas, portanto mais baixa do que o comboio iria valoriza-lo.
O Aquilino concordou e eu peguei num “kinamo” câmara de corda portátil meti-me na vala ficando com a cabeça ao nível dos rails. Isso levou o Aqulino a dizer-me: “encosta-te ao lado de cá, se não queres que o comboio te faça um galo na cabeça”
Achei o conselho judicioso e segui-o. Momentos depois surge o comboio, passando em grande velocidade pela Estação, apitando desesperadamente, e em segundos passou por nós.
Certo de ter obtido uma boa imagem, virei-me dando corda ao “Kinamo”, quando vejo outro comboio em sentido contrário e já muito perto de nós, também ele sem parar de apitar.
Instintivamente, cheguei-me para o lado da outra linha e filmei aquele inesperado brinde que nos apareceu.
No seu posto sobre o terreno mais alto, também o Aquilino tinha aproveitado o brinde.
Comentando a inesperada sorte que nos sorrira: o dobro da produção com o mesmo trabalho, encaminhámo-nos para um excelente ensopado de enguias que nos esperava num modesto restaurante meio escondido numa rua ao lado da Estação. Por onde passáramos de manhã, a assegurar as
enguias
E entre boas dentadas nas enguias, a conversa do Realizdor, e generosas libações, passou--se o resto da tarde.
De volta a Lisboa fui deixar o material no, Laboratório que ficava na Avenida da Liberdade, onde hoje ´é o Hotel Tivoli.
Já de noite a caminho de casa, subia a Calçada dos Cavaleiros, quando subitamente sou assaltado por uma sensação de frio na barriga, tremura, e tal fraqueza nas pernas que tive de me sentar no degrau duma porta.
E foi sentado e ainda trémulo, que o meu cérebro foi capaz de formular
a pergunta: “…e se o segundo comboio, que tanto apitava, viesse uns segundo adiantado ?
A conclusão que tirei é que não haveria pergunta por falta de cérebro que a formulasse., o “galo” de que falara o Aquilino, teria de facto acontecido.
Quando no dia seguinte contei o episódio da Calçada dos Cavaleiros,
ao Aquilino, ele ficou quase tão impressionado como eu ficara.

Mais tarde, em Angola tornei a ter sustos assim…mas não me assustei.

HOTEL COELHO

…deveria ter escrito o Coelho do Hotel, ou simplesmente, o Senhor Coelho visto ser ele o motivo deste escrito
... Foi no princípio da década de 50, depois de muito ter ouvido falar dele, que vim a conhecer pessoalmente o Sr. Coelho e o seu Hotel, na primeira vez das dezenas que, ao longo de trinta anos visitei Nova Lisboa, uma bela e luminosa cidade do Planalto Central. E escrevi “visitei”, a pesar de sempre ali ter ido em trabalho.
Ali granjeei um bom número de Amigos incluindo o Sr. Coelho do Hotel. e ali, prosaicamente enchia o peito de ar puro e fresco, tão diferente do húmido e pegajoso que se respirava, e transpirava, em Luanda.
Como não podia deixar de acontecer, vou deixar o rumo traçado e meter-me por um atalho (desta vez pequeno, espero).
. Gosto muito de pastéis de nata, Belém, se for possível, aprecio neles,.sobretudo o folhado estaladiço como o dos de Sá da Bandeira e Nova Lisboa, ao contrário da “açorda” envolvente da nata dos pastéis de Luanda. E é a propósito do diferendo, secos v.s húmidos que vou contar o que presenciei num restaurante da Capital. Um cliente protestava indignado porque o sal não saía do saleiro. “ …mas que serviço é este,? Vocês não têm um saleiro decente que deixe sair o sal?. A próxima vez que for a Nova Lisboa, trago-vos meia dúzia,”
E pronto, estou de novo no bom rumo.
Que me perdoe o já então o meu Amigo Coelho.
O seu Hotel era modesto mas impecavelmente limpo e cómodo já que fora construído de raiz junto de outros edifícios de fachadas simples, sem nada que o distinguisse dos seus vizinho a não ser as letras pintadas na fachada: “HOTEL COELHO” .
Ficava no centro da cidade baixa, a duzentos metros da Estação do Caminho de Ferro de Benguela.
Quando o conheci era o Coelho pessoa para os seus cinquenta e tantos anos muito activos. Percorria os corredores do hotel sempre num passo estugado embora claudicasse um pouco.
Tinha vivido alguns anos no Brasil e de lá trouxera o gosto e a habilidade de fazer um café à moda carioca. Fazia questão de, à hora do almoço, trazer os apetrechos próprios para a sala e aí preparar um óptimo café de saco que fazia questão em ser ele em pessoa em servi-lo de mesa em mesa a cada cliente e com a satisfação de ver e ouvir os hóspedes a saborear e elogiar a excelência da bebida.
Conversava muito com cada um, inquirindo sempre se tudo estava a seu gosto.
Foi ele que me “receitou”os primeiros óculos que, aos trinta e sete
anos comecei a usar. Foi assim: eu estava sentado num recanto de uma sala a ler um livro quando ele, passando pelo corredor naquele seu passo diligente e claudicante, me disse mesmo sem parar:
“ a ler a essa distância está a precisar muito de óculos.”
Abençoado conselho que segui logo que o oftalmologista alemão, fez a sua habitual “tournée” anual a Luanda, onde ainda não havia tal especialidade..
Durante vários anos e frequentes passagens pelo Huambo, sempre fiquei no Hotel Coelho onde chegava muitas vezes altas horas da noite com centenas de quilómetros de carro pelas incríveis “estradas” de Angola dos anos 50/60. e sempre havia um quarto que não se alugava durante o dia para socorrer um eventual notívago., e era ele próprio que à chamada do guarda, se levantava e nos vinha abrir o quarto-
A vida correu de feição, da feição que com muito trabalho.
ele conseguiu dar-lhe.
Até que cansado, velho e saudoso da sua aldeia natal, resolveu deixar o hotel para os seus filhos e regressar à Metrópole.
Já com, passagem marcada resolveu ir ao Lobito tratar do embarque por via marítima de alguma bagagem mais pesada.
Pegou na carrinha e acompanhado da mulher meteu-se a caminho do litoral e por lá esteve uns dias.
Entretanto um amigo dele veio do Lobito a Nova Lisboa e perguntou no hotel pelo Coelho.
Responde-lhe o filho dizendo que o pai estava justamente no
Lobito-
“Não, Os teus pais saíram de lá há dois dias.”
Logo se pensou o pior: acidente não era provável visto que os trezentos quilómetros de estrada trazem directamente do Lobito ao Huambo, e alguém os teria forçosamente encontrado e
socorrido.
Partiram, cheios de preocupação e rogando que a providência
lhes permitisse chegar a tempo
O que pensaram foi que o Amigo com quase nenhuma prática de conduzir pelas estradas mal traçadas e pior tratadas daquela época,
tivesse tomado por alguma das inúmeras picadas que os camions de transporte de lenha para as locomotivas do CFB abriam aqui e além
naquele longo.
Valendo-se da experiência obtida em numerosas viagens já feitas, o amigo foi seguindo o rodado dos carros pesados, até encontrar o rasto da carrinha que entrara de facto numa picada, e logo a poucos quilómetros encontraram o carro enterrado na areia, com a senhora muito debilitada com fome e sede. (chegara a tirar, e a beber, a água ferrugenta do radiador com o auxílio de um lenço).
Disse que o marido quando o carro se enterrou e deu pelo engano fora em busca de uma sanzala e de gente que desenterrasse a
Carrinha
Ele não sabia que aquela região é dos “Mukuísses”, povo muito arredio e escasso quase sem habitações fixas
O meu infeliz a migo tomou a decisão errada e fatal, em, vez de voltar para trás, refazendo o caminho ´percorrido e esperar à beira da estrada pela passagem de qualquer carro que o socorresse.
Este foi um erro trágico, foram encontrá-lo, não longe da carrinha sentado debaixo de uma árvore.
Já sem vida
Ataque cardíaco, soube-se depois. Dera certamente pelo fim, pois que não caíra,.
A Angola generosa e fascinante de alguns dos meus escritos, é também ciosa daqueles que, algum dia, a amaram como Filhos e ela como Mãe quer abrigar na terra quente do seu seio,
Para sempre.