Roxa xenaider

segunda-feira, setembro 19, 2005

O REBOCADOR, OS CABOS E OS ENGENHEIROS

Na Cidade do Lobito, em Angola, havia nas décadas de 50 a70 um Estaleiro Naval onde estive a filmar para um Documentário sobre as Indústrias pesadas, nomeadamente a Metalo-Mecânica , Siderurgia e Construção Naval .Aí vi construir um rebocador de Alto Mar, coisa muito curiosa e que, vista do chão apresenta uma enorme barriga que, quem vê o navio na água não pode imaginar que “lá por baixo” esteja tão desmedida coisa. Mas está, e bem precisa é, não só para albergar os potentes motores, mas para proporcionar o lastro e o volume que se “agarre” à água permitindo que uma pequena embarcação reboque um paquete ou um cargueiro... do tamanho que todos nós conhecemos. Coincidente com a minha estada, foi concluída a reparação de um barco de transporte de máquinas pesadas, pertença da Cabinda Gulf. Este, já com alguma dimensão iria ser embarcado num outro com destino a
Cabinda. Preparei- me para filmar o içar da embarcação, manobra bastante delicada dado o volume e o peso desta. Para tanto, tinham soldado quatro argolas de aço, às amoradas de bombordo e estibordo, a vante e à ré. Por elas passava um cabo de aço que, ligado ao “gato” de uma grua gigantesca, tiraria a embarcação da água para a depositar no convés do transporte. Fui registando os preliminares e reparei que os cabos, ao que me pareceu serem dois, na realidade era só um que, dando a volta à argola de um bordo, passava pelo "gato", e ia terminar na argola do outro bordo. O mesmo procedimento tanto a vante como à ré. Tudo bem, segundo parecia, mas uma coisa me impressionou: a secção do cabo que me pareceu muito fino. Sem querer expressei a minha dúvida junto dos dois engenheiros e, ainda por cima, fi-lo em voz alta. Envergonhei-me logo pelo que tinha dito, pois não se tratava de qualquer coisa em que eu fosse entendido. Voltaram-se para mim, e um deles disse com um ar meio ofendido: “isto está tudo estudado. Penso que o que eu senti ao ver os cabos, não foi o achá-los, muito finos, em si próprios, foi mais uma questão de estética; como quando se vê uma pessoa alta com um chapéu muito pequeno. “Não diz a bota com a perdigota. Tudo preparado para o dia seguinte. Cederam-me um barco de Borracha com um tripulante, e afastei-me para a distância conveniente, de forma a ver o barco no seu conjunto. Começaram a içar, operação, muito lenta. Acabou-se a corda de minha Bolex 16m/m. Começo a dar corda, o que levou uns escassos segundos, mas os suficientes para que o barco ficasse livre do apoio da água, e que repentinamente, o cabo que tinha sido “estudado” rebentou, e o navio voltou a mergulhar levantando um espectacular cachão, mergulhando quase até à borda. Foi lindo. Mas a minha jactância da véspera foi castigada, e eu perdi aquele boneco fundamental. Fui para o pontal onde os engenheiros estavam comentando o acidente, e coloquei-me perto deles, mas “distraído” a filmar coisa nenhuma. E um deles disse, mais alto do que seria normal. As argolas não foram soldadas no sítio certo. Estavam ilibados os “bem estudados cabos”. Repetiu-se a operação daí a uns dias. Finalmente e felizmente tudo correu pelo melhor. Não sei se teriam mudado as argolas... mas os cabos eram mais grossos. Então onde estava a justiça que me fizera perder na véspera um boneco tão lindo e sem graves consequências ?

Novidades

Já tenho internete mas não me intertendo com ela.

domingo, setembro 04, 2005

A "fragata" do Bocage


No filme "Bocage", de Leitão de Barros, o poeta regressa da Índia comandando uma força de Marinha que desembarca da fragata "D. Fernando". Esta unidade naval já não navegava, estávamos em 1936, e estava fundeada no Tejo, frente ao Terreiro do Paço. Fizemos alguns planos a bordo, os possíveis, dado o estado precário do navio. Faltava no entanto mostrar a fragata a navegar, o que não era de modo nenhum possível. Mas, de alguma maneira, L.B. soube que o Almirante Quirino da Fonseca construíra uma réplica da fragata, com cerca de dois metros, que se destinava ao Museu da Marinha. Era uma obra de uma tal perfeição, que o cordame e as velas eram manobráveis do interior da embarcação. Bastava retirar o convés com a mastreação agarrada, meter lá dentro um garoto, industriado para fazer as manobras que lhe fossem indicadas. Isto, em termos de Museu, era um achado. E porque não fazer essas manobras com a Fragata a navegar? Pensou o Leitão. Ainda não tínhamos digerido bem a ideia, e já estávamos em Paço d’Arcos a bordo de uma "chata", uma pequena embarcação de boca aberta, a remos, e que era frequente nas praias de banhos. Meteu-se o garoto dentro do "navio", fechou-se a tampa (o convés), naquilo que bem poderia ter sido um caixão. Embarcámos quatro pessoas na chata, o Leitão de Barros, o responsável pela "maquete", o operador Bobone e eu, seu assistente. Ninguém pensou que a operação estava desde o princípio condenada ao fracasso. Só no dia seguinte, ao vermos em projecção o material filmado, é que nos demos conta. Por isso naquele dia iniciamos as filmagens vendo o velame a mover-se conforme o garoto "puxava os cordelinhos", até que a pequena embarcação, apanhando um vento de popa, aproou à Barra com uma perfeição e velocidade que atestavam a competência do Almirante. Mas foi exactamente a perfeição da maquete que impediu que a chata, carregando quatro pessoas, a acompanha-se, apesar dos esforços do barqueiro. Estávamos em Paço d'Arcos, e a barra do Tejo não ficava longe. Não chegámos a entrar em pânico porque não houve tempo. Passado um "século" de segundos, a embarcação aproou ao vento, certamente porque o tripulante continuara a mexer os cabinhos, e imobilizou-se. Foi como se tivéssemos acordado de um pesadelo. E a verdade é que acordámos mesmo, mas para a sensatez. Embrulhámos a trouxa e regressámos ao Estúdio. E que vimos nós na projecção no dia seguinte? Primeiro: A fragata em vez de estar a ser vista desde o nível da água, estava a sê-lo da borda da chata que era bem mais alta que o seu convés. Poderia ser uma vista aérea do Século XVIII. Segundo: Os balanços do barco não estavam à escala com a ondulação, que embora ligeira, era real. A fragata balançava como um brinquedo, que realmente era. Resultado prático, foi aproveitamento de um plano mais afastado e que se "filtrou" com neblina, visto muito ao longe através de um óculo. Um homem aparecia gritando: "Alvíssaras, Alvíssaras! A Nau da Índia está a entrar a Barra!" Quanto a ensinamentos, se alguns colhemos, um se sobrepõe a todos. Pensar no caixão em que se poderia ter transformado a pequena fragata, e ponderar tudo muito bem e não voltar pôr em risco de forma tão insensata a vida de uma criança.

POTUGAL – FRANÇA

Algures pelo anos quarenta do Século passado, teve lugar, já me não lembro em que Campo, um encontro de futebol entre Portugal e França que trazia jogadores famosos, mas entre eles o Guarda Redes Da-Ruy era o mais conhecido e falado. Creio que muita gente foi ver o jogo para o ver a ele O administrador da Lisboa Filme, Francisco Quintela,, homem muito dinâmico, quis fazer algo de novo no ramo das “Actualidades” que naquele tempo, de Actualidades só tinham o nome, ..Propôs-se filmar o Desafio, no Domingo à tarde, e estrear na segunda feira à noite. Mobilizou quatro Operadores: Salazar Dinis, homem já consagrado em vários filmes de fundo, Otávio Bobone, também operador mas não consagrado e dois assistentes já com bastante experiência em trabalhos exteriores, O Mário Moreira –já funcionário da Lisboa Filme -e eu próprio,. “free-lancer” embora o termo fosse desconhecido naquele tempo. Assegurado
o concurso dos técnicos, foi altura de começar uma publicidade intensa em tudo o que eram jornais e rádio. Montou uma máquina incrível para a época, com um motociclista que ia levando para o Laboratório as bobines à medida que as acabávamos. A quem
só conhece o inferno do trânsito de hoje pode parecer impossível mas, há sessenta anos
atrás, o estafeta poderia fazer, e fez, esta viagem várias vezes, antes que o jogo acabasse. Por sua vez, o Laboratório ia revelando as bobines, de maneira que ao regressarmos, findo o Jogo e o trabalho, pudessem revelar as últimas e iniciar a cópia de montagem, que ficou pronta já de madrugada De manhã cedo fomos os quatro autores para a sala de projecção ver o trabalho feito. E aqui, vou fazer “flach-bakc ”,não tão flach como isso, para retornar ao Estádio antes do início do Jogo, e falar do Otávio Bobone, afinal o motivo primmeirol deste escrito. O Jogo foi só a paisagem em fundo. É que este operador, com quem qualquer assistente, só aceitava trabalhar, quando as dificuldades apertavam, para além de ser profissionalmente desactualizado, era intriguista - fui vítima, ou por outra, quase vítima disso.- considerava os eventuais
assistentes como seres inferiores que nunca o poderiam igualar. Procurava que não
aprendêssemos nada com ele. Do que, felizmente, Deus nos livrou. Nessa época,
começaram a usar-se fotómetros em vez do “olhómetro” habitual. E ele comprou
um, como aliás todos os outros operadores.. Pois o Bobone quando queria fazer as contas, virava-se de costas, e muito dobrado sobre si próprio, escondia de nós os mistérios, de um livro de instruções que vinha junto com o aparelho que, todos nós,
com maior ou menor sacrifício, ( custava mais de um conto de reis) já tínhamos adquirido.. Traçado um ligeiro esboço da criatura, entremos agora no caminho que nos levará ao fim da narração. Um final com que já contávamos, mas não deixou de ter algo
de inesperado Mas esta é uma história de Cinema; deixem-me pois fazer aqui um
“flash-back”. Antes do início do jogo, reunimo-nos os quatro para nos pormos de acordo quanto aos “filtros” a utilizar, de forma a que a fotografia fosse homogénea, ao mesmo tempo escolher o local que cada um de nós iria ocupar de maneira a cobrirmos
toda a área do campo. Aí o Bobone achou que não devia compartilhar os seus saberes com os outros, e que cada um deveria fazer como entendesse. Assim o Salazar Dinis e nós, os assistentes, acertamos todos os pormenores sobre a fotografia. Quanto aos
lugares que cada um deveria ocupar, de algum modo condicionados pelo tipo e volume das câmaras, demos a primazia da escolha ao Bobone, afinal ele sempre era o mais velho. Ficamos espantados quando ele escolheu um posto ao nível, do terreno, junto à linha lateral, o local menos indicado para um homem gordo e pachorrento, ainda por cima utilizando uma câmara pesada e de difícil manobra.. Findo o jogo que Portugal ganhou por 3 a1. Filmamos três deles Na manhã seguinte fomos para o Laboratório e entramos directamente para a sala de projecção sem esperar pelo Quintela. Iniciou-ser projecção que começou pelo trfabalho do Bobone. Era o quenós esperávamos, para pior. Com os jogadores sempre a deslocar-se em velocidade, afastando-se aproximando-se, não tinha possibilidade de os seguir, nem sequer de os manter focados. Nós não gostávamos do Bobone, mas isto era confrangedor de mais, para nos deixar indiferentes. De súbito, abra-se a porta, e entra o Quintela. Com a obscuridade da sala
não se atreveu a vir até nós e manteve-se junto à porta, em silêncio,até se aperceber do
desastre .Então, de certo pensando que aquilo só poderia ser de um dos assistentes, Clama “ Quem é que fez esta merda?” e ouve-se a resposta dada com toda a tranquilidade. “Fui eu Senhor Quintela.” “Oh, senhor Bobone, eu não sabia.” E, novamente a voz pausada e calma do Bobone: “ Pelo facto de ser meu, não deixa de
ser uma. Merda” De facto não se aproveitou um metro, mas eu...quase gostei do Bobone.

sábado, setembro 03, 2005

O Hipólito guloso

O laboratório cinematográfico especializado em legendas impressas em filmes estrangeiros, nos anos trinta, era na Av. Da Liberdade num palacete um pouco acima do Hotel Tivoli, que ao tempo ainda não existia. Éramos quatro empregados, e o mais recente era o Hipólito. Para situar esta história vou, sucintamente, referir alguns pormenores deste processo de trabalho. Usávamos vários produtos químicos, nomeadamente ácidos nítrico e clorídrico, hipossulfito de sódio e gasolina. Tudo a mãos livres... boca e narinas idem. A primeira operação, consistia em endurecer a película com um banho de álcool puro e formol que lhe era dado dentro de um armário aquecido, para que saísse seco no fim da operação. Um exaustor transferia o ar saturado do interior do armário para a sala. Daí para o exterior saía, naturalmente, através dos nossos pulmões. Para bem se avaliar do estrago produzido, basta dizer que, quando de manhã ligavamos o sistema, ficavamos com a garganta a arder e os olhos a chorar. Mas passado algum tempo já não cheirava a nada, a garganta não ardia, e os olhos já não choravam. Mas se ao longo do dia entrava alguém estranho, puxava logo por um lenço e fugia para o jardim dizendo que cheirava a formol. Nós bem o procurávamos sossegar garantindo que de manhã cheirara realmente, mas que já tinha passado há muito. Quer isto dizer que a habituação nos atraiçoava e permitia que nos fossemos envenenando lenta e inconscientemente. Mas porque vem isto tudo a propósito do Hipólito? Pois vem muito a propósito sim senhor. É que nesta sala, com o ambiente descrito, estava colocada uma grande mesa de trabalho, onde comíamos os almoços trazidos de casa. E era aqui que todos os talentos profissionais do Hipólito desapareciam para dar lugar à sua enorme gulodice. Olhemo-lo. Era sobre o gordinho, cara redonda, óculos grossos, e por detrás deles uns olhos pequeninos que se iluminavam de concupiscência quando abria a lancheira do almoço. Recordava-me uma história da minha infância, "O Fradinho da mão furada", e em que eu tinha imaginado um fradinho assim. E aqui começa a tragicomédia Hipólito vs almoço. Avancemos que ele nunca sabia o que a mulher lhe tinha posto na lancheira. Mas de uma coisa tinha a certeza: sabendo a mulher da sua gulodice, não deixaria de lhe arranjar um bom petisco, ou dois. Porque o almoço do Hipólito compunha-se sempre de dois pratos. Ao abrir as marmitas, babando-se de antecipado gozo, deparava-se-lhe um dilema que se repetia diariamente. Por qual dos dois começar? "Eu gosto mais deste, é melhor deixar para o fim... mas se como o outro primeiro, depois já não tenho tanto apetite e já este não me sabe tão bem. Mas se o como primeiro, porque gosto mais, e como o outro depois, não me fica na boca o gostinho bom do primeiro". E acabava a saltitar de um para o outro durante todo o almoço e a estragar ambos, julgo eu. Mas quem sou eu para botar palavra em tão complexa matéria? Mais um pormenor a enriquecer o currículo do "fradinho". Por essa altura eu comecei a ficar doente e a perder o apetite. Tinha fome mas não conseguia engolir uma garfada. Por isso a minha mulher começou a arranjar-me uns almoços mais apetecíveis, mas mesmo assim não resultou e eu continuava a olhar para o meu almoço... e o Hipólito também. Aqueles olhinhos cúpidos não descolavam do meu prato, e o Hipólito lá juntava o meu almoço ao dele sem se importar muito com qual o gostinho que lhe iria ficar na tão gulosa boca. Mas a vida é por vezes cruel e não há bem que sempre dure. Eu acabei por ser hospitalizado e acabaram-se os almoços suplementares do Hipólito.

O ELEFANTE COR DE ROSA

Quem entrava no hall do Hotel Terminus, no Lobito, encontrava do lado esquerdo um pequeno bar muito british, só com balcão, onde se tomavam uns drinks antes do jantar. Sobre o expositor das bebidas, frente ao balcão, estava em exposição um elefante com uns trinta centímetros, numa prateleira onde em letras em relevo se podia ler: "IT'S A REAL PINK ELEPHANT". Assim, os cidadãos britânicos, com alguns copos a mais, podiam estar sossegados que ainda não estavam a ver "pink elephants" e podiam tomar mais uns wiskies. Ao longo de trinta anos sempre me hospedei naquele Hotel nas inúmeras vezes que aportei ao Lobito. Um dia dei pela falta do elefante e perguntei por ele: "Roubaram-no", foi resposta do desconsolado Barman. Quem poderia ter sido, quem não poderia, o tempo foi passando, até que um dia vi com espanto que o elefante voltara ao seu lugar. Quiz logo que o Barman me esclarecesse sobre o mistério, não do desaparecimento, que esse tinha sido claramente um roubo, mas do inacreditável regresso. Como é que foi? E o Barman explicou-me: Há umas semanas recebemos de Inglaterra uma encomenda volumosa acompanhada de uma carta com um pedido de desculpas dizendo, "Quando aí estive achei-o tão original que não resisti ao impulso (e se calhar também aos wiskies, dizemos nós) de o vir mostrar aos amigos do meu Club".

COMISSURAS E COMISSÁRIAS

Discreto, nas comissuras
dos lábios das Comissárias,
o Giocondino sorriso,
sugere discretas venturas
a quem estiver indeciso,
e as mais variadas loucuras.
Qual "volátil" Gioconda,
enquanto voa sorri.
E nós lá vamos na onda,
pensando:
"No que foi qu’eu me meti!? "

sexta-feira, setembro 02, 2005

O Vasco Santana



Depois de o ter visto várias vezes no Teatro, conheci pessoalmente o Vasco Santana durante as filmagens de "A Canção de Lisboa". Ele tinha exactamente o dobro da minha idade, 34 anos. Mas tratou-me sempre com amizade. Aliás a forma como eu entrei para o filme tornou-me de certo modo conhecido. E foi assim: eu já conhecia o Chianca de Garcia e o João Ortigão Ramos, respectivamente Director e proprietário do Cinema São Luiz, mercê das relações entre este cinema e o Tivoli onde eu era o empregado do escritório. Claro que esse conhecimento e respectiva relação não deixava de ser de homens feitos com um garoto, o que naquele tempo, no princípio dos anos trinta, impunha uma certa distância. Em todo o caso eu sempre pareci mais velho do que na realidade era ( hoje dizem-me que não é nada assim, mas eu não posso confirmar). Pois esse conhecimento permitiu-me o atrevimento de, num domingo, dirigir-me ao Estúdio da Tobis que ainda não estava concluído e por isso as filmagens se faziam numa antiga adega. Dirigi-me lá e pedi para assistir às filmagens. Fui autorizado, e aquilo para mim era um sonho. Por sorte, naquele dia havia no Campo Pequeno uma tourada e todos queriam acabar depressa os trabalhos. Não era só eu o visitante, havia vários amigos dos Empresários e toda a gente começou a ajudar no que podia. Então peguei também num reflector e perguntei ao Henri Barrère, o operador francês, onde o deveria colocar. O homem ficou radiante por ter ali um rapaz que falava francês; porque quando tinha que dar uma indicação mais complicada a um servente, carpinteiro ou electricista, sempre tinha que se socorrer do Cotinelli Telmo ( realizador), do Chianca ou do Ortigão Ramos para lhe servirem de intérpretes. Fiquei logo como assistente de imagem. Era de certo modo popular por falar francês e por isso a minha relação com os mais velhos e classificados foi fácil. A minha relação com o "Vasquinho" foi particularmente estreita porque eu – como aliás toda a gente – gostava de o ouvir conversar. Era espantoso a contar estórias e a dizer piadas. Fui várias vezes ao Teatro Variedades de borla, ia ter com ele ao palco e depois ia ver o espectáculo. Depois fui preso, voltei dois anos depois e regressei ao Cinema. Tornei a encontrar o Vasco noutros filmes e ao longo dos anos já com outro estatuto e sempre com a mesma amizade. Porquê tão grande intróito? Pois para chegar aqui: Em 1948, isto é, 15 anos depois da Canção de Lisboa, filmávamos interiores de "Ribatejo" no Estúdio da Lisboa Filme, hoje Tobis, e o Vasco fazia o papel de um guardador de porcos. Mas ele, como outros actores de Teatro, fazia duas sessões por noite e aos domingos ainda uma matinée. Por isso o Vasco Santana pedia que o fossem buscar a casa o mais tarde possível, conforme o horário das filmagens - normalmente os actores entravam na maquilhagem às sete da manhã para começar as filmagens às nove horas. Numa certa manhã, por volta das dez/onze horas, fui tomar um café ao restaurante e qual não é o meu espanto ao ver o Vasco sentado numa mesa solitária, já maquilhado e com o fato de cena. "O que é que estás aqui a fazer?", perguntei. E diz-me ele: "Anda cá que te vou contar uma coisa. Imagina que ontem me disseram que não tinha nada hoje e eu preparei-me para dormir até às tantas. Mas às sete da manhã aparecem-me a buzinar à porta, ó sr. Vasco houve uma alteração, venha lá por favor. Enfiei uma gabardina sobre pijama, vim para cá, e como vês ainda não fiz nada". E digo eu: "É pá mas isso é uma grande chatice!" -"Não é nada, diz ele, É porreiro! É bom para a gente contar mais tarde!" Nunca mais me esqueci destas palavras e da Filosofia de Vida que elas encerram. Por vezes é difícil suportar certas situações, e algumas das estórias aqui relatadas são disso bom exemplo. Mas agora é bom recordar...