Roxa xenaider

segunda-feira, setembro 24, 2007

IZARELLE

Francesco Izarelle se chamava, italiano como se depreende

Era Operador de Imagem e veio de Espanha onde trabalhara alguns anos, e era um homem tímido, coisa rara entre a gente da profissão, dava a ideia de que pedia licença para viver.
Fugira da Itália fascista e a partir daí trabalhara sucessivamente em França, Norte de África e finalmente Espanha..
Da sua prolongada convivência com três povos, três idiomas diferentes, “apurara” um idioma híbrido muito confuso, por vezes cómico que crismámos de “Izarellino”
Fizemos três filmes juntos:” Fado”. de Perdigão Queiroga, “Camões” e “Vendaval Maravilhoso, estes dois últimos de Leitão de Barros, ele director de fotografia, eu 2º operador.

Porque nós, habituados a lidar com outros técnicos de origem francesa ou espanhola, entendíamos o seu “izarelino”, convenceu-se de que falava português.

Deste convencimento nasceram alguns episódios picarescos que de certa forma aliviavam o ambiente por vezes pesado dos filmes de Leitão de Barros.

Aqui vão alguns de que me não esqueci

No Estúdio da Tobis, as pontes para os projectores., eram de montagem rápida e por isso frágeis, os electricistas quase se não podiam mover durante os escassos segundos que durava a filmagem de cada plano.
Se assim não fizessem, os projectores tremeriam fazendo tremer as luzes de cena, e obrigando a “cortar” a filmagem e a repetir o plano que estivesse em rodagem
Num dia em que isso se repetiu mais vezes do que seria razoável , o Realizador exasperado gritou. “CORTA”, o operador de som desligou os microfones., eu “cortei” a câmara, o chefe electricista desligou os projectores, e o Izarelle indignadíssimo gritou:

“no è dito de non passearse en las pontes essas !? És, que non hablo português puro!?

Houve prejuízo para a Produção, mas deu para descontrair.

Ainda outra peripécia:

Filmavam-se grandes planos do Camões na Batalha de Ceuta recriada dias antes em Torres Novas com o apoio da Escola Prática de Cavalaria, e em que um soldado ficou ferido e um cavalo desapareceu.
Os planos referidos foram tomados em Estúdio pelo sistema de “Transparência”.
Num “ecran” translúcido projectavam-se as imagens colhidas em exterior . Em frente, a câmara enquadrava o actor em “ plano médio” (acima da cintura),
No ecran desenrolava-se a “Batalha”.
Criara-se um ambiente dramatico.
Entre a câmara e o ecran, o António Vilar, cabeleira desgrenhada, rosto suado e expressão feroz , envergando um gibão da época, mas… em cuecas, escarranchado numa ripa de madeira com rédeas a sério e crinas de sisal, gritava como um possesso e espadeirava para a esquerda e para a direita
Tudo realmente muito dramático.!...
Frente ao actor, a alguns metros de distancia protegida por uma armação de grade, uma enorme ventoinha faria ondular o cabelo do Camões e as “crinas” da ripa de madeira, que assim “entravam em campo” deixando o "Cavalo Ripa"de fora.
Só que, no momento crucial não houve vento que chegasse ao Camões e lhe fizesse ondular a linda cabeleira ruiva.
Cortes como de costume, pandemónio geral . remontagem da “transparência, coisa complicada e demortada
Busca-se a causa do desastre e encontra-se o velho Apolinário , guarda da noite que de dia gostava de assistir às filmagens.
Estava especado mesmo em frente da ventoinha.
O Izarelle, aquela tímida criatura, explodiu de indignação:

.: “Apolinário! Ponerse delante de la ventoinha essa!

"QUE ARROGÃAAAACIA!!!...

IZARELLE

O ÓDIO

O “ ÓDIO “

Princípio da década de 50, do Século passado

Filmava em Documentário sobre as Missões Católicas em Angola, e na ocasião os trabalhos incidiam principalmente nas Missões do Planalto Central, onde se localizava a maior parte daquelas Missões, o que se compreende , dada a amenidade do Clima, e a grande concentração de povos..

Levava comigo uma espécie de “caderno de encargos” onde eram apontados os locais, e neles os aspectos de maior interesse, na opinião da Igreja; nem sempre coincidente com a minha e até com a realidade.

Fiel ao meu “ mau costume” de me desviar do caminho traçado, para ir dar uma voltinha, vou meter aqui um episódio que bem ilustra o que atrás digo sobre a realidade.

. Depois voltarei ao “caminho do “´Ódio”

Uma das maiores Missões Católicas de Angola, se não a ,maior., é a da Huíla a poucos quilómetros do Lubango (Sá da Bandeira)

Foi nesta Missão que viveu muitos anos o Padre Carlos Esterman que eu conheci já velho, uma figura impressionante de grande barba branca.

Escreveu um dicionário Português Qimbundo e uma obra (“Monumenta”) de que toda a gente falava nos anos cinquenta em :Luanda, mas que, creio, poucos terão lido.

Foi esta Missão que me foi indicada como um exemplo a incluir com relevo no Documentário

Funcionavam neste enorme edifício oficinas onde crianças da região aprenderiam várias profissões: sapateiros, alfaiates, tipógrafos, etc.

Fiquei radiante com a possibilidade de incluir imagens expressivas e humanas na monotonia das igrejas, monumentos etc.

rFoi porem, uma desilusão..

Onde esperava encontrar crianças aprendendo profissões em que se apoiariam quando se fizessem adultos, encontrei adultos já feitos em plena laboração num “complexo industrial”, desde sapataria passando pela confecção de roupas até à tipografia.

Foi nesta última, que tive ocasião de ver livros de facturas, recibos, etc. de firmas da Cidade de Sá da Bandeira.

Mas logo tive a explicação; dada alias com toda a simplicidade por um dos frades:. “sabe nós não recebemos do Estado qualquer auxílio, por isso temos de recorrer a estes trabalhos para manter a Missão. E como trabalhamos mais em conta, os comerciantes preferem-nos”

E pronto, retomemos o caminho do Ódio-.

Como disse mais cima tinham-me dado um, “caderno de encargos” onde se especificava o que deveria ser filmado, e até com um pequeno argumento

Contrariamente ao habitual em que trabalhava sozinho, trouxe comigo um colega de trabalho, Lemos Pereira, do sector administrativo e logístico do Productor.

De entre as indicações recebidas destaco a reconstituição dos ataques que algumas Missões sofreram no princípio do Século XX., com espancamento de missionários e incêndio de Missões.

A dada altura perdemos um pouco o controle dos “figurantes”, e acabámos incendiando a casa mortuária da Missão.

Não posso deixcar de acentuar que se conseguiram muito boas imagens, e no aspecto fotográfico, aquele foi. de entre os muitos que filmei, o que mais me satisfez..

No “assalto” à Missão houve que fazer vários planos de um grupo numeroso de homens que a um sinal do meu colega, se levantavam subitamente do capim em que se escondiam, empunhando catanas e em grande gritaria corriam em direcção à câmara que ultrapassavam..

Mas para os “actores” tudo aquilo era uma brincadeira, um divertimento e vinham a rir-se como uns perdidos.

Então, o Lemos Pereira lembrando-se dos filmes em que trabalhara em Lisboa,, reúne o grupo e diz-lhes com a maior convicção deste Mundo

“ VOCÊS TÊM UMA REACÇÃO DE ODIO!”

Alguém que venha a ler isto, dirá certamente.”que grande aldrabice, quem é que se atreveria a brincar com coisas que se revelariam tão sérias.?!”
Mas estávamos no princípio dos anos cinquenta do Século passado..
No entanto não deixa de haver razão para a. reserva manifestada.

O Documentário foi recebido pelo Governo Geral, foi pago mas nunca viu a luz de uma cabine de projecção

domingo, setembro 16, 2007

Uma vacada na Feira Popular

.

UMA VACADA NA FEIRA POPULAR

MELHOR DO QUE UMA “BOA” TOURADA EM ALGÉS

. . . pelo menos, estas não faziam sangue no “cornupto”, apenas nódoas negras nos tontinhos que plenos de coragem etílico/ilusória, se atreviam a entrar em Praça para enfrentar uma vaca que estava farta daquela “fiesta”

em que actuava vezes sem conta, noite após noite durante o verão.

Eram pois estas vacas licenciadas em marrada, e nem precisavam de se empregar a fundo; bastava uma corridinha para apanhar dois ou três “diestros canhestros” que se retiravam coxeando e sacudindo a poeira

ao som das gargalhadas e da troça que, quando dirigidas a outros, o incitaram a entrar, “só para ver”. .

Mas a fermentação de cevada, lúpulo, etc. depressa transformava um anónimo espectador num “Manolete” de pacotilha, e era vê-lo em mangas de camisa, já de fralda de fora, com o pobre e mal tratado casaco servindo de capa e, quantas vezes levado “para dentro” nos corno da vaca

que, ansiosa por regressar a casa, mal abriam a porta do curro, enfiava por ela, com casco e tudo.

Recordo-me de dois episódios de desfechos completamente diferentes, mas que tiveram o condão de .levantar a Praça em peso,

O primeiro durou uma “eternidade de segundos” enquanto um infeliz derrubado várias vezes pela vaca que já estava formada pelas várias noites de “aulas práticas”, desatou a fugir desesperadamente procurando um refúgio salvador. Topando com uma porta enfiou por ela dentro seguido da “doma da casa”

A Praça veio abaixo com a “visão” do que se estaria a passar na “casa da vaca”

O outro episódio aconteceu em noite de Praça esgotada por várias vezes, e em que ficou bem patente o espírito, o senso de humor da”gente do Povo”

Nessa noite, a “estrela” era uma vaca vigorosa e brava e a quem um grupo de tontinhos já bem bebidos tentava pegar de caras.,, mas a vaca não

colaborava e a arena estava sempre pejada de “tontinhos jacentes” ou viajando pelos ares a caminho da areia do chão.

O povo delirava, gritava ,incitava os candidatos a forcados.

De súbito entra na arena um rapaz muito bem vestido, de casaco acertuado e gravata. Era uma figura elegante,, alto e delgado e entrou em praça já com a pose de pegador: passo lento, barriga espetada para fora, enfim com toda a pose de um “cabo da cara”, só faltava o barrete.

“ Se hizo un silêncio de muerte” enquanto “ele” avançava lenta, e solene na direcção da vaca.

Foi então que, quebrando aquele pesado silêncio, uma voz trémula e chorosa se ouve em toda a praça ; “ Deus Noss’enhor t’ajuuuude!!!...”

E, contra todas as expectativas, quando se esperava ver o rapazinho seguir o percurso dos seus antecessores, eis que ele faz uma pega de grande categoria e espectáculo. Bem “embarbelado” suportou o primeiro “derrote” da agora pobre vaca que ficou em breve coberta de ajudas espontâneos, alguns saltando “corajosamente” da segurança da bancada onde se -ºapressaram a regressar antes que fosse solta a nova vaca que viesse vingar a brava mas extenuada companheira.

E o espontâneo e heróico “forcado” foi “Sacado em Ombros”. no meio dos frenéticos aplausos daquele “bom povo português” que, a pesar dos pesares nunca perdeu o senso de humor.

Valha-nos isso! .

quinta-feira, setembro 13, 2007

Ainda a Viagem Presidencial

o último almoço volante,

e o “primeiro” jantar…falhado

Depois da triste experiência de. Cazombo ainda sofremos mais alguns tormentosos almoços, e mesmo jantares volantes.

Mas, tal como não há Bem que sempre dure, não há Mal que

não acabe., e assim, no Lobito, já livres de protocolos e de rissóis, resolvemos com os camaradas da Imprensa de Lisboa, encomendar um farto e variado jantar num dos melhores Hotéis da Cidade.

Aperitivos, conversa, alegria a rodos e iniciámos o ataque às

igoarias.

Subitamente irrompe na sala um jornalista local, quase gritando: “então Vocês não se lembram que o Rádio Clube do Lobito, organizou um jantar de despedida, especialmente dedicado os Camaradas da Metrópole!?

“Olhem que eles estão todos à vossa espera!”

Não sabíamos, e se alguém o sabia, não avisou..

Os “metropolitanos” não torceram nem amolgaram, e continuaram a comer com o apetite de quem não jantara nas últimas semanas..

Mas arrancar da mesa duas dezenas de esfomeados fartos dos pastelinhos e sanduíches secas acompanhadas de cerveja quente,

era tarefa votada ao insucesso., porque aquela gente estava decidida a cometer a indelicadeza de faltar ao convite de camaradas de profissão para um jantar virtual em troca do abandono daquele muito concreto e gostoso que tinham à sua frente. E ninguém se mexeu.

Ninguém, não é bem verdade porque dois jornalistas locais,

Santos e Sousa do Rádio Clube de Angola (Luanda) e o repórter cinematográfico, os dois envergonhados por conta de outrem,

fomos tentar salvar a honra do Convento.

A pesar de tudo, fomos muito bem recebidos pelos nossos

Camaradas do Rádio Clube, que nos levaram até à mesa muito

bem decorada e florida, repleta de…rissóis, pasteis de bacalhau, croquetes pasteis de massa tenra, frango assado devidamente trinchado, docinhos, vários vinhos e cerveja, desta vez bem fresquinha. Valha-nos isso!

Foi o último “volante” daquela viagem e nós com o pensamento fixado no jantar “sentado”com que os “semvergonha” se estavam àquela mesma hora a banquetear.

O Santos e Sousa e eu não nos podíamos olhar sem desatar a rir.

Pelo menos conserváramos o Bom Humor..

l

terça-feira, setembro 11, 2007

ALMOÇOS

ALMOÇOS”

Visita Presidencial de Craveiro Lopes

1954

Já em escritos anteriores, fiz referencia à viagem do Presidente Craveiro Lopes, a Angola

Foram trinta e seis dias cansativos mas cheios de “casos e peripécias” dignos de serem recordados agora, a cinquenta e três anos de distância.

Este título “Almoços” pode dar a ideia de que teríamos passado a vida à mesa.

De facto, trinta e seis dias, implicariam 36 almoços. O que é quase verdade, mas o certo é que viagens houve em que o almoço foi substituído por longas e penosas horas de carro…e de “fome”..

Os almoços servidos nos “Grande Centros” não deixaram história, eram todos iguais, mais ou menos protocolares, os mesmos salamaleques , a mesma hipocrisia

. Nas pequenas terras do interior, nessas sim, os almoços têm história.

. Muitos deles, separados uns dos outros por centenas de quilómetros, ou por vários dias, apresentavam-nos, com toda a gentileza aliás, uma ementa igual à da véspera: - croquetes , pastéis de bacalhau, de massa tenra carnes frias, frango assado queijo, um, ou mais doces, enfim tudo o requerido por um “almoço volante”

Quanto a bebidas, sumos de frutos para o Presidente. Algumas garrafas de água mineral e, cerveja em abundância., e era com, ela que os convivas matavam a sede., daí a escassez de água propriamente dita

Acabado o almoço, ouvidos os mesmos discursos do anterior, partamos ao encontro dos seus irmãos gémeos.

A comitiva era grande, e acrescida da gente da terra, não havia sala que a abrigasse.

Era então que se dava verdadeiro valor à generosa Natureza .Aproveitando a sombra de uma frondosa árvore , improvisavam um verdadeiro banquete de rissóis, pasteis de bacalhau, massa tenra, frango

e…cerveja, Nada que não tivéssemos degustado já por mais de uma vez.

As Senhoras – mulheres dos “forças vivas”locais que se tinham dedicado talvez toda a noite à culinária, multiplicavam - se agora na

disposição da comprida ,mesa onde um “Almoço Volante” esperaria por Sua Excelência e acompanhantes que deveriam chegar à hora protocolar

Deveriam, mas milagre seria se o protocolo se cumprisse.

Prudentes e ingénuas as pobres Senhoras, na previsão de que o Presidente chegasse mais cedo do que o esperado, providenciaram para que tudo estivesse pronto com antecedência .

Assim, tudo foi armado à sombra de uma frondosa árvore onde uma

enorme mesa coberta de iguarias: rissóis,. pasteis de massa tenra, de

bacalhau, carnes frias, frango assado, doces vários, frutos e…cerveja.

Tudo teria oferecido um atraente e delicioso espectáculo…DUAS HORAS antes.

Porém a comitiva, como sempre, atrasou-se e a sombra fresca e

protectora, da frondosa árvore, foi fugindo indiferente ao sofrimento das chorosas Senhoras.

Tudo estava ressequido, rijo, e até a cerveja estava morna quando chegámos e as chorosas Senhoras nos encheram de pedidos de desculpas

Mas a fome que trazíamos acabou por nos levar a fazer as honras à

Cerveja morna e aos pasteis secos que de certa maneira ajudaram a secar os lacrimosos olhos femininos

Quanto a bebidas, para além dos sumos para o Presidente (julgo que trazidos pelo Mordomo da Presidência), e de algumas garrafas de água mineral, em matéria hídrica apenas cerveja , Tinham cuidado pouco

da água propriamente dita.

Para mim, esta falta foi dramática., Como repórter cinematográfico,

transportando uma câmara que àquela hora já pesava bem mais do que os seis quilos originais, não podia, como aliás todos os meus camaradas da Imagem, não podíamos comer muito para nos podermos movimentar com facilidade . No meu caso estava fora de questão qualquer bebida alcoólica durante o trabalho, a bem da firmeza de mãos…e da câmara., por isso

não bebia, e não comia para não ter sede.

Era a segunda vez que me deslocava a Cazombo, onde estivera a filmar a Leprosaria.

Nesta altura o meu desespero era grande, e mal pude dar por finda a

reportagem, larguei a correr estrada abaixo a caminho do avião que estava longe mas onde havia água fresca.

Quando atravessava a Povoação onde tudo estava fechado, reparei

numa casa com a porta semiaberta, e de onde vinha um som de festa. Não pensei duas vezes. Empurrei a porta e entrei .

Era uma loja, e lá ao fundo, para lá do balcão, uma mesa com comida e

gente ruidosa em volta..

--“ Boa tarde, por favor dêem-me um copo de água, estou morto de sede”

-- Olá, então por cá outra vez ?”

Reconhecera-me pela Câmara , certamente..

Levantara-se um homem, que veio cumprimentar-me

Com uns restos de humidade que ainda conservava na boca, consegui articular: “ por favor, um copinho de água”

“ Qual água! Qual nada!”, o Amigo vai é beber uma cervejinha aqui com a gente”

“ Não. Não. Por favor, prefiro água “

Mas aquela gentileza de pessoa, virou-se encaminhando-se

para a geleira repetindo: “qual água, uma cervejinha é que é”

E eu, ,junto ao balcão, com a voz suplicante de um ser perdido no Deserto: “´Água,! Por favor Água”!

Então, vendo que o homem não desistia. Já abria a.geleira, virei as costas, saí porta fora e corri desesperadamente até ao avião que ficava

Longe, ma tinha água fresca –

Mais tarde, já “após água”, pus-me a pensar nos comentários que o

homem -que tão gentil quisera ser, teria feito sobre a minha inexplicável grosseria..

Por mim,.penso que a minha pobre Mãe, se os tivesse ouvido, não teria gostado.

Os deuses protegeram-me .

Nunca mais tive de ir a Cazombo.

quinta-feira, setembro 06, 2007

uma boa tourada em algés

UMA BOA TOURADA EM ALGÉS

Lisboa 1945

Num dia de intervalo nas filmagens de “Ladrão precisa-se.”, o Zé Felipe e eu mais as respectivas namoradas, uma delas ainda aqui ao lado, resolvemos ir assistir a uma Tourada – que não era de modo nenhum o espectáculo da nossa preferência - mas enfim, namoro é namoro, e naquele tempo todos os pretextos eram bem vindos – e lá fomos, até com o aliciante de ver actuar um tal Gregório Garcia , mexicano suponho, e muito mau toureiro, no dizer dos aficionados, mas que o povo adorava porque era corajoso até ao disparate de se “deixar” colher várias vezes por corrida.

Nesta tarde, actuava também o Cavaleiro Alberto Luís Lopes, filho de António Luís Lopes, famoso Cavaleiro e, que mais famoso ficou

depois de interpretar o personagem de Marquez de Marialva no filme “Severa” de Leitão de Barros.

Parece que tão mal ia, e tão mal falava, que na altura, num dos teatros do Parque Mayer, os actores Raul de Carvalho, Barroso Lopes e Assis Pacheco do Teatro Dª Maria, numa incursão anti-crise ao Teatro de Revista, representavam uma “cegada”, onde cantavam versos todos eles dirigidos, à “Severa”.

Quanto ao Marquez de Marialva, rezavam assim:
“ Do São Luís, lá na sala
há um artista que estraga
as cenas todas quando fala.
E no almoço do Sr. Leitão,
esperaram por ele em vão
e alguém disse num alvoroço:
“Se ele vem estraga o almoço”

Mas, voltando à Tourada de Algés; as actuações do Cavaleiro não estavam agradando a ninguém. Diziam uns: “é do toiro que não investe!”
Diziam outros “é do cavaleiro que não “se chega”
Assim se estabeleceu um diálogo entre um espectador do “Galinheiro” e outro da Barreira, de Chapéu à Mazantine e tudo.
A Praça tinha umas condições acústicas excelentes e toda a gente ficou em suspenso ouvindo os dois antagonistas:
- dizia o do Galinheiro, lá no cima da Praça, (lugares em pé) empoleirado na varanda:
- “ Você não vê mesmo que o toiro não investe?”
E o outro invectivando o Cavaleiro: “chega-te ao toiro!
“Cita mais curto! O que tu tens é medo!”
A Praça continuava em silêncio suspensa deste diálogo.
E o do Galinheiro, em tom trazido lá do Bairro:
- “ Vá lá “bocê” já que não tem medo!”
Diz o de chapéu Mazantine:
- “Eu se lá vou, até pego no touro ao colo”!
E o do Galinheiro, pronunciando à moda do Bairro, espremendo as palavras com a ponta dos lábios:
“ Seu "melandro". Você não bai lá nem vestido de MURGUELHADOR!”!!”

Foi uma estrondosa gargalhada e uma ovação da Praça em peso.

sábado, setembro 01, 2007

O Imóvel, o Contador e os Gavetões



Há muitas espécies de Imóveis, e de “Contadores” , ou pelo menos havia, que eu lembro-me muito bem. Mas estes contadores de que falo, não são os conhecidos da EDP ou da Águas de Portugal, que nos levam os olhos da cara de dois em dois meses, e nos deixam à míngua de uma e de outra coisa, quando as suas facturas não são liquidadas no tempo e na hora por “Elas” determinados, seja por esquecimento ou outro motivo de força maior: falta de liquidez,

Não, Os contadores a que me refiro, não sendo também”contadores de estórias”, podem (podiam) ser repositórios de dramas, comédias, risos e lágrimas, enfim das memórias de famílias inteiras que, às suas inúmeras e estreitas gavetas as tivessem confiado

Dito assim, pode deduzir-se que se tratará de um móvel. É verdade. Um móvel maciço semelhante a uma cómoda, assente sobre pés que o elevam até, mais ou menos, à cintura de uma pessoa.

A partir daí “desfaz -.se” em pequenas gavetas até à altura conveniente. Destinado em princípio a arquivo contabilístico, tomaria mais tarde, o nome dos seus utilizadores.

Construídos em madeiras nobres, ostentavam preciosos trabalhos em talha.

Hoje poderão ver-se apenas em Museus, em Palácios .Nacionais ou temo dizê-lo, nalgum Palacete de Pato Bravo, guardando de novo coisas impessoais, recibos, facturas, promissórias, enfim retornado à sua burocrática condição original.

E do Imóvel, e no Imóvel ?

De que é feito ? Não de madeiras nobres: mas de cimento, ferro e mau gosto. Todavia qualquer coisa os assemelha: a forma rectangular, na maioria dos casos desmesuradamente grande, e a monótona profusão de “gavetinhas”.

Somente, estas minúsculas janelas – porque janelas são ou pretendem ser - não diferem das gavetas dos Contadores, nem (vistas à distância ) nas dimensões, nem na função. São “nichos” de arrumação. De papeis, objectos indiferenciados, quiçá uma ou outra jóia no Móvel. No Imóvel: gente, pessoas, famílias que o gigantismo do edifício torna indiferenciadas e pior do que isso indiferentes umas às outras.

Se for possível colocar lado a lado um e outro, assim farei, para confirmar perante mim próprio, a justeza da minha avaliação.


E que dizer do conteúdo destas “gavetas”? Qual será o efeito delas na saúde física e mental de pessoas que ali se “arrecadaram ontem à noite” esgotadas de corpo e de nervos depois de conduzir uma batalha de uma ou mais horas, contra outros congéneres, eles também ocupantes de outras gavetas, e tão esgotadas como eles próprios, para tudo voltar a repetir-se “hoje e sempre” até que o virtual esquife em, que se encaixaram, eventualmente os transporte até aos “gavetões” do muro do Alto de São João, para novo e definitivo poiso.

Tudo o que vem escrito parece indiciar um triste ocupante de “gavetas”. Tal não se verifica, nem se verificará nunca.

. Considero-me um privilegiado. Nem a clausura dos “gavetões” eu conhecerei:

As cinzas dos meus ossos vogarão pelos Céus de uma eterna Primavera, leves e finalmente Livres.